Piedmont Bluz Acoustic Duo carrega um século de tradição norte-americana
Eugênio Martins Júnior – do blog Mannish Blog
Valerie e Benedict Turner compôem o Piedmont Bluz Acoustic Duo que, como o nome diz, é uma dupla dedicada a uma vertente do blues tradicional chamado Piedmont Style.
Ambos fogem do esteriótipo do blueseiro tradicional, são graduados em universidades e atuam em outras áreas além da música. Portanto, a dupla que nasceu em Nova York está nessa pelo amor às tradições musicais afro-americanas.
Esse estilo musical nasceu no sudeste do país, na região que compreende as Virgínias e a Georgia e cresceu juntinho ao seu irmão mais conhecido, o Mississippi Delta Blues, que por sua vez deu origem ao estridente Chicago Blues.
O Piedmont Style, continuou no campo por muito tempo e mesmo quando chegou nas grandes cidades da costa leste norte americana, não passou por grandes modificações.
Valerie e Benedict são cultivadores ativos dessas raízes musicais, tanto nos instrumentos acústicos tradicionais que usam, quanto na própria forma de tocar.
Valerie reproduz a forma de tocar dos gênios Blind Blake, Blind Boy Fuller, Blind Willie McTell, Mississippi John Hurt. Ben cuida da sua percussão com instrumentos artesanais, a washboard e artefatos de madeira e ossos, além da harmônica.
Atuam em festivais e possuem projetos educacionais que promovem o Piedmont blues com oficinas e publicações que levam conhecimento às novas gerações.
Gravaram dois CDs excepcionais, verdadeiros mapeamentos do blues tradicional do começo do século passado. Ambos podem ser encontrados nas mídias física e digital. São eles: "Ambassadors of Country Blues", com Avalon Blues (Mississippi John Hurt), "Statesboro Blues" (Blind Willie McTell), "Canned Heat" (Tommy Johnson), "Whistli'n Blues" (Gary Davis), "Old Freight Train" (Elizabeth Cotten), "When The Levee Breaks" (Kansas Joe McCoy), "Last Kind Words" (Geeshie Wiley) e a tradicional "CC Rider" (gravada por inúmeros artistas ao longo do século 20).
Tem também "Country Blues Selections", com "Fishin' Blues" (gravada pela primeira vez por Henry Thomas), "That's No Way To Get Along" (Robert Wilkins), "Future Blues" (Willie Lee Brown), "Louis Collins" (Mississippi John Hurt), "Big Road Blues" (Tommy Johnson), "Trouble I've Had it All My Days" (Mississippi John Hurt), "Turn Your Money Green" (Furry Lewis), "Drunken Barrelhouse" (Memphis Minnie), "Guitar Rag" (Sylvester Weaver e Sara Martin).
Eugênio Martins Júnior – Me fale sobre a sua infância. Você nasceu em New York, mas tem raízes no sul. Podereia falar sobre isso?
Valerie Turner – A família do meu pai é da Georgia e a família da minha mãe é da Virgínia. Tendo estado lá por muitas gerações, eles têm raízes profundas no sul. No entanto, durante a Grande Migração, quando milhões de pessoas se mudaram das cidades do sul para as cidades do norte e oeste para ter uma chance de vida melhor, meus pais acabaram na cidade de Nova York. Nasci em Nova York e morei aqui a vida toda.
EM – E quando foi que você decidiu que ia ser portadora dessa tradição musical importante como o country blues?
VT – Tive a sorte de ter um mentor maravilhoso chamado John Cephas. Ele era um músico de country blues de Washington D.C. e me ensinou muito sobre a música que fazia. Mais importante, ele me passou um profundo apreço pelas tradições. John pediu a todos os seus alunos que continuassem com as tradições musicais e, quando ele faleceu, decidi manter essa promessa realizando e ensinando outras pessoas. Eu e meu marido, Benedict Turner, publicamos um livro, "Noções básicas de guitarra de blues no estilo do Piemont", que fornece instruções sobre o estilo de digitação no Piemont, e está disponível em nosso site, www.piedmontbluz.com. A Biblioteca do Congresso em Washington DC adquiriu nosso livro e temos o prazer de saber que conseguimos contribuir dessa maneira.
EM – Gostaria que você falasse um pouco sobre o seu estilo de tocar a guitarra de aço. Pra nós aqui no Brasil um instrumento mutio peculiar.
VT – O violão que eu toco, que é uma liga de zinco, níquel e bronze, não tem nada a ver com o meu estilo de tocar. Toco exatamente da mesma maneira em uma guitarra de madeira, e na verdade prefiro guitarras de madeira. Uso uma guitarra de metal porque dá um bom volume. Além disso, como não tem muita madeira, exceto no braço, não é afetada pela umidade e isso faz com que se comporte de maneira mais consistente, independentemente do ambiente. Entendo que é um instrumento incomum no Brasil, mas é amplamente utilizado nos Estados Unidos. Debaixo da placa circular, onde você normalmente vê uma cavidade sonora, existe um cone de metal que amplifica o som naturalmente. Alguns músicos de blues antigos usavam esse tipo de guitarra por duas particularidades, a de ser ouvida acima dos outros instrumentos e também do barulho produzido dentro das juke joints.
EM – Ben nasceu em Trinidad. Quando foi para os Estados Unidos? Podemos ouvir ecos caribenhos em sua formação musical?
VT – Benedict nasceu em Trinidad e Tobago, uma ilha do Caribe ao norte da América do Sul. Sua família chegou aos Estados Unidos quando ele tinha oito anos e viveu na cidade de Nova York a maior parte do tempo. Como designer gráfico, suas habilidades criativas permitiram que ele criasse nosso logotipo, CDs, livros e infinitos materiais de marketing. O tambor de aço (steel drum), instrumento inventado durante o século XX, foi criado em sua cidade natal, Port of Spain, e esses ritmos certamente influenciam suas escolhas quando me acompanha. Quando formamos nossa dupla, ele se direcionou à percussão e escolheu a washboard como seu principal instrumento. Ele também toca instrumentos artesanais de ossos, madeira e harmônica. Suas influências na washboard incluem a Washboard Chaz, de Nova Orleans, e Newman Taylor Baker, baterista de formação clássica que também toca a washboard.
EM – Quando e como nasceu o duo Piedmont Bluz?
VT – Uma vez que tomei a decisão de dar suporte e continuar as tradições do country blues, meu marido Ben se juntou a mim e formamos nossa dupla de blues acústico chamada Piedmont Blūz. Demos esse nome para que as pessoas saibam que tipo de música esperar de nós, porque eu toco no estilo do Piemont. Também temos uma empresa, a Mudbone Watson Productions, através da qual produzimos nossos CDs e materiais de instrução. Sempre fomos apenas nós dois e gostamos assim.
EM – Pra nós aqui no Brasil o Piedmont blues não é um estilo muito conhecido. Acho que até aí nos Estados Unidos. Me parece que fica mais relegado a festivais de música folk. Estou errado?
VT – A região do Piemont percorre a costa leste dos Estados Unidos, da Virgínia à Georgia, e há muito debate sobre o que é o estilo do Piemont – ou até se ele existe. Como meu mentor, John Cephas, defino o estilo do Piemont como uma técnica de palhetada que é caracterizada por um baixo alternado que é tocado pelo polegar enquanto os outros dedos tocam uma melodia sincopada. É preciso muita prática para torná-lo suave, mas vale a pena o esforço.
EM – Vocês estão no caminho oposto à eletrificação do blues, mantendo uma tradição acústica, inclusive com instrumentos rústicos. Gostaria que você falasse sobre a importância dessa preservação das raízes do blues.
VT – Além do violão, nossa instrumentação inclui a washboard, sopro e harmônica. Esses instrumentos eram comumente usados para a música blues nas décadas de 1920 e 1930, por isso faz sentido usar as mesmas coisas para as músicas antigas que gostamos de tocar.
EM – Eu estava pesquisando para essa entrevista quando vi que vocês gravaram When the Levee Breaks e lembrei da catástrofe que foi o rompimento dos diques em New Orleans pela força do furacão Katrina. Essa música conta uma história de quase cem anos e que se repetiu recentemente. Gostaria que você falasse sobre essa capacidade de o blues ser o porta voz das pessoas simples, das pessoas reais e de seus problemas.
VT – Músicas de blues sempre contam histórias. Essa música é a maneira de as pessoas se expressarem. Toda emoção humana pode ser encontrada em uma música de blues. Isso era verdade em 1920 e, 100 anos depois, ainda é verdade! As músicas de blues também capturam a história. O gênero em si é uma tradição oral e muitas músicas documentam os tempos do cantor. Ao ouvir essas músicas, você pode aprender sobre inundações, fome, Jim Crow, a Grande Migração, heróis locais e muito mais.
EM – Você estudou com John Cephas, um grande representante do estilo Piedmont. Gostaria que falasse um pouco sobre isso. Recentemente estive com Phil Wiggins aqui no Brasil. Foi uma experiência única estar com um músico que leva essa tradição musical. Eu nunca tinha visto nada igual.
VT – John Cephas era meu professor, meu mentor e nosso grande amigo. Ele era um talentoso e respeitado músico de country blues. Estou muito satisfeita por tê-lo conhecido. As pessoas pensam que ele me ensinou muitas músicas – e ele ensinou! – mas conversávamos sobre vida, política e pesca sempre que passávamos um tempo juntos. Nós o conhecemos como pessoa. Seus pensamentos, seus gostos e desgostos, suas experiências de vida, coisas assim. Ele possuía um trailer e um barco de pesca e gostava de fazer viagens, principalmente quando a pesca estava envolvida. Era um carpinteiro maravilhoso e orgulhava-se de ter construído sua própria casa. Além disso, era um fazendeiro entusiasmado e lembro como ele ficou desapontado ao ver nosso jardim. Cultivamos apenas plantas e flores decorativas e ele pensou que era um desperdício porque não podíamos comê-las! Esses são os tipos de coisas que ele compartilhou conosco. Em relação à sua arte, John tinha idéias muito definidas sobre a música que tocou, de onde veio, para onde estava indo e transmitiu seu profundo respeito por ela, bem como o dever de continuar tocando e ensinando-a.
EM – Grandes nomes desenvolveram o estilo Piedmont, Blind Blake, Blind Boy Fuller, Brownie McGhee, Barbecue Bob entre outros. Quem você considera o defensor dessa tradição hoje?
VT – Embora muitas pessoas se preocupem com o fato de a música tradicional do blues acústico estar "desaparecendo", eu diria que isso está longe da verdade. Existem inúmeros músicos modernos que mantêm as músicas antigas vivas e, mais importante, adicionam novas músicas próprias, o que ajuda a tradição a evoluir. Os mais conhecidos incluem pessoas como Corey Harris, Eleanor Ellis, Keb 'Mo', Rev. Robert Jones, Andy Cohen, Guy Davis, Taj Mahal e Roy Book Binder – mas existem muitos outros. Phil Wiggins, o fabuloso gaitista que foi o parceiro musical de John Cephas, fez muito em termos de identificação e promoção de novos músicos de blues acústico. Uma vez por ano, ele nos reúne em um workshop que dura uma semana chamado Blues Week in West Virginia, e foi assim que nos conhecemos. Ministramos aulas, tocamos muita música, compartilhamos histórias, dançamos e geralmente nos divertimos muito juntos. Todo mundo espera por isso. Conhecemos muitos músicos lá, Samuel James, Resa Gibbs, Hubby Jenkins, Geoff Seals, Benjamin Hunter, Tina Dietz, Marcus Cartright, Jontavious Willis, Joe Seamons e Andrew Alli. Cada um deles está contribuindo generosamente para o gênero de uma maneira única.
EM – Estamos no meio de uma pademia e muitos artistas estão com as suas vidas paradas nesse momento. Como você está sobrevivendo e o que acha que vai acontecer quando esse problema passar?
VT – Essa pandemia é difícil para todos. Não importa quem você é, isso te afeta de alguma forma. Embora muitas pessoas tenham empregos para retornar, os músicos podem ter que redefinir o que "trabalho" significa. O distanciamento social é nosso novo normal, até que uma vacina esteja disponível em todo o mundo, e isso impossibilita shows, festivais e workshops no sentido tradicional. Como todos os outros músicos que conhecemos, todo o nosso calendário para 2020 foi cancelado e muitos locais relutam em reservar para 2021 até que a pandemia seja resolvida. Portanto, 2021 também pode ser um ano difícil para músicos. Meu marido, Benedict, é um designer gráfico profissional e é capaz de trabalhar em casa. Também fazemos uma performance semanal via transmissão ao vivo a partir de um local digital que criamos no Facebook chamado "Piedmont Blūz Café". É um miniconcerto que acontece toda sexta-feira de manhã às 10 horas – horário da costa leste norte americana – e recebemos algum dinheiro com isso. Além disso, podemos vender cópias de nossos CDs e também de nosso livro de música. Passaremos por esse momento difícil e esperamos que outras pessoas também encontrem maneiras criativas de gerenciar. A longo prazo, essa pandemia terá efeitos de longo alcance para os músicos, pois todos temos preocupações com a segurança de voar, ficar em hotéis e estar perto de grandes grupos de pessoas. Nosso trabalho exige que façamos a coisa certa, por isso relutamos em retornar a essas atividades no futuro próximo.
Sobre os Autores
Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.
Sobre o Blog
O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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