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A enxurrada de lançamentos do mestre Ricardo Vignini

Combate Rock

10/10/2019 07h06

Marcelo Moreira

Se tivéssemos que personificar a figura de um matuto moderno, com certeza a pessoa seria Ricardo Vignini, um violeiro improvável de sobrenome italiano e paulistaníssimo da Vila Mariana e do Itaim Bibi.

Um roqueiro transformado em um dos melhores instrumentistas do Brasil – toca muitissimo bem qualquer tipo de viola, da caipira de sete cordas até o dobro (com corpo de aço) -, o músico com cara de nerd mantém uma produção invejável e um ritmo intenso de trabalho de dar inveja a Joe Bonamassa, o guitarrista de blues workaholic norte-americano que mantém cinco projetos ao mesmo tempo.

"Quando eu vi, no final de 2018, que a coisa poderia apertar eu tinha duas opções ou ficava reclamando esperando a galinha criar dente ou saia trabalhando compulsivamente, então até agora em 2019 lancei quatro álbuns, sendo que dois físicos", dz o violeiro, que no ano anterior lançou, ao lado do parceiro Zé Hélder, "Moda de Rock Toca Led Zeppelin", o terceiro disco de estúdio do projeto. E ele garante que, no começo de 2020, lançará aquele que deverá ser o seu melhor trabalho até então.

Os quatro álbuns que colocou no mercado são "Viola de Lata", "Viola de Lata Ao Vivo", "Nós do Rock Rural" (gravação ao vivo ao lado de Tavito, Zé Geraldo, Tuia e Guarabyra) e Matuto Moderno 20 Anos (banda que integra desde 2000). Além de músico, Vignini também é produto e dono de um conhecimento enciclopédico da música brasileira.

O volume de trabalho se tornou uma necessidade diante de um mercado de trabalho/artístico afetado pela crise e pelos ataques ultradireitistas contra a cultura, mas também deu um impulso ao já enorme prestígio que o artista adquiriu em quase 25 anos de estrada.

Quem o conhece enche-o de elogios efusivos; quem não o conhece e confere o seu trabalho fica abismado com a qualidade e o virtuosismo que demonstra ao vivo. E a agenda robusta de shows, workshops, aulas e requisições de produção é um sintoma de que quanto mais o prestígio cresce, mis a agenda engorda.

"Viola de Lata Ao Vivo", recém-lançado, é a versão mais orgânica, digamos assim, do ótimo "Viola de Lata", que se tornou um clássico da música instrumental brasileira. Não se trata de uma migração para o violão de corpo de aço, mas um pequeno desvio em uma carreira marcada por descobertas e experimentações.

Vignini não perdeu tempo. Com fé no taco, registrou sua apresentação solo ocorrida no dia 31 de agosto deste ano no espaço cultural Espaço91, no bairro da Água Branca, zona oeste de São Paulo. Sozinho no palco, acrescentou mis criatividade e improviso a canções cortantes e contundentes do nosso cancioneiro.

"Amálgama", tocada com muita paixão, ganhou um peso inexplicável na interpretação ao vivo, assim como a contundência transformou "Rio de Lágrimas" em uma pancada sonora, com extraordinária sensibilidade.

"Alvorada" e "Metal das 12" suavizam um pouco a energia do ambiente, assim como a pungente versão de "Rain Song", do Led Zeppelin, em versão maravilhosa. No entanto, é só um interregno para novas investidas quase furiosas em "Minuano" e "Do Ferro ao Pó", em versões emocionantes.

Experiência ousada

"Viola da Lata", o CD cde estúdio lançado no começo do ano, também tem  um valor sentimental para o músico por se tratar de um resgate – uma maneira de tocar que é uma das paixões de Vignini.

"Amo tocar slide (modo de tocar conhecido por deslizar tubinhos de metal ou vidro no braço do violão).  Em 1991, conheci o marimbau nordestino (ou berimbau de lata), um arame esticado em um pedaço de pau, com latas fazendo o papel de ressonadores, tocado com um bastão/graveto de forma percussiva, e com um caco de telha, um garfo, faca ou qualquer outro objeto deslizante marcando as notas", diz Vignini.

Para ele, era o legítimo "nosso lap steel", maneira do nordestino tocar que influenciou muito de seu estilo no slide. "Graças à tecnologia, conseguimos fazer uma gravação em parceria com um autêntico 'tocador' desse instrumento, o saudoso Gavião, tio da cantora Socorro Lira, na faixa 'Galope na Beira do Mar."'

O novo álbum é mais um passeio pela música instrumental de raiz do Brasil. Se o ótimo "Rebento", de 2017, continha músicas muito reverentes e, de certa forma, fiéis aos gêneros aos quais prestava mais homenagem, "Viola de Lata" vai além em termos de qualidade e ousadia.

Os timbres obtidos nas violas são impressionantes, assim como a execução impecável em canções como "Minuano", onde esbanja vitalidade e habilidade ao solar e fazer a base ao mesmo tempo.

"Metal da 12" vai na mesma toada, com uma viola de 12 cordas que preenche todos os espaços, em uma grande demonstração de virtuosismo, mas a serviço da música. "Rio das Lágrimas" e "Adaga de Prata" são músicas mais tradicionais, em que a vioa dialoga com a melodia de outros instrumentos e traz um Vignino um pouco mais contido.

Também são destaques "Rua Aurora", com sua dinâmica interessante e ótima condução da melodia, e "Do Ferro ao Pó", um pouquinho mais pesada e intensa.

As versões de "Violão de Lata" são raras demonstrações de criatividade e ousadia em um gênero musical marcado pela precisão e pelo virtuosismo, mas, com frequência, engessado. Ricardo Vignini é um artista cada vez mais obcecado pela perfeição, mas também pela expansão dos horizontes musicais.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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