O sofrimento da Galeria do Rock e a irresponsabilidade no ataque à saúde
Marcelo Moreira
Não demorou para que os primeiros "diagnósticos" a respeito dos efeitos do isolamento social nos negócios da Galeria do Rock, em São Paulo. Ponto turístico da capital paulista, aquele que já foi o maior centro mundial de comércio de música em um só local já esperneava contra as medidas de restrição por conta do combate ao coronavírus.
Em um comunicado ao mercado nas redes sociais, a administração já alardeava em tom de alerta/chantagem, que a própria existência da galeria, como um todo, corria riscos com uma "prolongada quarentena", isso no dia seguinte à decretação das medidas restritivas pelo governo do Estado.
Um mês depois, lojistas do centro comercial voltam à carga contra a quarentena, afirmando que 30 das 215 lojas da Galeria do Rock fecharam as postas em definitivo, cortando 400 empregos, de acordo com reportagem catastrófica do programa "Bosa SP", da TV Bandeirantes.
Aproveitando o momento, despejaram na reportagem as chorumelas de sempre, criticando o poder público por "não dar atenção ao centro de São Paulo e arredores da galeria, sempre em péssimo estado e sem segurança, enquanto o prédio sempre esteve em perfeitas condições (sic)."
Aproveitaram também para pedir melhores condições financeiras em todos os sentidos, como se a administração pública fosse banco e estivesse prontinha para servir às necessidades de lojistas e setores econômicos eventualmente prejudicados em alguma coisa.
O que incomoda não é apenas a insensibilidade e a incapacidade de entender o que está acontecendo e a necessidade do isolamento social. É principalmente o egoísmo de parte dos empresários por achar que seu negócio é vital e que está sendo injustiçado pelo poder público.
Às reivindicações de encerramento da quarentena se somam, de forma oportunista, pedidos para a transformação local do entorno se deem de forma rápida, como se não fizessem parte de um projeto maior e mais relevante de recuperação da degradada área central.
Não há registro recente de que representantes dos lojistas da galeria ou da administração do centro comercial tenham visitado vereadores, na Câmara Municipal, para propor ou participar de debates sobre planos e medidas de revitalização do centro.
Ninguém discute a importância história e social da Galeria do Rock para São Paulo, nem a sua relevância como ponto turístico da capital. Só que ela não pode ser um fim em si mesma. As pressões para o fim da quarentena estão cada vez mais fortes – irresponsáveis.
Morre no Brasil, por dia, o que morreu no acidente de Brumadinho, em Minas Gerais. Em Nova York, morre diariamente o equivalente ao número de vítimas do atentado de 11 de setembro. Se existe ainda a vaga noção de que o rock sempre foi solidário, é hora de que isso seja cada vez mais verdade.
Não se trata de ignorar as consequências devastadoras da luta contra com coronavírus na economia, especialmente para micro e pequenos empresários. É fato, e infelizmente, esperado, que muitos negócios não sobrevivam a 30 ou 40 dias de portas fechadas em qualquer lugar do Brasil.
A precariedade financeira desse tipo de negócio é enorme sem a ocorrência de pandemias, onde uma em cada três empresas não consegue passar de um ano de funcionamento.
O crédito bancário, público ou privado, sempre foi dificílimo e agora mais ainda, por mais que o governo federal dê alguma ajuda ao colocar mais dinheiro no mercado. Ou seja, nada de novo para quem insiste em empreender neste país desigual e injusto.
A questão é que a maioria dos pequenos e micronegócios são muito vulneráveis a qualquer solavanco na economia, e a crise crônica em nosso país já dura, no mínimo, quatro anos, com taxas elevadas de desemprego e quedas violentas no nível de renda.
Lamentemos bastante as 30 lojas, por enquanto, que eventualmente fecharam as portas na Galeria do Rock e torçamos para que a nossa Disneylândia sobreviva, ainda que descaracterizada e com poucas portas dedicadas realmente à música.
Entretanto, que tenhamos a sabedoria de entender a gravidade do momento em que estamos e que consigamos apoiar qualquer medida que valorize a vida e a saúde.
O caos em que se transformou a saúde púbica em Manaus (AM), Belém (PA) e Recife (PE), com UTIs e hospitais lotados, tem de servir de alerta para o nosso futuro imediato. O comércio ainda vai sofrer bastante, mas é necessário para que, lá na frente, eu, você e os lojistas da Galeria do Rock possamos ter vaga em hospitais no caso de qualquer necessidade.
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