Topo

'Live at Leeds', 50 anos: o auge do peso e vitalidade do Who nos palcos

Combate Rock

16/04/2020 07h00

Marcelo Moreira

A letra foi dada quase dois anos antes. Em duas furiosas apresentações em Nova York, no primeiro final de semana de abril de 1968, The Who demoliu o Fillmore East quase no encerramento de sua segunda turnê norte-americana.

Os ianques não esperavam tamanha fúria e peso emanando de apenas quatro ingleses feiosos no palco, que estavam irados com o quase cancelamento dos shows por causa do assassinato de Martin Luther King na sexta-feira, dia 4.

Com o país convulsionado, os shows dos dias 5 e 6 do Who chegaram a ser suspensos, mas os organizadores voltaram atrás, e os novaiorquinos viram  o que poe ser considerado como um dos primórdios do heavy metal.

"Led Zeppelin ou quem quer que seja? Não, fomos nós que inventamos isso que chamam de heavy metal, fizemos primeiro e antes do que as pessoas pensam. Nunca liguei muito para isso", disse recentemente Pete Townshend a um site inglês.

Se julgarmos pelo primeiro disco ao vivo oficial d do Who, lançado em meados de 1970, é bem possível que seja verdade.

"Live at Leeds" assombrou e encantou os fãs de rock por conta da captura da visceralidade e da potência sonora que o quarteto emanava do palco, algo que ficaram explícito no show pesado do Festival de Woodstock, em agosto do ano anterior. O maior de todos os ao vivo, como muitos o tratam, está completando 50 anos de seu lançamento.

O peso e fúria impressionaram tanto que a produção e captação de shows ao vivo mudou nos anos 70 a partir deste LP, que ofuscou o ótimo "Get Yer Ya-Ya's Out", dos Rolling Stones, lançado no mesmo ano, mas sem a força e imponência de "Live at Leeds.

Raridade entre colecionadores, esta é a capa da edição brasileira do fim dos anos 70

Frequentemente citado nas listas de melhores álbuns ao vivo da história – o crítico de música Nik Cohn o definiu no jornal New York Times como o "melhor álbum ao vivo de rock de todos os tempos" – finalmente captava o Who como era no palco: explosivo, pesado, virtuoso, anárquico, quase heavy metal.

Era a tendência na época, quando dois anos antes, em 1968, o Cream e o Experience de Jimi Hendrix tocavam cada vez mais alto e distorcido, sendo seguidos por por bandas como Blue Cheer e Led Zeppelin já em 1969.

Na turnê que se seguiu ao lançamento da ópera-rock "Tommy", em agosto de 1969, o Who aprofundou a tendência e já se mostrava um pouco diferente no palco, como é possível observar na apresentação de 29 de setembro em Amsterdam, uma das primeiras a registrar quase na íntegra o então LP duplo – essa apresentação é considerada um dos mais importantes "piratas" (bootleg) da banda.

O baixo de John Entwistle estava cada vez mais denso e alto, assumindo de vez a "base" a para a guitarra absurdamente alta e distorcida de Pete Townshend. Keith Moon, o baterista, acelerou o ritmo em algumas músicas, e em outras acentuou a marcação – ou seja, "desceu o braço".

O auge dessa fase pesada do Who viria no final de agosto de 1970, com a excelente apresentação no festival da Ilha de Wight, no sul da Inglaterra, o "Woodstock europeu", show que virou CD duplo e DVD. Mas foi na cidade de Leeds, no, no interior inglês, que houve o registro definitivo da importância da banda para o rock.

O equipamento de gravação móvel, avançado para época, foi instalado na cozinha do refeitório da Universidade de Leeds, local do show naquele dia 14 de fevereiro de 1970. O LP "Live at Leeds" foi lançado em 23 de maio daquele ano, com apenas seis faixas.

O curioso é que, na verdade, o show que deveria virar LP era o dia seguinte, na cidade de Hull. Miuta coisa deu errado e a captação não agradou aos produtores e músicos. Desapontados, deram uma olhada nos tapes do shows de Leeds e até se surpreenderam: estava muito melhor do que o esperado para uma apresentação que nem deveria ter sido gravada.

Entretanto, nem tudo ficou como o previsto e foram apenas seis músicas incluídas em um LP programado para ser duplo. Mesmo assim, foi uma porrada e tanto na cara dos fãs do nascente som pauleira.

O lado dois continua apenas "My Generation", com 14 minutos de duração e vários medleys emendados, como ocorrera no show de dois anos antes, em Nova York, quando a mesma música teve 33 minutos de duração.

Em 1995, como parte do programa de remasterização do catálogo do Who, o álbum ganhou mais oito faixas. Em 2001 veio a edição "de luxo", em CD duplo, com o concerto completo (incluindo a ópera-rock "Tommy" quase na íntegra,no segundo CD) e reproduções de documentos históricos da banda, que haviam sido incluídos na primeira prensagem do vinil. As duas edições remixadas e remasterizadas ficaram a cargo do produtor Jon Astley, ex-cunhado de Pete Townshend.

De todos os relançamentos de "Live at Leeds" ao longo dos anos, o melhor é a caixa de 2010, com quatro CDs, com material bônus, livretos e outros mimos.

O show de Leeds reaparece em versão CD duplo, como em 2001, mas ganhou a companhia de outros dois CDs que reproduzem o tal show de Hull, o do dia seguinte.

As fitas foram recuperadas e restauradas, em um trabalho estupendo. Mesmo assim, não foi o suficiente para transformar aquele show em um item memorável. A apresentação da banda foi muito boa, mas nem de longe se iguala à performance de Leeds. Ou seja, os produtores acertaram por vias tortas graças a um equipamento que não funcionou direito.

"Live at Leeds" ainda vinha na esteira da turnê de divulgação de "Tommy", a ópera-rock multiplatinada, e preparava o terreno para o auge da banda, o período entre 1971-1973, onde os shows ficaram ainda melhores e ainda mais pesados, dando suporte a duas obras-primas, "Who's Next" e "Quadrophenia".

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Blog Combate Rock