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Autocensura e intimidação chegam aos eventos de rock

Combate Rock

16/12/2019 06h37

Marcelo Moreira

"Eu tinha duas opções: ou acabava com os shows no bar ou proibia manifestação política. É lamentável ter de tomar essa decisão, mas só chamo banda para tocar com a condição de não fazer discurso."

Foi triste escutar essas frases de um competente entusiasta dono de bar de rock da zona sul de São Paulo. Ele estava exultante em ter uma folguinha para ver de graça o Suicidal Tendencies na Prefeitura de São Bernardo no domingo, 8 de dezembro. O sócio tocava o bar e o cidadão se esbaldava na cerveja.

Sem culpa pela decisão que tomou, explicou de forma simples: "Quero continuar a incentivar as bandas autorais e, de vez em quando, uma cover. Mas tá difícil para os bares sobreviverem, e para os de rock, mais ainda. Aí vem alguém detonar o PT ou o Bolsonaro e pronto! A casa fica com fama e eu perco clientes dos dois lados. Infelizmente, não dá!"

O clima é esse entre muios empresários pequenos e médios do Brasil que anda tentam investir em rock e ganhar algum dinheiro. A identidade e o nome do bar serão preservados porque a conversa ocoreu de forma informal, ou seja, o interlocutor não autorizou a sua identificação.

A autocensura baixou de forma definitiva e a politização nas reçaões comerciais define a programação.

Segundo amigos do meio, tal comportamento já ocorre desde agosto, mas agora está explícito. e justamente em um monento em que novos ataques à cultura e às artes estão ocorrendo.

FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

A Ancine (Agência Nacional do Cinema) retirou todos os cartazes de filmes brasileiros de seu site e de suas paredes, na sede. Também proibiu a exibição de filmes recentes brasileiros em cursos e workshops para servidores, como "A Vida Invisível", com Fernanda Montenegro, achincalhada recentemente por um estúpido que foi alçado a secretário especial de Cultura do Ministério do Turismo (!!!!!).

Já a TV Brasil baniu clipes de Arnalto Antunes, entre eles um que cita as milícias do Rio de Janeiro, e também qualquer menção à vereadora carioca Marielle Franco, assassinada no ano passado.

O mais pesado ataque partiu da própria Presidência da República e do Ministério da Economia, com um decreto que acabava com a possibilidade de músicos, professores e muitas outras profissões ou atividade em regime temporário de se tornar MEI (Microempreendedor Individual), fato que aumentava, e muito, o recolhimento de imposto de vários profissionais que trabalham em regime de free lancer.

A decisão foi interpretada como mais um capítulo da guerra cultural contra as artes,a  educação e à cultural, eleitas pelo governo Jair Bolsonaro como um de seus alvos preferenciais.

Diante da repercussão negativa até mesmo dentro das hostes ultraconservadoras, Bolsonaro recuou e anunciou a revogação da medida. No então, não nos enganemos: é apenas um recuo tático para que esse ou outro ataque institucional mais pesado ocorra contra os "inimigos" do Estado.

É um tempo estranho e fraturado o que vivemos, em que o conhecimento é temido e um alvo a ser destruído e onde o racismo e os atentados aos direitos humanos se tornam políticas de governo.

Assassinatos de lideranças indígenas e de causas ambientais da Região Norte do país são deliberadamente ignoradas pelas autoridades federais e estaduais, que estão mais preocupados em "boicotar" jornais e emissoras de TV, bem como seus anunciantes.

O bscurantismo e o medievalismo se entranharam de vez no governo ultraconservador de inspiração fascista de Bolsonaro.

Depois de uma imobilidade e paralisia que durou quase um ano, parece que este governo começa a se articular, finalmente, para implantar a sua agenda que depreda os fundamentos básicos da democracia e da sociedade civilizada em um projeto de poder que privilegia a intimidação e uma certa violência institucional.

Para Bolsonaro e seres que habitam seu campo político-ideológico, a agressividade desprovida de inteligência, informação e bom senso é a única forma conhecida de tentar manter o poder e controlar o país, por mais que a incompetência jogue contra, por mais que as decisçoes e declarações apatetadas demonstrem que esse governo é ridículo.

Quase um ano de governo federal sob a administração apalermada e perdida de Bolsonaro, surgem duas teorias a respeito do significado do aparelhamento ultraconservador da máquina pública.

A primeira dá conta de que a incompetênciae a incapacidade político-administrativa do governo Bolsonaro é tão grande que é impossível estimar o quão lesiva é para o país, em todas as áreas, interna e externamente.

Por conta disso, são cada vez maiores as apostas de que Bolsonaro não conseguirá terminar o mandato por pura incompetência.

As políticas de seus principais ministros, Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça), encontram muitas resistências no Congresso e representam de forma clara como o governo patina em questões básicas. Sua articulação com a sociedade e com o Congresso é péssima.

FOTO: REPRODUÇÃO INTERNET

Por outro lado, há quem veja neste estado de coisas, ainda que a incompetência político-administrativa salte aos olhos, um contrle absoluto do presidente sobre a máquina pública.

É uma tese levantada pelo jornalista Thomas Traumann, ex-secretário de Comunicação do governo Dilma Rousseff (PT), em artigo publicado em vários jornais.

Em síntese, a política agressiva e muitas vezes truculenta na imposição de novas normas de conduta, que incluem a perseguição de supostos inimigos esquerdistas, intimidou o funcionalismo público a ponto de neutralizar, em parte, os outrora ativos e barulhentos sindicatos de servidores públicos federais.

A intimidação chegou a tal ponto que mesmo a combativa Polícia Federal, que sempre se orgulhou de sua independência na atuação desde sempre, mostra-se acanhada e na defensiva diante das determinações restritivas de comportamento e investigação por ordem de Moro. O mesmo acontece em relação a outros órgãos de investigação, como a Receita Federal.

Para Traumann, por mais que pesquisas demonstrem queda na popularidade de Bolsonaro, o fato é que ele e sua turma conseguiram aparelhar o Estado e intimidar o funcionalismo federal, o que lhes coloca máquina na mão de uma forma nunca antes vista. Erra, segundo ele, quem pensa que o governo está "fraco e claudicante".

Esse controle de mentes e comportamentos, ferramenta típica de regimes autoritários e fascistas, pode ser uma das explicações para que muita gente no dia a dia se sinta intimidada.

Um caso flagrante de racismo ocorre em um programa popularesco, em emissora cujo dono é o apresentador velhaco e débil, e poucos ficam a horrorizados, a ponto de a vítima, uma cantora negra participante de um quadro ridículo de um programa ridículo, admitir o seu constrangimento nas redes sociais mas descartar um processo.

"Não adianta processar rico, não dá em nada. E ainda vai me prejudicar, pois certamente serei vetada em outros pogramas e outras emissoras", declarou a vítima de forma resignada.

Isso explica porque as pessoas estão com medo de falar de política e expor opinião em padarias, bares e no transporte público. Estão com medo de serem agredidas ou intimidadas por estranhos.

Explica muito o comportamento de um vagabundo que ameaçou pessoalmente e por telefone o jornalista e escritor José Maschio, em Londrina (PR), por conta de um livro do qual é o autor. A acusação? O livro é "comunista".

E assim caminhamos para que artistas e produtores culturais sejam cada vez mais alvos de censura, boicoites e intimidações, como o proprietário do bar citado no início do texto.

E assim ficamos reféns da ignorância, da truculência e do autoritarismo, cujos apoiadores e incentivadores se orgulham de serem imbecis. Essa gente se sente estimulada pelo silêncio da maioria.

Mesmo repudiando tal cenário, prefere não se envolver com receio de que os canhões se virem contra elas. É gente que tem medo de sofrer consequências de se opor ou ao menos criticar a onda ultraconservadora de viés evangélico que espalha a burrice e conceitos medievais em pelo ano de 2019.

Reprodução da capa da edição brasileira do livro "liberdade de Expressão: Dez Princípios para Um Mundo Interligado", de Timothy Garton Ash

É gente que tem medo de perder clientes, emprego (ou se não conseguir um) ou simplesmente de se ver alijado de frequentes certos espaços. Pior ainda, é gente que tem medo de perder amigos, parentes ou relacionamentos, mesmo que isso custe "certas" restrições a suas liberdades.

Infelizmente, essa gente "isentona" não vê grandes prejuízos com esse comprtamento, ou seja, abrir mão de certas "regalias" e "liberdades" para evitar certa "perdas" e manter um certo "staus quo". Dá para chamar isso de política de redução de danos?

Temos de admitir que o pensamento fascista está entre nós e em pouco tepo vai predominar. É o primeiro passo, o terror que difunde o medo. É o mais importante e decisivo passo para que o autoritarismo chegue e de dissemine.

Mike Muir, o vocalista do Suicidal Tendencies, cantando para cerca de 15 mil pessoas em São Bernardo, falou muito (demais até) durante o show, só que foi certeiro e feliz quando pregou a defesa da liberdade de escolhas e da necessidade de manter o estilo de vida livre dos skatistas e amantes de rock e esportes/atividades radicais.

Foi preciso que um astro de rock norte-americano aparecesse e gritasse para jogar na cara a necessidfade de resistência contra o aparato repressivo do Estado autoritário – cada vez mais autoritário em 2019. Pena que poucos entenderam (ou fingiram não entender).

O ano de 2020 promete ser bem mais difícil para quem defende as liberdades civis e de expressão e não abre mão da preservação da cultura e das artes.

 

 

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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