Contra a irresponsabilidade e a insensatez: não vá à Galeria do Rock
Marcelo Moreira
É muito difícil escapar da sensação de inutilidade e burrice coletiva que acomete a sociedade brasileira em tempos de pandemia. Já são mais de 40 mil mortos pela covid-19 em menos de três meses e ainda assim gente imbecil clama pela reabertura da economia, ignora as consequências da grave crise sanitária e encabeça ataques e guerras contra quem ainda mantém o bom senso de defender as quarentenas diversas.
A reabertura da economia e a flexibilização da quarentena são irresponsabilidades imensas e que certamente acelerarão o colapso dos hospitais em todo o país e reduzirão o tempo para atingirmos as 100 mil mortes graças a uma população burra e a autoridades oportunistas e criminosas – presidente da República, prefeitos e governadores.
Por conta disso, é com imensa amargura e dor no coração que eu brado: fique em casa, esqueça o shopping, NÃO VÁ À GALERIA DO ROCK.
Muitos amigos roqueiros, entre eles músicos, lojistas e compradores compulsivos e contumazes, festejaram a flexibilização na cidade de São Paulo e comemoraram a reabertura da Galeria do Rock nesta quinta-feira, 11 de junho, ainda que por apenas quatro horas, das 11h às 15h.
Esse comportamento é mais do que irresponsável. É uma insanidade. Cidades pelo país que decidiram pelo afrouxamento viram o número de doentes e de mortes dobrarem nas duas últimas semanas e já começam a voltar atrás, inclusive com a decretação de lockdown, o isolamento social completo, como em, algumas da Bahia, na região metropolitana de Salvador.
No auge, quando teve mais de 400 lojas em atividade, a Galeria do Rock observou a circulação de ao menos 30 mil pessoas diariamente. É muita gente.
Antes da pandemia, esses números eram menores, mas ainda assim muita gente, já que o centro comercial é uma passagem importante na região do centro velho paulistano e um lugar aprazível para gastar parte do tempo de almoço ou simplesmente para respirar um "ar diferente", que transpira arte, cultura e muita musica.
Não é à toa que é um ponto turístico dos mais visitados da capital e que pode, em breve, ser tombada e virar patrimônio cultural.
É por isso que é bastante doloroso sugerir aos roqueiros do mundo que evitem a Galeria do Rock enquanto a quarentena durar. Fiquem em casa.
O Estado de São Paulo já registrou mais de 10 mil mortos em quase três meses, o equivalente e quase 100 aviões caindo no mesmo período. Não vá a shoppings, nem ao comércio de rua e nem a qualquer lugar que tenha aglomeração. Fique em casa.
Assim como o Parque Antártica/Allianz Parque, a Galeria do Rock é a minha segunda casa. Eu a conheci em 1984, quando fui levado por amigos de Guarulhos para gastar pouco e, ao mesmo tempo, completar a coleção dos Beatles em LP e achar alguma coisa dos Rolling Stones.
Voltei seis meses depois para trocar um LP duplo ao vivo de Simon and Garfunkel por dois do Pink Floyd e gastar mais um pouco de dinheiro. S
ó voltaria ao centro comercial mais de dois anos depois, já na faculdade de jornalismo. Uma vez por semana eu atrasava a volta para casa e ficava mais de duas horas apenas vendo as vitrines, depois de passar na lojas Bruno Blois, Bruno Rossi e Wop Bop, que ficava ali perto.
Desde então, por mais de 25 anos, mesmo variando os locais de trabalho, nunca ficava mais de uma semana sem passar por lá. Era ponto de encontro com amigos e obrigatório para fazer reportagens e textos sobre música, cultura e comportamento.
Testemunhei a explosão da galeria como maior centro comercial de música do mundo e a sua decadência rápida, reflexo das mudanças drásticas no mercado fonográfico e nos hábitos de consumo de música – MP3, pirataria, streaming…
A Galeria do Rock tem a capacidade brutal de mudar o astral das pessoas. Muitos problemas são momentaneamente esquecidos quando começamos a namorar as camisas de times de futebol do mundo todo e tênis invocados no andar térreo.
As nuvens pesadas somem à medida que subimos as escadas rolantes para o primeiro e segundo andares. A música toma conta de tudo.
Há os lojistas mala, que te conhecem há 30 anos mas não te olham na cara e rosnam para responder a qualquer pergunta.
Há os lojistas que se tornaram tão amigos que vão conosco aos shows, bebem com a gente nos botecos podres, impedem a gente de ir embora quando a galeria fecha para ficar tomando cerveja no balcão…
Há os que param de trabalhar para dar entrevista de duas horas e meia, que dissertam sobre um LP raríssimo que custa mil reais, aqueles que reclamam da vida mas que jamais arredam pé da galeria cada vez mais descaracterizada.
E também há aqueles que confiam tanto em você, têm tanta consideração que concedem "crédito", permitindo pagar bem depois.
Para frequentadores contumazes e compulsivos, a Galeria do Rock é uma grande confraria, quase como uma confraria. É um lugar em que nunca existiu Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Santos, PT, PSDB, bolsonaristas, nazistas, extremistas de esquerda. O rock sempre falou m,ais alto, mesmo no período agudo de decadência.
As coisas vão mudar muito após a pandemia. Certamente afetará o cotidiano da galeria, que talvez não seja mais aquele lugar maravilhoso que já foi e que talvez ainda fosse antes da pandemia, mas recentemente.
No entanto, ainda será um dos lugares mais nobres e importantes d acultura de São Paulo. Continuará com a mesma energia e inspiração fraterna, ainda que de forma diferente.
E será bem diferente, mas para isso é necessário vencer o vírus e o oportunismo político e econômico. Será necessário superar a ganância, a insanidade e a insensatez de ignorar a gravíssima crise de saúde pública. É preciso preservar a saúde para que haja consumidores no futuro.
É imperativo que deixemos de ir às compras até que seja seguro. Quase todas as lojas da galeria vendem pela internet. Portanto, por enquanto, NÃO VÁ À GALERIA DO ROCK.
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