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Medíocre e ignorante: o perfil do rock conservador que avança e empesteia

Combate Rock

11/05/2020 06h55

Marcelo Moreira

Parcela expressiva dos roqueiros brasileiros é mesquinha, maldosa e cultiva o ódio, chutando para longe o mito de cordialidade, alegria e receptividade que caracterizaria o povo brasileiro.

Faz tempo que tais características são observadas nos meios roqueiros daqui, seja na internet, seja ao vivo. No Combate Rock já mostramos vários casos de total falta de empatia e civilidade. Os mais recentes atingiram mulheres – xingamentos e agressões gratuitas contra as meninas da banda thrash Nervosa e contra a cantora Érika Martins, dos Autoramas, durante uma live.

Uma parte dos ataques tem a ver com a questão política nacional, encharcada de ódio e autoritarismo de inspiração fascista que domina os apoiadores do nefasto presidente da República.

Fernanda Lira, ex-integrante da banda Nervosa, no Rock in Rio 2019 (FOTO: REPRODUÇÃO/MULTISHOW)

Entretanto, a maior parte é de gente tosca, burra, iletrada e analfabeta, que se orgulha da própria ignorância e que chafurdam na mediocrização, que abomina o mérito e a inteligência. Essa gente encontrou em Jair Bolsonaro a expressão máxima de sua própria personalidade, que inclui negacionismo, ódio e veneração pelo autoritarismo.

O jornalista Ricardo Kotscho, que hoje é colunista do UOL, registrou com muita propriedade essa situação absurda, desmistificando a ideia de cordialidade de nossa sociedade: ela é violenta, machista, misógina e avessa ao sucesso alheio. Tudo isso estava nos ataques às meninas roqueiras em episódios recentes.

"O Jair que há em nós" disseca algumas das características horrendas de nossa sociedade com base em um artigo interessante de um professor chamado Ivan Lago, professor e doutor em Sociologia Política.

Ivan Lago vê em Bolsonaro, "uma expressão bastante fiel do brasileiro médio, um retrato do modo de pensar o mundo, a sociedade e a política, que caracteriza o típico cidadão do nosso país".

Segundo Kotscho, o retrato que ele encontrou em suas pesquisas não é nada bonito. "Quando me refiro ao brasileiro médio, obviamente não estou tratando da imagem romantizada pela mídia e pelo imaginário popular, do brasileiro receptivo, criativo, solidário, divertido e "malandro". Refiro-me à sua versão mais obscura e, infelizmente, mais realista. No "mundo real", o brasileiro é preconceituoso, violento, analfabeto (nas letras, na política, na ciência… em quase tudo). É racista, machista, autoritário,interesseiro, moralista, cínico, fofoqueiro, desonesto".

Outra jornalista de primeiro time, Eliane Brum, já havia tocado no assunto quando escreveu "O homem mediano assume poder", em que tentava encontrar as razões de Bolsonaro ter sido eleito por uma parcela da população que rejeitou o bom senso e não se importou em abraçar a ignorância, o autoritarismo e a retórica violenta.

Reprodução da capa da edição brasileira do livro "Liberdade de Expressão: Dez Princípios para Um Mundo Interligado", de Timothy Garton Ash

Essas informações coincidem com um levantamento realizado pelo pessoal do Heavy Nation nas mensagens de ódio direcionadas aos vários posts com informações sobre a separação da banda Nervosa e a reforma de sua formação, agora um quarteto sempre liderado pela guitarrista Prika Amaral.

Não há uma metodologia no levantamento, realizado na base da constatação e observação, mas  que se percebe é que a maioria dos agressores tem entre 30 e 35 anos, são conservadores, sem muitos anos de estudo, destilam machismo, racismo e ódio em seus perfis nas redes sociais e parte expressiva é formada por músicos frustrados e invejosos, com grande incapacidade de empatia e solidariedade.

Enfim, é a representação da pessoa mediana, ignorante, medíocre e pobre de espírito que abunda em nossa sociedade, com esmagadora presença de ultraconservadores que apoiam a excrescência que está na Presidência da República.

É um começo pra entender o buraco em que nos metemos, com os constantes retrocessos civis, políticos e de todos os tipos no governo lamentável de Bolsonaro, que ousou colocar nazistas, negacionistas e ignorantes máximos em cargos importantes na área da cultura, como a fundação Palmares e a Funarte.

Também ajuda a compreender o porquê de haver muito mais conservadores e reacionários do que gostaríamos ou imaginávamos no rock. É apenas uma expressão de um microcosmo do que é a sociedade brasileira como um todo.

É reflexo do que sempre fomos e que sempre relutávamos em aceitar. O mito do roqueiro libertário, livre, progressista e defensor das liberdades é mais falso do que nora de três reais.

O estereótipo exibido em filmes norte-americanos dos motoqueiros rockers que dizer ser livres ao rodar pelas estradas, mas que na verdade são tão conservadores, autoritários, machistas, racistas e preconceituosos serve bem para colar em parte expressiva de músicos e fãs do estilo no Brasil.

Começou a ficar evidente nas manifestações de 2013, piorou nas eleições de 2014 e 2016 e explodiu em 2018, com muita gente que gosta de rock abandonando os preceitos que sempre marcaram o estilo para abraçar todos os preconceitos possíveis que estavam escondidos sob um manto de civilidade.

Esqueçamos esses mitos e essas ideias de liberalidade e progresso. Muita gente no rock gosta mesmo é de autoritarismo e de impor seus valores conservadores e preconceituosos mesma dentro da comunidade ou cena.

Liberdade de expressão? Desde que não fale sobre política, contra o "meu" candidato e que não defenda a esquerda ou fale mal do patrão.

Um dos momentos mais importantes do atual show de Roger Waters em São Paulo, em 2018 (FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

Mulher no palco? Um absurdo. Devem ficar na pista gritando e se descabelando pelo "vocalista gato", estando de prontidão para o sexo casual e embelezamento de rodinhas de roqueiros descolados.

Gays, lésbicas e transeuxais? Que fiquem escondidos em seus guetos e buracos para não "empestear" os "nossos ambientes".

Rock bom para tocar é aquele tipo Scorpions, Bon Jovi e Whitesnake, repletos de baladas e musiquinhas rápidas com profusão das palavras "love" e "baby", temas como bebedeiras e putarias variadas, ou então duendes e duelos medievais de espadas.

Reflexão sobre sentimentos, problemas mundiais diversos e causas políticas? Ninguém está a fim de ouvir um "chato" como Roger Waters, que fica pregando contra o fascismo e o autoritarismo, mas até que é legal ouvir Ted Nugent, defensor ferrenho das armas livres entre a população e preconceituoso ao extremo, bradando contra imigrantes, estrangeiros, negros, judeus, mulheres e outras minorias. Qual o problema disso?

Roqueiro conservador é o mesmo que prostituta virgem, já dizia o velho sábio da Galeria do Rock. As profundas fendas sociais que se abriram nos últimos anos neste Brasil infeliz nos fizeram lembrar que a civilização é um objetivo permanente a ser conquistado nos trópicos e que a ignorância sempre está à espreita em cada esquina.

Nosso meio roqueiro talvez seja um dos microcosmos da sociedade que mais explicita as contradições e as características violentas e o pior do conservadorismo encharcado de moralismo abjeto e de religiosidade pútrida e esclerosada.

É insano, mas será necessário lutar muito para sanear o nosso meio – e o meio artístico em geral – da contaminação grave de ignorância e deformação de caráter perpetrados e disseminados por seres que se dizem conservadores, mas que não passam de fascistas mergulhados no fracasso e na inveja. Defendem a mediocrização da vida e da sociedade.  Estes são os nossos primeiros inimigos, que devem ser neutralizados e banidos de qualquer forma.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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