Estreia do Kiss completa 40 anos: quem riu por último?
Marcelo Moreira
Quem vê os shows do Kiss hoje ou vê as entrevistas de seus integrantes, muitas a respeito da megalomania que tomou conta de todo o mundo que envolve o grupo, não imagina que os milionários músicos tiveram de dormir no chão e dividir salsichas para conseguir algum tipo de atenção para a sua música. Ainda que as biografias da banda contenham evidentes exageros e dourem demais as dificuldades, é fato que os quatro garotos pobres que transformaram o Wicked Lester em Kiss em 1973 eram obstinados e persistentes. Na verdade, a dupla central – Gene Simmons (baixo e vocal) e Paul Stanley (guitarra e vocal) era obstinada e extremamente persistente, além de totalmente autoconfiante.
A sequência de desastres do início do grupo em nada projetava a megaindústria que o grupo se transformou 40 anos depois. "Sempre leio e dfou risada quando dizem que somos um fenômeno de marketing ou que apenas tivemos sorte. Sorte não explica o tamanho do Kiss atualmente, e não explica tudo que conseguimos. Somos competentes, somos bons para diabo, muito bons. Não somos os Beatles, não somos nem mesmo algo próximo dos (Rolling) Stones, talvez, mas veja a imensa maioria das bandas e artistas que são considerados pela crítica como melhores do que nós: eles construíram algo parecido com o que é o Kiss?", desafiou certa vez Simmons em uma entrevista para a revista norte-americana Rolling Stone no início dos anos 2000.
A estreia do Kiss em álbum ocorreu há exatos 40 anos, em fevereiro de 1974, com o álbum auto-intitulado. Insistentes, não cogitaram parar nem mesmo quando viraram motivo de piada nas lojas de discos de Nova York ou quando levavam 30 pessoas aos botecos onde tocavam. Os mascarados tinham certeza de que venceriam, e convenceram a gravadora Casablanca a apostar neles, mesmo que o LP de estreia tenha vendido nada. Pouca gente percebeu que havia algo diferente ali, em meio à tosquice das canções, da produção descuidada e da anarquia que era a promoção do álbum.
A música era uma festa, mas não foi compreendida na época. O rock progressivo predominava e o pop era dominado mais por artistas vindos da soul music. Havia uma aura de seriedade no ar e a zoeira do Kiss aparentemente não combinava, com aquela mistura de festança e circo. Os produtores Richie Wise e Kenny Kerner quiseram captar a animação dos shows e deixaram a sonoridade mais leve, o que se refletiu até mesmo na capa, onde o fotógrafo Joel Brodsky usou balões para a sessão de fotos. Ninguém entendeu nada.
O grupo ainda lançaria mais dois álbuns em um ano e maio, "Dressed to Kill" e "Hotter Than Hell" antes de estourar mundialmente com o álbum "Alive!", com gravações ao vivo que foram tão mexidas que muito pouco da música no palco sobrou. Seja como for, hoje a estreia do Kiss é considerada mais do que "cult", é uma verdadeira coletânea de clássicos e sucessos. Qualquer banda nos anos 2000 que tivesse um álbum com ao menos duas músicas do calibre de "Strutter" ou "Nothing to Lose" seria a maior de todas nestes tempos de indigência criativa.
Inacreditavelmente, há ainda joias como "Deuce", a delicada "Let Me Know" e as pauladas "Firehouse" e "100.000 Years", para encerrar com um hino, "Black Diamond". Um início perfeito e arrasador, vistos 40 anos depois. Na época, ninguém entendeu – ou ninguém quis entender. O visual mascarado era intimidador para uns, mas era desprezado pela maioria, que apenas riam daqueles palhaços. Hoje a maioria ri de satisfação quando observa a trajetória do Kiss. E aqueles palhaços que riram em 1974? Estão rindo do quê?
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