O 'novo mundo' de Catalau, ex-Golpe de Estado: entre a fé e as trevas
Marcelo Moreira
Foram anos fora dos palcos e da música. Sua dedicação era apenas ao púlpito, onde de vez em quando tocava violão e cantava. De bem com a vida, parecia ter encontrado a paz e espantado os fantasmas do passado.
André Marechal, também conhecido como Catalau, sentia-se bem no papel de pastor evangélico da igreja Bola de Neve, no litoral norte de São Paulo.
Quando o passando veio assombrá-lo novamente, anos atrás, estava preparado e não se intimidou com o chamado. Altivo e orgulhoso, deixou as restrições de lado e subiu algumas vezes ao palco para celebrar a música do Golpe de Estado, onde cantou por dez anos.
"Senti que era a hora", disse ao Combate Rock na época, em 2016, o primeiro veículo de imprensa a procurá-lo. "Nunca quis esconder ou limpar o meu passado. Apenas sobrevivi e escolhi um futuro diferente. Não me envergonho e construí outra vida. Cantar as músicas do Golpe de Estado não me incomoda. Será uma celebração."
Cumprindo a promessa, pastor André Marechal fez uma volta triunfal em show que se transformou em DVD, cantou em mais algumas datas e encerrou de vez sua participação no mundo da música. Voltou para a igreja e para o litoral norte de São Paulo e agora prega na Flórida, nos Estados Unidos.
Como cantor de rock, nos excitantes e tumultuados anos 80, encarnou o rock estar problemático e carente, com direito a todos os excessos como vocalista do Golpe de Estado.
Carismático, performático e genial, encarnava um misto de Jim Morrison, Robert Plant e Freddie Mercury. Cantava muito, mas dava muito trabalho, até que a década de excessos cobrou um preço alto e quase o matou. Foi o suficiente para largar tida uma vida e mergulhar na religião.
Foram quase 20 anos de silêncio ignorando as cobranças e recriminações dos "roqueiros" e dos "roquistas", com direito a patrulhamento de todos os lados. Catalau seguiu em frente e encontrou a paz, com direito a elogios e votos de sucesso de muitos amigos e fãs. Finalmente, parecia que estava bem.
De certa forma, a revelação de que Catalau é um fervoroso fã de Donld Trump, presidente dos Estados Unidos, e de Jair Bolsonaro, surpreende e choca.
Na conversa com um repórter do UOL, ele admira dos dois e diz que odeia a mentira, por isso apoia Bolsonaro – aqui, certamente, Catalau demonstra total alheamento ao que acontece no Brasil e aos meios de comunicação daqui.
Por outro lado, ao se bandear para a religião evangélica, Catalau não surpreende ao aderir a demagogos populistas que usam a própria religião como muleta. Parte expressiva dos evangélicos no Brasil apoia o autoritário, moralista e protofascista Bolsonaro.
A questão é a seguinte: como um outrora carismático artista, bem informado e aparentemente aberto à diversidade e todo o tipo de liberdade, caiu na esparrela do populismo demagógico de direita?
Abraçar o conservadorismo não é o problema. Por mais que seja anacrônico e fora de propósito, ser roqueiro conservador e até de direita não é em si uma tragédia. Dá para entender, é compreesível e muitas vezes dá para tolerar.
O que não se admite é roqueiro fascista e apoiador de gente que o despreza, que o tem como inimigo e que certamente vai atentar contra ele, seja na parte artística, seja na parte de manutenção dos direitos civis.
Na triste entrevista para o UOL, Catalau reclama de "políticos mentirosos" e que admira a honestidade e Bolsonaro, "ainda que seja bem tosco". Claramente ignora os constantes ataques à democracia e à classe artística, bem como releva as declarações do presidente desprezando a liberdade de expressão e de imprensa.
Mesmo em seus tempos de excessos e de personificação de um rock star, Catalau se mostrava um artista sensível e antenado com seu tempo.
Desprezava o autoritarismo e repudiava qualquer tipo de patrulhamento. Já era uma pessoa espiritualizada e tinha profundo conhecimento filosófico sobre várias correntes de pensamento.
Frequentemente seus pensamentos divagavam em muitas direções, mas conseguia por muito tempo manter o foco. Muitas de suas letras para canções do Golpe de Estado mostravam essa visão de mundo mais ampla e plural.
Se por um lado o mergulho profundo na religião e nas palavras de uma seita evangélica lhe salvou a vida e a transformou, resgatando-o do do fundo do poço, por outro é possível que esse mergulho lhe tenha turvado, de certa forma, a visão e o empurrado para um lado mais sombrio e escuro da realidade. É uma guinada por demais drástica em se tratando de um ex-artista amante diversidade e da liberdade.
Só isso é motivo para lamentar. Só que a coisa e mais complicada. Catalau demonstrou estar desinformado e não ligar para valores que outrora lhes eram caros. Releva o discurso de ódio de Bolsonaro e Trump e aplaude a política do confronto, o nacionalismo anacrônico e inútil e a discriminação contra vários setores da sociedade. Apoia gente que quer destruir as artes e a cultura.
A volta aos palcos para alguns shows com o Golpe de Estado foi apenas uma recaída nostálgica de um ex-artista meramente saudosista?
Tudo indica que sim. Catalau não está preocupado com a repercussão de suas possições políticas e seu apoio a políticos que defendem o oposto a tudo o que defendeu – da mesma forma que nunca se imposrtou com as críticas que recebeu quando largou o rock e abraçou Jesus.
O que mancha sua trajetória – mesmo que isso pouco lhe importe – é trocar ideais marcantes e enraizados por pensamentos e ideias improvisadas e sem lastro na inteligência, no bom senso e na pluralidade – e que, inacreditavelmente, colide com muio do que professa sua atual fé religiosa.
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