Topo

'Lives' em tempo de pandemia: instrumento útil e bacana, mas limitado

Combate Rock

21/04/2020 06h40

Marcelo Moreira

Rolling Stones durante a sua apresentação no 'One World – Together at Home'(FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

As "lives" nas redes sociais, com artistas tocando violão na sala de casa, são a maior revolução musical desde que a música ficou grátis e a gravadoras implodiram no começo do século. Verdade?

O que era uma alternativa tosca de manter algum contato com o público em tempos de confinamento social virou uma possibilidade séria de negócios a partir do festival "One World – Together at Home", ocorrido no sábado, 18 de abril.

Os sertanejos brasileiros já tinham percebido as possibilidades ao fazer "sessões caseiras" superproduzidas, com mais de 20 pessoas trabalhando (ignorando o conceito e as regras de confinamento social) e patrocínios de cervejarias, mas foram os estrangeiros e o pessoal do metal nacional que entenderam realmente o significado das "lives" despojadas.

Os sucessos localizados de tais iniciativas tiveram o mérito de colocar os artistas diante de um enorme "meet & greet", com os artistas mantendo de forma verídica e sem filtros um contato com os fãs como nunca antes tinham feito.

É bacana ver gente do porte de Chris Martin (Coldplay), Eddie Vedder (Pearl Jam) e a própria Lady Gaga, mentora do "One World", falando pelos cotovelos, tocando violão ou piano na sala, com a lareira ao fundo, e respondendo a algumas perguntas de fãs ou dos apresentadores.

Também foi impagável ver Paul McCartney e Mick Jagger tocando violão e cantando em um canto meio escuro da sala, gravando pelo celular, enquanto que Keith Richards dedilhava o violão vestindo um pijamão e o sempre elegante e sério Charlie Watts, o baterista dos Stones, tirava sarro brincando de "air drum" na biblioteca.

E não há como não reconhecer a fofura e a simpatia de Fernanda Lira, baixista e vocalista da banda de metal Nervosa, sentada na cama de casa respondendo a perguntas de fãs em live no Facebook.

Talvez seja um pouco cedo para classificar a importância das "lives" para as carreiras de artistas em tempos de isolamento e no pós-vírus. Entretanto, é possível identificar algumas consequências da modalidade forçada.

A primeira coisa a ser observada é que ficou muito fácil perceber quem tem estofo e conteúdo e quem apenas sabe usar a voz e mais nada. O festival "One World" mostrou que quase 100% dos artistas que toparam a empreitada t~em talento e conseguem tocar e cantar de forma bem feita em qualquer circunstância.

Segunda coisa: a empatia com artistas aumentou ao mostrá-los despidos de produção e jogados a uma simplicidade que talvez nunca fosse possível. No meio da performance, o telefone toca, o cachorro pula no colo e o filho pequeno berra pela mãe. E o show continua, sem pestanejar, em meio a risos e gargalhadas. O público certamente vai perceber seus ídolos com outros olhares daqui em diante.

Terceira coisa: até que ponto tudo é um negócio terá de ser avaliado por artistas de todos os calibres, principalmente no Brasil. causou estranheza a extrema produção patrocinada de artistas de sertanejo e MPB, com equipamentos completos espalhados no cômodo gigante de mansões.

A ideia das "lives" era incentivar certo despojamento, o que não ocorreu em muitos casos. O tal do "profissionalismo demais" tirou a espontaneidade e a descontração, ainda mais com as marcas fortes por trás das iniciativas. Era o momento de observar outros ângulos do isolamento forçado e, de certa forma, buscar uma empatia e uma proximidade maior com os fãs. Muita gente se incomodou com isso, especialmente fãs de longa data dos artistas destes gêneros musicais.

Torture Squad no 'Quarentena Online Festival' (FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

No rock underground brasileiro, foram poucas as iniciativas, e a mais legal delas foi o "Quarentena Online Festival", promovido pela revista Roadie Crew e pela empresa Som do Darma.

Foram 20 bandas no esquema "live" participando de forma diferente e criativa, mas sempre valorizando a interação e a conexão com os espectadores, procurando apresentar conteúdo inédito e diferente, seja escolhendo uma música de grandes bandas para uma versão, seja uma música autoral ao vivo com arranjos diferentes, acústicos ou em andamentos alternativos.

Os resultados foram fantásticos, mostrando que, ao menos no mundo underground do rock pesado, a "live" se tornou uma alternativa bem interessante de mostrar trabalhos diversos e novidades, bem como estabelecer um contato direto mais intenso com os fãs. Uma segunda edição está sendo preparada para muito breve para aproveitar o momento e o interesse.

Para artistas consagrados e gigantes, a fórmula talvez seja passageira, não representando um negócio que mereça um investimento maciço, mas é uma janela aberta para ser apropriada para eventualmente mostrar "empatia".

Em momentos de descanso e tédio, por que não Paul McCartney não sacar o celular e fazer um vídeo ao violão ou ao piano executando uma peça inédita de sua autoria ou de jazz dos anos 30, que tanto o fascina?

Em certo sentido, as "lives" vieram para ficar, mas não como instrumento importante de impulsionamento de carreiras e trabalhos, a não ser em situações extremas como a que vivemos. Farão parte do portfólio de artistas em geral, mas não a ponto de ensejar grandes estratégias de marketing.

Bem utilizadas, as "lives" terão o poder de desvendar artistas por trás de artistas e estabelecer um novo tipo de relacionamento com fãs e críticos de arte.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Blog Combate Rock