Punk 'apoiando' ato terrorista revela um lado mais do que sombrio do rock

Marcelo Moreira

Uma coisa que incomoda muita gente desde sempre, em todos os tempos, é a chamada patrulha – ideológica, política, moral ou comportamental. É aquela coisa de ficar colocando regra no comportamento dos outros ou de grupos.

A esquerda sempre foi pródiga em patrulhar quase tudo e desde sempre, embora alguns setores tenham aprendido a lição e parado com essa chatice.

Na direita e na extrema-direita, o patrulhamento é total, quase sempre com viés religioso. Como essa gente estava recolhida, com medo e envergonhada nos últimos anos, ninguém deu muita bola.

Em tempos de bolsonarismo, com a tentativa de de "revolucionar" os costumes em 2020, sempre com inspiração religiosa/moral da pior espécie que existe, o patrulhamento está mais forte do que nunca, e bastante perigoso, a julgar pelo atentado terrorista contra a sede do programa Porta dos Fundos, no Rio de Janeiro, por um bando de idiotas que supostamente integram um grupo "integralista", de extrema-direira.

Assim sendo, é legítimo e até salutar que a esquerda volte ao patrulhamento total, principalmente para denunciar e achincalhar os fascistas que saem do armário.

Fábio Zvonar, também conhecido por Fábio Sampaio, vocalista do Olho Seco (FOTO: FLÁVIO FERRAZ/DIVULGAÇÃO)

Seres inomináveis que apoiaram a excrescência eleita como presidente e militam no meio musical reclamam com estardalhaço quando são chamados de fascistas e quando dizem que "rock é atitude e sempre foi oposição".

Bradam que a "esquerda e o pensamento de esquerda sequestraram o rock, que o rock não tem ideologia". Chegam ao ponto de vomitar que rock não deve se misturar com política (???!!!!) e que foi um dos maiores absurdos de todos os tempos Roger Waters, ex-Pink Floyd, transformar seus shows em 2018 em "atos políticos".

São pessoas imbecis, analfabetos políticos e funcionais, que desconhecem a função da arte e da cultura. São pessoas incapazes de elaborar um argumento minimamente lógico para afirma que rock não tem ideologia e que rock tem de ser alinhado ao fascista de plantão ou a quem paga mais.

Rock é atitude, é de oposioção e ser de protesto. Rock a favor não é rock. Não é nada. Nem instrumento de manipulação se torna, já que geralmente esse tipo de "operação" é pilotada por estúpidos.

A coisa é tão gritante que surpreendeu todo mundo o fato de o Garotos Podres, certamente uma das cinco bandas punks mais importantes do Brasil, ter rachado em 2011 por questões políticas.

Ninguém entendeu o fato de que a banda inteira, exceto o vocalista Mao, era de direita e apoiava a Polícia Militar e suas ações ilegais de agressão, intimidação e até assassinato em São Paulo.

Mas como pode uma banda que sempre cantou contra o sistema e com o seu vocalista, professor universitário de história, sendo uma referência entre os artistas de esquerda, e cantar isso na maioria de suas letras, ser integrada por uma maioria de músicos pobres, mas ultraconservadores políticos e religiosos?

Finalmente José Rodrigues "Mao" Júnior recuperou os direitos sobre o nome da banda e a reformulou por completo, retomando o caminho de antes, com postura política condizente com a sua história e sua ideologia.

Só que parte do punk nacional parece ter envelhecido muito mal. Fábio Zvonar (também conhecido como Fábio Sampaio), vocalista da banda Olho Seco, outro nome importantíssimo do punk brasileiro, apareceu nas redes sociais apoiando o ataque terrorista ao Porta dos Fundos. Logo ele, cantor de uma banda raivosa e agressiva e que sempre teve um viés de protesto.

Zvonar aprovou o ataque e fez um discursinho pobre, recheado de erros de português, criticando os humoristas e a forma como trataram Jesus Cristo e outros personagens bíblicos no especial de Natal do programa.

Sua indigência intelectual não o impediu de passar vergonha ao comparar o ataque ao atentado ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, em 2015, que terminou com a morte de 15 pessoas da empresa pelas mãos de terroristas islâmicos. Ou seja, também aprovou esse lamentável evento na França.

O cantor percebeu, ao menos, que tinha feito uma grande bobagem ao escrever um monte de lixo e tempos depois apagou o texto no Facebook, mas tarde demais. Muita gente indignada printou o post e divulgou com gosto pelo mundo. O post original pode ser lido e visto aqui, em texto do site Hedflow.

Para aqueles tontos que acham que rock não é protesto nem atitude, é só pesquisar um pouquinho e ler a bistória dos nomes históricos do blues, dos Rolling Stones, do Clash, do Bad Brains, do Bad Religion, do Pink Floyd…

Ok, são artistas e bandas notórios pelo alinhamento com posturas progressistas e indentificados com ideologia mais à esquerda. Então citemos o direitista Ted Nugent, guitarrista que é um líder entre os apoiadores da liberdade absoluta de venda de armas nos Estados Unidos.

Ou então Jon Schaffer, guitarrista e líder da banda Iced Earth, que criou um projeto paralelo, o Sons of Liberty, para propagar seus ideais liberais, mas de viés conservador nos costumes – é eleitor convicto do Partido Republicano, nos Estados Unidos.

Portanto, dos dois lados, rock é atitude, é protesto e geralmente está encharcado de ideologia política. O que não dá é tolerar o fascismo, seja de qual espectro político for.

Quando um um indigente intelectual como o vocalista do Olho Seco apoia atentados terroristas contra quem pensa diferente abraça o fascismo. Abraça as restrições à liberdade de expressão e a implantação da censura.

Como é possível que o vocalsta de uma banda punk fundada em 1980, durante a ditadura militar, pode ser capaz de abrir a boca para aoiar a censura, que em tese vai se reverter contra elee contra todas as bandas de rock? É o cachorro pedindo a volta da carrocinha.

Ainda que seja estranho e muito fora da curva, dá para entender e até aceitar que roqueiros sejam de direita e abracem certas causas ou ideias que fogem do escopo dos chamados ideais universais do rock. Fascismo, apoio à censura e ataques à liberdade de expressão são inaceitáveis. Qualquer ser que defenda essas coisas não merece respeito.

Por tudo isso é que é lamentável um músico que integra uma banda importante do movimento punk manifestar ao menos simpatia por atitudes fascistas, terorristas e que visam a censura político-religiosa-comportamental.

Significa que ele e roqueiros que pensam da mesma forma não apenas são indigentes intelectuais e culturais, mas não entenderam absolutamente nada do que viveram, curtiram e compuseram ao longo de pelo menso 40 anos.

São pessoas que estão tentando reduzir o rock a um mero entretenimento inócuo, anódino e sem nenhum conteúdo, como se fosse meros pastiches de nada, como as porcarias dos programas popularescos de auditório ou assistencialistas da TV aberta.

Lamentavelmente, Fábio Zvonar não está sozinho em sua caverna escura cercada de todo o tipo de inspiração fascista e autoritária. Os ataques covardes à banda feminina Nervosa, que exibiu em Porto Alegre uma bandeira com o rosto da vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro, são a prova mais recente de intolerância política dos fascistas.

São muitos os músicos e fãs de rock que pensam e agem como ele, depredando a reputação do rock e manchando a história de luta e resistência de um gênero musical de cunho popular nos Estados Unidos e abraçado por uma classe média esclarecida no Brasil que protestou e ajudou a dar rasteiras na ditadura militar.

O Combate Rock tentou entrar em contato com Zvonar para que ele se explicasse sobre a polêmica, mas até o meio da tarde desta sexta-feira, 27 de dezembro, não obteve retorno. A banda Olho Seco também não respondeu aos contatos por meio de redes sociais e ainda não publicou nota oficial sobre o assunto.