Exposição fotográfica mostrará a presença negra no metal gaúcho
Marcelo Moreira
O saudoso Carlos José Camargo costumava ser uma atração em shows de heavy metal no início dos anos 90. Alvo de curiosidade, frequentemente era abordado por alguns: "você gosta mesmo de metal?". Irônico, o mestre em informática que era um negro orgulhoso e militante, dizia que não. "Sou um agente da polícia disfarçado monitorando o local."
Quando ia aos churrascos com os amigos onde Iron Maiden e AC/DC estouravam nas caixas, muitos não se conformavam com aquele negro gordo chacoalhando o pescoço. "Mas você não gosta de samba e rap?", perguntou certa vez, inadvertidamente, uma ingênua com a indefectível camiseta preta dos Ramones. "Não. Eu estudei e evoluí", disparou de forma grosseira, em meio a sorrisos sarcásticos.
Ele levava na boa esse tipo de abordagem, mas às vezes não suportava o racismo estrutural que tentava separar o gosto musical em castas.
Ainda hoje esse preconceito ordinário e estúpido prevalece em alguns ambientes. Por que o negro não pode gostar de rock pesado e rap ao mesmo tempo?
Por que será sempre associado ao samba e ao pagode, e não a bandas como Living Colour e Bad Brains, exemplos máximos de rock pesado capitaneado por negros?
A sociologia explica muito bem a questão a partir da escravidão e da pobreza que afetou (e ainda afeta) parte expressiva da população negra brasileira, por mais que tais explicações sejam eivadas de imprecisões e de conceiyo contraditórios e até mesmo rasos. No Brasil, a maioria da população negra nunca se sentiu muito à vontade no rock sustentado pela classe média brasileira.
Uma exposição fotográfica importante pretende mostrar a presença de músicos negros no rock brasileiro, em especial no Rio Grande do Sul.
O projeto "Preto no Metal" deverá resultar em documentário retratando a realidade destes artistas em um contexto de ainda pouca apropriação étnica versus estilo musical.
Historicamente, a música "pesada", nesse projeto representada pelo estilo heavy metal, contou com poucos nomes de personalidades negras, tanto no Brasil quanto internacionalmente. Na região Sul do Brasil, essa representatividade é ainda menor, por ser uma região de colonização predominantemente europeia.
O projeto surgiu quando a fotógrafa Indy Lopes captou algumas imagens de um músico negro atuante no cenário da música underground em Porto Alegre para compor seu portfólio.
Após o ensaio, juntamente com alguns amigos, surgiu a ideia de realizar um ensaio fotográfico somente com músicos negros atuantes na cena heavy metal e transformar este material em uma exposição de Artes Visuais.
Essa simples sugestão, inicialmente despretensiosa, deu espaço para vários questionamentos quanto à participação dos negros nesse estilo musical e permitiu vislumbrar a criação de um projeto cultural com a intenção de enaltecer sua maior participação no mundo da música pesada, proporcionando reflexões e diálogos que levem à sua representatividade.
Segundo a fotógrafa, um dos objetivos da mostra é "promover a discussão sobre a falta de representatividade do negro no metal, discutindo com a sociedade os possíveis motivos desse cenário e questionando a atual realidade do envolvimento do negro no rock".
Indy também acredita que será possível estimular e realizar "ações socioculturais para mostrar, questionar, discutir e mudar o atual cenário de baixa representatividade do negro no estilo musical".
A exposição contará com um ensaio fotográfico com imagens captadas de músicos negros atuantes na cena heavy metal no Rio Grande do Sul.
Será realizado também um bate-papo com as pessoas envolvidas no projeto. Este material será exibido gratuitamente na próxima semana, nos dias 23 e 24 de outubro, na Casa Obscura (Rua Garibaldi, 776), em Porto Alegre (RS). Em ambas as datas, quarta e quinta-feira, a exposição estará aberta ao público a partir das 19h.
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