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Nick Moss revitaliza o blues tradicional com sotaque brasileiro - parte 1

Combate Rock

06/06/2020 06h24

Eugênio Martins Júnior – do blog Mannish Blog

A Nick Moss Band é uma das bandas de blues mais legal dos Estados Unidos nos dias atuais. E não sou só eu que acha isso. A Blues Foudation, entidade que promove o Blues Music Awards, um dos mais importantes concursos daquele país, concedeu três premiações à banda baseada na votação dos fãs e críticos de blues: melhor álbum tradicional em 2019; melhor banda e melhor música tradicional, "Lucky Guy".
Já com o baixista brasileiro Rodrigo Mantovani e o gaitista/cantor da Califórnia Dennis Gruenling, o álbum "Lucky Guy!" tem Taylor Streiff nos teclados e Patrick Seals na bateria e 14 temas cheios de energia e feeling.
Segundo álbum da parceria com o super gaitista, que começou em "High Cost To Low Living", "Lucky Guy!" foi lançado pela famosa gravadora Alligator Records, de Bruce Iglauer.
Segundo o próprio Moss, a associação com o selo de Chicago colocou sua banda sob os holofotes, coroando o trabalho com as premiações da Blues Foundation, consequentemente aumentando o alcance da sua música.
Porém, não dá para apontar um disco melhor do que o outro. Ao longo dos anos, mesmo antes da atual formação da Nick Moss Band, o guitarrista vem pesquisando e gravando ritmos, da costa oeste norte americana até o bom e velho blues de Chicago.
"From The Roots To The Fruits", álbum duplo gravado de forma independente em 2016, com seu antigo parceiro Michael Leadbetter, atesta isso. Trata-se de um álbum conceitual, com nada menos que 27 músicas divididas em dois CDs.
O CD 1, "Roots", é recheado com os blues de todas as formas elétricas, com Jason Ricci aparecendo em The Woman I Love, Gordon Beadle fazendo todos os saxofones e o poderoso slow Lost and Found.
O CD 2, "Fruits", com temas viajantes, o suficiente para "quase" serem chamados de progressivos, o casos de "Serves Me Right", "Free Will" (com participação de David Hidalgo) e "Speak Up".
Pego em cheio pela pandemia de Covid-19, com a agenda cheia de shows marcados e no começo da temporada de festivais nos Estados Unidos, Nick Moss concedeu a primeira entrevista a um veículo brasileiro.
Não bastasse a catástrofe sanitária, os Estados Unidos vivem atualmente* grandes manifestações contra o racismo e a violência policial impulsionadas pela morte de George Floyd, um negro assassinado covardemente por um policial branco em Minneapolis.
Nesse momento, várias cidades americanas estão tomadas pela guarda nacional e toques de recolher impostos pelo governo estão sendo quebrados pelo povo que ocupa as ruas em protesto.
Houve tentativas de saque e incêndio nos templos do blues de Chicago, como o Buddy Guy Legends e o Blues on Halsted. Muitas pessoas estão evitando sair de suas casas pelos dois motivos, pandemia e protestos. Não por coincidência, temas que o blues já vem cantando e denunciando há mais de um século.
Essa entrevista não seria possível sem a inestimável participação do Rodrigo Mantovani, parceiro de longa data e tantas gigs. Valeu mermão!

Nick Moss Band (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Eugênio Martins Júnior – Se lembra quando foi a primeira vez que realmente  ouviu o blues?
Nick Moss – Nasci escutando todo tipo de música. Meus pais escutavam desde a primeira fase do rock and roll, big bands, doo wop, blues e soul. Um tio nos apresentou às bandas inglesas que estavam invadindo o cenário, Led Zeppelin, Rolling Stones, Free, Blind Faith, Traffic. Crescemos escutando esse tipo de música e conhecemos o blues através deles e foi quando o meu irmão mais velho, Joe Moss, decidiu levar a sério a guitarra e descobriu que todos esses guitarristas de rock  tinham como base o blues e faziam música baseados nos blueseiros antigos. Então ele descobriu os discos de blues da nossa mãe  que estavam no nosso porão e a partir daí descobrimos juntos o que era blues de verdade. Tinha discos do Muddy Waters, BB King, etc.
EM – E o que mais?
NM – Ao mesmo tempo, nos anos 80, outras bandas e artistas começaram a aparecer tocando música baseada no antigo blues, ZZ Top e até mesmo Stevie Ray Vaughan, e isso nos deixou muito empolgados, pois, de alguma forma, conseguimos relacionar com os blues dos anos 40 e 50 e, de certa maneira, quanto mais escutávamos SRV e Led Zeppelin conseguíamos ver o quanto eles foram influenciados e estavam atentos aos artistas afro-americanos de blues. Com isso fomos levando o blues mais a sério e mergulhamos fundo nele. Me lembro de ter ganho de Natal  um disco da gravadora Alligator, era o álbum Bar Room Preacher, de  Jimmy Johnson, e na sequência os discos de Albert Collins e Lonnie Mack. Mas mesmo assim nós continuamos indo mais fundo e  escutando os discos antigos de blues da nossa mãe.
EM – Quando foi que você decidiu que seria músico profissional?
NM – A razão pela qual acabei me tornando músico foi o simples fato de que eu não pude fazer o que que queria, ser esportista pela faculdade. Era um jogador talentoso de futebol americano desde a escola e achei que também teria um desempenho alto na faculdade, mas acabei ficando doente aos 18 anos e me disseram que nunca mais voltaria a praticar esportes. Quando estava no hospital, me recuperando de cirurgias, meu irmão ia me visitar com sua guitarra. Naquele momento eu já tocava, somente de brincadeira, e ele trouxe meu baixo para o hospital só para me dar algo para fazer porque eu estava entediado e paralisado no hospital após fazer duas cirurgias importantes nos rins. Me apaixonei pela música novamente. Quando estava me recuperando, ainda no hospital, ele me levou para ver uma banda tocar e acontece que aquela banda da gravadora Alligator, a Little Charlie & the Nightcats. Eu simplesmente me apaixonei naquela noite por tudo o que faziam, o visual, o som e a dedicação deles. Tudo me atraiu e isso me deu uma nova esperança, já que eu não poderia mais voltar a praticar esporte na escola, pela possibilidade e medo de ter complicações por esse problema médico. Tive outra coisa pela qual me interessar e olhar adiante.
EM – Já que você o citou, qual foi a influência do seu irmão, Joe Moss, na sua música?
NM – A influência do meu irmão não pode ser medida, pois desde criança eu seguia seus passos. Ele sempre liderou o caminho desde que me lembro e tudo o que ele fez eu queria fazer. Absolutamente tudo e na música foi a mesma coisa. Acontece que ele era naturalmente talentoso, e eu não. Até mesmo nos dias de hoje ainda tenho que trabalhar duro para aprender coisas novas. Não sou formalmente educado em música, tudo o que sei aprendi de ouvido ou assistindo alguém tocar, no entanto, meu irmão era como um prodígio quando ele era criança, e aprendia mais até mesmo que os seus professores até seu último professor de guitarra dizer aos meus pais que não podia mais ensiná-lo, pois Joe sabia mais do que ele. Assisti a meu irmão se tornar um guitarrista muito competente desde novo e eu queria fazer o mesmo, mas não conseguia, e isso me frustrava, pois era uma das poucas coisas que eu não conseguia fazer tão bem quanto ele. Todas as outras coisas que ele fazia, como jogar futebol, beisebol eu também fazia muito bem, mas por algum motivo a música não era assim para mim, até que um dia meu irmão me comprou um baixo e disse: "tente isso". Ele comprou aquele baixo em uma venda de garagem, eu tinha 11 anos. Na verdade acho que o real motivo dele comprar um baixo para mim foi para eu parar de pegar sua guitarra emprestada. Ele foi muito esperto! Seja lá qual tenha sido o motivo, me pareceu muito natural tocar baixo e comecei realmente a tocar como baixista e com isso fui capaz de tocar com meu irmão e seus amigos. Isso me deu confiança para aprender como tocar por conta própria. O primeiro show que fiz com o Jimmy Dawkins foi porque meu irmão chamou o baixista oficial de Dawkins e disse: "Ei, você sabe que meu irmão está sem fazer nada, talvez você possa deixá-lo tocar nesse show". Com isso consegui essa gig, por causa do meu irmão. Por esses motivos não consigo mensurar e dimensionar o quão importante meu irmão foi na minha trajetória e carreira.
EM – Gostaria que você falasse um pouco sobre esse tempo com o lendário Jimmy Dawkins. Sabemos o que ele representa para a música, como ele era como pessoa?
NM – Foi minha primeira gig importante. Era muito jovem, tinha 18, 19 anos. Tinha acabado de fazer algumas cirurgias e estava me recuperando delas, tentando pensar no rumo da minha vida. Depois de ver Little Charlie & The Nightcats estava pensando em seguir carreira como músico profissional em tempo integral. Então recebi a proposta para tocar com Jimmy Dawkins porque o baixista dele não podia na ocasião. Estava saindo com meu irmão e indo para um monte de bares e jams de blues quando fui convidado, e então eu pensei que não seria um problema tocar blues de 12 compassos. Assim, quando a oferta desse show apareceu, nem hesitei. E eu nem sequer compreendia naquele momento o quão valioso, importante e significativo era isso porque eu realmente não sabia muito sobre o Jimmy. Sabia que era um bluesman em Chicago, mas não sabia de toda a sua história. Pensei que era apenas uma boa oportunidade de fazer alguns shows. E  então cheguei nessa banda que tocava de uma maneira extremamente solta e fluída. Tinha um baterista que tocava com propriedade, totalmente solto, dominando a linguagem de tocar nos 12 compassos, que nem sempre era o caso.
EM – Isso parece fabuloso!
NM – Jimmy sentia a música de uma forma única e tinha uma maneira específica de expressar e sentir cada som. Eu era apenas um garoto de 18 anos e não sabia nada daquilo. Diria que ele foi muito paciente comigo por quase um ano. Tenho certeza que em outras situações outro líder de banda já teria dito: "sai fora, você já era!" Mas finalmente quase depois de um ano ele me chamou de lado e disse: "Você sabe que eu gosto de você, você é um jovem simpático e eu pude ver que você realmente quer fazer isso e está empenhado, mas você não sabe o suficiente ainda e eu não tenho tempo para ensiná-lo agora, mas se você melhorar e entender essas coisas melhores me ligue novamente, mas eu tenho que arranjar outra pessoa". Lembro que mesmo ele fazendo e falando isso para mim da melhor maneira possível, ser demitido e deixar a banda ao ser informado que eu não era bom o suficiente foi um dos sentimentos mais horríveis que já tive na minha vida. Naquele minuto disse a mim mesmo que nunca deixaria isso acontecer comigo de novo. Que nunca deixaria alguém me dizer que eu não era bom o suficiente. Que não sei o suficiente. E fiz disso minha missão a partir desse momento, tentando aprender o máximo que pude e, quando tive a próxima oportunidade, não a perdi.

Rodrigo Mantovani (dir.) em um dos primeiros shows ao lado do guitarrista Nick Moss (FOTO: ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK)

EM – Você conviveu com Mike Ledbetter enquanto ele esteve em sua banda. Todos sabemos que ele é herdeiro do talento de um dos grandes nomes do blues, Huddie Leadbelly. Claro que ele não conviveu com Leadbelly, mas ele costumava falar sobre isso? Outra coisa, sua partida foi muito prematura. Gostaria que falasse sobre esses dois assuntos.
NM – Não, Mike não falava muito de sua conexão com Leadbelly. Principalmente porque ele não queria que parecesse que estava usando isso como uma maneira de se promover e impulsionar sua carreira por conta do nome. Acredito que seu pai tenha lhe dito que Leadbelly era um parente muito distante e que realmente não valia a pena mencionar. No entanto, quanto mais Mike estava se envolvendo com o blues obviamente foi ficando curioso sobre sua conexão com Leadbelly  e começou a pesquisar, perguntando para seu pai e avós  um pouco mais sobre isso. Ele descibriu que Leadbelly era um primo de terceiro grau distante de um dos seus bisavós. Não me lembro exatamente se era bem isso, mas a ligação de sangue era algo assim. Novamente repito, ele não tocava no assunto em entrevistas, ao menos que alguém dissesse "Ei, seu sobrenome é o mesmo que o Leadbelly você sabe disso? E então ele diria: "Bem, sim, tenho um conexão sanguínea distante, mas nada além disso".
EM – Um entrosamento enorme, pelo que vejo.
NM – Inclusive, depois de muito tempo que estávamos tocando juntos, recebemos uma notificação de uma empresa de produção da Inglaterra que estava organizando um evento de tributo ao Leadbelly e perguntaram se o Mike gostaria de fazer parte disso, pois eles ouviram que Mike tinha laços sanguíneo com Leadbelly, mas Mike não queria participar porque ele não queria explorar o nome para impulsionar sua carreira e eu disse: "Você está louco! Esse evento além de tudo será no Carnegie Hall, quando você acha que será convidado novamente para tocar no Carnegie Hall!?" E então Mike sendo Mike disse que faria, mas que queria levar o chefe dele. Para nós dois fazermos isso juntos e isso é uma das coisas que vou me lembrar para sempre. Ter tocado no Carnegie Hall porque Mike Ledbetter me convidou para fazer o evento com ele. E eu disse a ele: "É melhor mesmo você se certificar que eu vou fazer isso com você seu FDP". (risos) Até hoje lembro que ele recusou originalmente e eu falei "você é louco?" (risos).
Na verdade ele tentou levar a banda toda para participar, mas eles não queriam pagar. Eles me conheciam, então aceitaram que fosse só eu e o Mike para fazer a participação em dupla. Foi uma noite incrível. Nós abrimos e fizemos a primeira apresentação do evento todo. Mike destruiu. Cantou muito. Foi lindo. Eu gostaria que houvesse alguns vídeos daquela noite, tem apenas um pequeno videoclipe que sua irmã gravou, porque eles não deixaram que câmeras gravassem da platéia, mas ouvi que supostamente há um vídeo por aí, mas eu nunca vi. Foi um evento maravilhoso, com Buddy Guy, Kenny Wayne Shepperd, Edgard Winter, não me lembro de todos os envolvidos que estavam lá. Acho que John Hammond estava lá também, foi uma grande programação. Sobre o fato dele ter morrido, não sei o que dizer sobre isso, além de que ele significou muito para mim. Era mais da família do que um membro da banda para mim e você pode imaginar como é perder  um membro da família. Melhor passarmos para outra pergunta.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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