Falta rock em ‘Democracia em Vertigem’, que já ‘ganhou’ o Oscar
Marcelo Moreira
"Democracia em Vertigem" ganhou o Oscar, independentemente do resultado da premiação da indústria do cinema norte-americano.
A repercussão da indicação ao prêmio e as entrevistas contundentes, embora previsíveis, de sua diretora, Petra Costa, completaram a narrativa a respeito das trevas em que mergulhamos a partir do asqueroso processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
A "vitória" do documentário tem o mesmo peso que os tapas na cara desferidos pelo cantor Roger Waters (ex-Pink Floyd) nos fascistas nacionais que babaram de ódio quando ele tripudiou sobre Jair Bolsonaro e outros líderes mundiais inspirados pelo autoritarismo. Foi no estádio do Morumbi, em São Paulo, em 2018.
Também o mesmo peso da pancadaria que seguiu a divulgação do cartaz de um show dos Dead Kennedys, banda punk americana referência na canção de protesto.
Seu o seu líder, o cantor Jello Biafra, a banda tremeu e cancelou a turnê, mas o cartaz ficou e despertou a ira dos fascistas ao mostrar Bolsonaro como uma figura putrefata e digna de repúdio. Nada mais punk do que isso.
A liberdade de expressão, tão repugnante para essa extrema direita abjeta e desprovida de conteúdo e inteligência, garantiu que os e ofendidos, embora nada tenha a ver com o filme, a possibilidade de vomitar todo tipo de sandices, insanidades, impropérios e xingamentos contra a diretora do filme.
Incapaz de analisar e entender o que quer que seja, restou aos imbecis de plantão usar do machismo, do preconceito e de todas as formas de discriminação para atacar Petra Costa.
Manifesto anti-Brasil? Mais do que o próprio impeachment, impossível. O esperneio dos bolsonaristas e de jornalistas puxa-sacos de patrões já concederam a estatueta à cineasta, que vai "expô-la" em todas as cidades onde exibir a fita, principalmente no exterior.
"Democracia em Vertigem" incomoda porque dá nome às coisas e aponta o dedo para o escandaloso processo de destituição de Dilma, ainda que travestido por um rito legal e dentro do jogo da democracia previsto pela Constituição, considerada uma das mais mopdernas e abrangentes do mundo.
Incomoda também porque resgata uma narrativa que ficou grudada, na época do impeachment, dentro da resistência e da defesa da esquerda enquanto era massacrada por um Congresso venal e fisiológico, para não falar da traição direta de membros do governo.
Incomoda, ainda, porque desvenda todos os passos da conspiração que foi engendrada logo após o resultado das eleições presidenciais de 2014 dentro do PSDB e que evoluiu, com rapidez, dentro do Palácio do Jaburu, a residência do vice-presidente Michel Temer, orquestrador do golpe parlamentar em nome do PMDB.
Não dá para dizer que é um documentário imponente ou estilisticamente inovador. Tem méritos por tocar em feridas que nenhum cineasta tinha ousado mexer, seja por falta de interesse, por medo da reação por simplesmente não enxergar notícia e importância histórica.
Petra Costa é rica e herdeira de um conglomerado de construção civil – Andrade Gutierrez – que, como quase todas as megaempresas do setor, está envolvida em problemas de administrativos de governos estaduais e federal, com ramificações investigadas pela Operação Lava Jato.
Entretanto, absorveu os conhecimentos, a ética e o caráter dos pais, igualmente herdeiros de uma fortuna, mas com visão de esquerda e perseguidos, de algumas formas, pela ditadura militar (1964-1985).
Mais do que ser mulher a se meter em alguns arranjos tipicamente masculinos/machistas, em especial a política e o documentário , Petra Costa atraiu a ira do conservadorismo por expor as contradições e a desonestidade intelectual de sua própria casta.
Como pode, afinal, uma de nós, nos criticar por sermos ricos, milionários de donos do poder? Como pode uma nós a expor as nossas idiossincrasias e nossa frequente luta para aumentar as desigualdades sociais e econômicas para manter o status quo? Como pode uma de nós a se aliar a quem nos odeia e que quer nos destruir?
A diretora falha miseravelmente, entretanto, ao relegar o rock nacional na composição da trilha sonora. Ignora a Plebe Rude, que se tornou, involuntariamente, a trilha dos protestos de 2013 em São Paulo, sobretudo com as músicas "Até Quando Esperar" e "Proteção", hinos de protestos e de ironia nos anos 80.;
Como ignorar os petardos punks dos anos 2000 de bandas brasilienses e mesmo paulistas em momentos cruciais da vida nacional do novo século?
"Mas qual seria a relevância desse tipo de música para um documentário panfletário orientado para o mercado externo?", escreveu um jornalista imbecil em um grande jornal brasileiro ao ser questionado sobre a trilha sonora?
Esquecendo-se a burrice conceitual e a patologia ideológica, a questão é simples de ser respondida: como nunca foi uma produção orientada para o mercado internacional e como sempre privilegiou o clima e a tensão, que são cruciais para manter o dinamismo do roteiro, "Democracia em Vertigem" necessitava de uma trilha sonora incidental própria e característica para ressaltar a própria narrativa.
É um ponto de vista questionável, mas passível de discussão, por mais que achemos imperdoável a ausência de música pop de qualidade – rock e rap – em um trabalho de boa qualidade e tão relevante.
Sobre os Autores
Sobre o Blog
Contato: contato@combaterock.com.br
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.