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Sons of Liberty, o conservadorismo político no heavy metal

Combate Rock

02/02/2020 06h59

Marcelo Moreira

Música politizada no rock está cada vez mais rara, ainda que os tempos soturnos e preocupantes clamem por um posicionamento mais libertário e em defesa da liberdade.

Bob Dylan e Neil Young são mestres no assunto, assim como John Lennon, e de vez em quanto aparecem Paul Simon, Bruce Springsteen, Peter Gabriel e até Paul McCartney dando pancadas diversas.

No metal, os temas políticos aparecem de forma genérica, sem alvos específicos, com bandas clamando em suas letras contra a opressão, ditaduras, violência, caos e outros males, mas tudo muito solto e sem foco.

O Queensryche foi bem-sucedido ao passear por temas como a reinserção dos veteranos da Guerra do Iraque em "American  Soldier", assim como o Iron Maiden teve resultados satisfatórios em "A Matter of Life and Death", embora com alguns exageros.

O veterano Ted Nugent, republicano e conservador, continua chamando a atenção mais por suas hilárias entrevistas, onde detona os defensores dos direitos humanos, espinafra os imigrantes de qualquer espécie e, como bom legítimo direitista norte-americano, advoga o direito de possuir arma e odeia o governo e exige a "América para os americanos." Não passa de um fanfarrão.

sonsofliberty

Entretanto, política com conteúdo e qualidade no rock pesado pode ser encontrada no trabalho do guitarrista Jon Schaffer, o líder do Iced Earth.

A banda norte-americana faz trabalhos conceituais de respeito e tem na abordagem de temas importantes da história norte-americana material de sobra para mandar recados bem atuais.

Entretanto, é em um trabalho paralelo que Schaffer cai na cabeça nos temas políticos e faz a defesa acaloraorgda dos valores e temas caros à direita americana, mas sem cair na bizarrice e na falta de modos de Ted Nugent. Celebra mais o orgulho de ser norte-americano e a importância de conscientizar os jovens sobre as decisões políticas dentro e fora dos Estados Unidos.

O guitarrista não é um erudito, mas é um artista bastante inteligente e um estudioso da história dos Estados Unidos. Também é um ativista importante sem ser troglodita. Não dá para dizer que seja um equivalente à direita de Zack de la Rocha (Rage Against the Machine) ou Jello Biafra (Dead Kennedys), mas é alguém que faz rock pesado, que tem ideias e que sabe como colocá-las.

Para não confundir seus fãs e não tornar o excelente Iced Earth panfletário, Schaffer criou o Sons of Liberty, onde canta, produz e toca guitarra e baixo.
A música é um heavy metal acelerado, mais para o tradicional, ao invés do speed metal competente do Iced Earth. Os temas são mais urgentes e menos trabalhados, justamente para mostrar a diferença entre a banda principal de Schaffer.

O resultado é muito bom, como há muito tempo não aparecia na seara do heavy metal tradicional "Brush-fires of the Mind" é o nome do primeiro álbum da banda e foi lançado em 2010.

"Não fiz este álbum para vender horrores. Quero que ele sirva ao menos para conscientizar os jovens sobre o que está acontecendo no mundo atual e sobre a importância da militância política com forma de participação nas decisões de nossas vidas", afirmou o guitarrista ao site da gravadora Century Media, que apoia o projeto.

Jon Schaffer (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Jon Schaffer (FOTO: DIVULGAÇÃO)

No site do Sons of Liberty, além de todas as coisas comunicadas por Jon, estão todas as músicas do projeto, que retratam muito bem o pensamento dele para este projeto, com letras bem elaboradas e seu estilo característico.

Apesar das nobres intenções, Schaffer cai de cabeça no patriotismo de forma extremada, exalta o caráter libertário e liberal do povo norte-americano e não tem pudor em expor teorias conspiratórias que de vez em quando deixam o americano médio em pânico. Parte do trabalho é dogmática, mas não chega a ser tão ostensiva quanto qualquer pregação religiosa asquerosa ou petista.

É possível ouvir ao longo do CD trechos de discursos de políticos identificados com a gênese dos Estados Unidos, como Thomas Jefferson (1743-1826), por exemplo, um dos pais da independência da nação e terceiro presidente, governando entre 1801 e 1809.

A faixa mais emblemártica é "We the People", a última, onde a letra conclama o povo a se manifestar e retomar as rédeas da vida administrativa da nação. Às vezes parece um sermão, mas logo Schaffer volta aos trilhos descrevendo sua visão de mundo tentando evitar os escorregões para o exagero.

Algumas letras são mais explícitas, como "Our Dying Republic", outras caem para o triunfalismo, como "Tree of Liberty". As críticas a uma suposta conspiração das chamadas "imprensa e mídia liberais" às vezes soam infantis e paranoicas em "False Flag" e "Don't Tread on Me", mas nada que seja ofensivo ou ultrajante.

Foi ótimo o guitarrista não ter lançado o trabalho com o nome do Iced Earth. Merece uma audição atenta. Para quem apenas está interessado em música, é heavy metal de ótima qualidade.

Como nota histórica, os Filhos da Liberdade (Sons of Liberty) foram essenciais para começar a luta pela independência dos Estados Unidos do Império Britânico no século XVIII.

Vários grupos de comerciantes, colonos e filhos de colonos, se juntaram para protestar contra as leis que estabeleceram impostos escorchantes a partir de 1764, o que desembocou na luta pela independência a partir de 1775.

Estes grupos eram chamados de "Filhos da Liberdade" e participaram da famosa Tea Party (Festa do Chá), quando colonos invadiram navios mercantes ingleses em Boston e atiraram a carga ao mar em protesto contra a Coroa Britânica.

Um movimento neoconservador norte-americano atual, sme vinculação com partidos políticos, mas de direita e extrema-direita – e conservador ao extremo – intitulou-se Tea Party, em alusão às ações dos Filhos da Liberdade de dois séculos atrás.

Em 2011, o grupo lançou um EP, "Spirit of the Times", com cinco músicas com a mesma pegada política e um pouco mais radical, sempre fazendo aquele "alerta" contra conspirações e tentativas propagandísticas de "controle da mente", exatamente como diz a letra de "Mind Control". Não é tão inspirado quanto o CD, mas é muito pesado e tem boas soluções melódicas em todas as músicas. O projeto, desde então, está em hibernação.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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