Projeto de lei pretende criminalizar músicas com 'conteúdo impróprio'
Marcelo Moreira
Já era esperado que a música – e o rock, em particular, se tornasse alvo da sanha conservadora asquerosa que domina o país. Na verdade, as tentativas de coerção e censura à arte são anteriores às eleições de 2018, quando os portões do inferno foram abertos e o bolsonarismo tomou conta de muita coisa.
Muitos projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais desde sempre tentaram impor conceitos religiosos-medievais para tentar se meter na vida privada das pessoas e regulamentar o "comportamento". Essas tentativas sempre foram consideradas ridículas e devidamente menosprezadas, relegadas a gavetas e latas de lixo.
Com a ascensão do que há de pior no conservadorismo após as eleições de 2018, não dá mais para menosprezar as tentativas de censura, por mais estapafúrdias que sejam. É só observar o que está ocorrendo no âmbito do governo federal, com cancelamentos de eventos artístico-culturais promovidos por instituições como Caixa e Banco do Brasil.
Pois as hordas do atraso e das trevas estão avançando, finalmente, e sem que haja uma reação adequada. Primeiro foi a Câmara Municipal de Belo Horizonte, que aprovou em primeira votação a chamada escola sem partido, ou seja, a proibição de "qualquer tipo de menção a infõrmações de cunho político ou ideológico em sala de aula" (uma das coisas mais abjetas, estapafúrdias e sem sentido na atualidade). O texto ainda precisa passar por uma segunda votação e, depois, pela sanção do prefeito.
Na Câmara dos Deputados, foi apresentado um projeto risível, mas nojento, que pretende crimininalizar música e gêneros musicais. É uma excrescência tão grande, de uma indigência mental tão asssutadora, que não mereceria atenção em tempos normais.
É claro que esse tipo de coisa abominável só poderia sair de um partido deformado e inacreditável como o PSL. O autor é o deputado federal Charlles Evangelista (PSL-MG), que tem sua base eleitoral na região de Juiz de Fora.
O alerta foi dado nas redes sociais pela jornalista Juliana Mello (On Stage Lab), uma artista e militante do rock e do heavy metal que é antenada e conseguiu observar uma nota aparentemente jogada e meio escondida do site O Antagonista, conhecido pelo viés conservador de seus textos e linha editorial.
Ela foi atrás do texto do projeto 5.194/2019 e pescou algumas pérolas:
O parlamentar em questão apresentou um projeto de lei que tipifica como CRIME estilos musicais que contenham expressões pejorativas ou ofensivas. No contexto da proposta, ele esmiúça da seguinte maneira:
"§1º – na mesma pena prevista no caput incorre aquele que através de qualquer estilo musical que contenham expressões pejorativas ou ofensivas, que estimulem:
a) O uso e o tráfico de drogas e armas;
b) A prática de pornografia, pedofilia ou estupro;
c) Ofensas à imagem da mulher;
d) O ódio à polícia."
Na justificação a gente logo percebe o viés ideológico:
"(…) O mal-estar se deve ao conteúdo explícito das letras, que abordam temas de cunho sexual e, por vezes, fazem apologia a crimes. Desse modo, a criminalização de estilos musicais nesse sentido seria uma forma de garantir a saúde mental das famílias e principalmente de crianças e adolescentes que ainda não tem o discernimento necessário para diferenciar o real do imaginário."
Ainda tem mais na justificativa:
"(…) Diante da popularidade que as músicas de diversos ritmos veem ganhando proporção, podemos perceber que estas se encontram com um nível defasado de letra e que na maioria das vezes agridem a imagem da mulher, apelam para o comportamento erótico e a existência de inúmeros palavrões."
E segue:
"(…) Com isso, conclui-se que os autores e cantores de qualquer estilo musical que tenham conteúdos pejorativos ou ofensivos devem ser responsabilizados criminalmente e punidos pelo Poder Judiciário, tratando-se a presente proposição em reafirmar o espírito maléfico de estilos musicais que incentivam de qualquer forma a propagação de crimes ou situações vexatórias (…)"
Para arrematar, uma conclusão de Juliana Mello bastante pertinente:
"O quê eu concluo com isso?
– Funk proibidão: cadeia (objetivo principal da proposição, tá na cara);
– Punk nacional: cadeia;
– Pop nacional: cadeia;
– Duplas / cantores sertanejos: cadeia;
E se der pra punir olhando pra trás, aí teremos:
– Lobão: cadeia;
– Rock nacional (incluindo Ultraje a Rigor e Roger): cadeia;
– A discografia inteira do Velhas Virgens: cadeia;
– Duplas / cantores sertanejos: cadeia;
– Noel Rosa: cadeia (se fosse vivo) ;
– Gabriel Pensador: cadeia;
– Roberto e Erasmo Carlos: cadeia."
Não para saber qual é a chance, neste momento, de termos a tramitação, apreciação e votação de tal excrescência. Aparentemente, não está na pauta e não existe perspectiva de entrar na pauta da Câmara dos Deputados tão cedo.
Mas aí é que está o problema: justamente por isso é que corremos o risco de um esgoto desse tipo entrar sorrateiramente na pauta, depressa e solerte, e ser votada e aprovada em duas votações na Casa, meio que na calada da noite.
Muitos vão dizer que realmente é uma enorme bobagem e que isso jamais corre o risco de ser aprovado. É gente otimista demais e que não percerbe a escalada conservadoraem prol da censura e do autoritarismo.
Pode ser até que integrantes das bancadas conservadoras e religiosas, mas que sejam um pouco mais lúcidos e conscientes, podem considerar esse trambolho uma grande bobagem e não encampem. Só que não dá para garantir, em vista da péssima qualidade do nosso Congresso e dos integrantes absurdos e retrógrados que ocupam cargos ministeriais.
Acho pouco provável que, no médio prazo, esse tipo de iniciativa volte a nos assombrar, seja por ser absurdo, seja por ser inconstitucional, por ferir a liberdade de expressão.
No entanto, não para descartar que o governo abrace tal estultície e consiga empurrar adiante no Congresso,mesmo com a inconstitucionalidade. Seria maisa uma cortina de fumaça para desviar o foco da completa incompetência de uma administração de lunáticos, que é incapaz até mesmo de gastar o dinheiro que precisa ser gasto dentro do Orçamento da União.
Tal porcaria é bem capaz de fazer barulho e suscitar debates absurdos sobre a "viabilidade e a necessidade" de, ao menos, "debater" tal coisa.
A guerra contra a cultura, as artes e a educação, bem como ao bom senso e a inteligência, não será simples e requererá boas doses de paciência, estômago forte, vigilância e forte resistência. Eles não vão vencer.
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