A guerra está declarada: a censura avança no meio musical
Marcelo Moreira
Prepare-se: o governo Jair Bolsonaro já criou a Anrock e Anmetal, as agências reguladoras do meio musical. Para que um artista possa tocar ou lançar CD no Brasil, terá de pedir autorização ao governo, submeter o conteúdo das músicas aos censores e prometer que não fará críticas políticas, sobretudo ao presidente que tem queda pelo fascismo.
O quadro acima poderia estar em qualquer programa de humor popular ou ser uma piada infame para ridicularizar um tempo em que vivíamos assustados com os descalabros presidenciais.
No entanto, a agência reguladora em questão pode perfeitamente existir por conta dos recorrentes ataques que a excrescência bolsonara faz aos direitos humanos, à educação, às artes e à cultura.
A censura, por exemplo, já é uma realidade no rock em 2019. O Combate Rock alerta desde o ano passado, após a eleição do presidente, que os ataques contra o rock e contra a cultura cresceriam, o que de fato ocorreu entre outubro e dezembro de 2018.
A coisa piorou neste ano, com os cancelamentos arbitrários de shows na avenida Paulista fechada aos carros aos domingos – foram dois eventos cancelados minutos antes de começar, um deles de músicos que fizeram questão de votar em Bolsonaro e no governador paulista João Doria Jr. (PSDB).
Em termos institucionais e mais graves, foram três os atos de censura extremamente preocupantes e que demonstram o caráter autoritário das Polícias Militares, estimuladas por governadores conservadores e pelo governo federal de inspiração fascista com a bênção evangélica.
No último final de semana, a banda BNegão & Os Seletores de Frequência teve o show interrompido por PMs na cidade de Bonito (MS) após o cantor fazer críticas duras ao presidente da República e a suas políticas destrutivas no meio ambiente, na educação e na segurança pública.
BNegão subiu ao palco depois do show de Gal Costa. A cantora baiana teria estimulado o público a xingar Bolsonaro várias vezes. O contra-ataque, no entanto, sobrou pra o cantor carioca. A PM do Mato Grosso do Sul não explicou os motivos da ação, que consideramos covarde, ilegal e anticonstitucional.
Já a Prefeitura de Bonito, por incrível que pareça, apoiou a ação da PM sul-mato-grossense e divulgou nota repudiando os protestos e manifestações contra Bolsonaro.
Em suas redes sociais, BNegão faz o relato preocupante da truculência e da censura promovida pela PM em Bonito. A atitude asquerosa e nojenta repetiu os procedimentos ocorridos em junho em Brasília, quando a banda paulista de hardcore Escombro sofreu ameaças e intimidações de policiais miloitares.
O Escombro foi alvo da PM porque alguns policiais se sentiram "ofendidinhos" por conta da letra de uma canção da banda que fazia uma crítica geral às PMs de todo o país, denunciando atos de arbitrariedade, autoritarismo e preconceitos de todos os tipos.
Os PMs foram convencidos a não parar o show dentro do festival punk brasiliense, mas obrigaram de forma ilegal o cantor a prestar "esclarecimentos" em uma delegacia de polícia após o show. Quer maior ataque à liberdade de expressão do que isso?
E o que dizer do cancelamento de um festival punk e hardcore em Belém (PA) minutos antes do começo do evento, também no mês de junho?
O cartaz do Facada Fest fazia críticas diretas a Jair Bolsonaro, o que motivou protestos de um deputado estadual e de um dos filhos do presidente. Os dois fizeram uma queixa oficial ao Ministério Público e à Polícia Civil.
"Coincidentemente", evento foi cancelado minutos antes de começar pela Polícia Militar sob a alegação de que o local do festival não tinha "alvará de funcionamento nem autorização para realizar um encontro musical".
Por que só às vésperas do evento houve a constatação da "falta de alvará"? Quem fez a denúncia? Por que a denúncia só surgiu na hora do evento?
Esses fatos são suficientes para que os otários que acharam que a ira do bolsonarismo/conservadorismo de cunho evangélico não chegaria ao rock. É para os sacripantas que zombavam daqueles que tinham medo das eventuais restrições às liberdades civis e de expressão.
A guerra está declarada e o que aconteceu com BNegão no Mato Grosso do Sul é a própria evidência do perigo que estamos correndo.
Ainda não dá para dizer que há uma atividade coordenada contra o rock ou contra eventos musicais com a presença de músicos que são ativos na militância contra o governo federal ou contra as políticas destrutivas de Bolsonaro em várias áreas.
O que é certo é que o "clima" e as "circunstâncias" favorecem diretamente a inimidação e os ataques à liberdade de expressão por parte de grupos e instituições conservadoras.
As Polícias Militares de Estados governados por conservadores alinhados a Bolsonaro se sentem estimuladas a combater a oposição antibolsonarista com todo o arsenal ilegal e intimidatório disponível, torcendo e depredando a lei e a Constituição pras "enquadrar" os "encrenqueiros comunistas".
Como o autoritarismo está entranhado nas estruturas militares de segurança pública dos Estados mesmo no caso dos governos de partidos de centro ou de esquerda, tal comportamento é algo que contamina todo ambiente considerado liberal e sadio.
E são poucas, infelizmente, as vozes que se levantam contra tais absurdos e depredações da liberdade de expressão – e da própria Constituição. É de vomitar saber que tem gente entre artistas, núsicos e apreciadores de rock e metal que aplaude esse tipo de coisa.
Em texto anterior, mencionei que estávamos em um grave período de trevas e que havia dúvidas se conseguiríamos escapar de um destino cruel e desse período medieval em que nos encontramos.
As duvidas sobre isso só aumentam. É um momento trágico onde a indigência intelectual e cultural domina e o retrocesso parece ser a política oficial do governo – chancelada por parte expressiva da população que faz questão de elogiar a mediocridade e detonar o conhecimento.
Quando um presidente debocha do assassinato praticado por órgãos oficiais de um governo e despreza os resultados contundentes que mostram que os militares brasileiros cometeram inúmeros crimes, é sinal de uma doença gravíssima em tal sociedade. A Comissão da Verdade é uma das coisas mais importantes que surgiram neste país.
E essa doença fica ainda mais grave quando as repercussões de tais desatinos de um presidente incapaz e incompetente têm uma repercussão quém do que deveria ter.
A maioria da população, envergonhada de ter votado em um sujeito funesto e reprovável, parece entorpecida diante dos resultados desastrosos de um (des)governo que atenta contra a Constituição e que insiste em desmantelar os direitos humanos, a proteção ao meio ambiente e os pilares da educação. Será que era isso mesmo o que essa gente queria.
Ninguém pode negar que foi pego de surpresa. Bolsonaro prometeu nos levar de volta à Idade Média e às trevas. Está cumprindo à risca seu "plano de metas", com o apoio tácito da parcela mais retrógrada e lamentável do mundo evangélico brasileiro.
Não são gratuitos os ataques à Ancine (Agência Reguladora do Cinema), que presta inestimáveis serviços ao mundo cultural brasileiro.
A intenção do bolsonarismo é aparelhar e controlar a agência, bem como todo o meio cultural, para espalhar o lixo que ele considera "adequado para a família brasileira e os bons costumes".
Será que os imbecis que adoram death metal e black metal que votaram na excrescência acham mesmo que o som que curtem se enquadra na tal definição de "moral e bons costumes" da família brasileira?
Será que esses mesmos imbecis vão aplaudir e urrar de felicidade quando, um dia, esse cenário de terror banir bandas como Slayer, Vader, Behemoth e Rotting Christ de nossos palcos?
Como será que a nossa sociedade de passividade bovina vai reagir quando Roger Waters, ex-Pink Floyd, fizer sua última turnê mundial e tiver suas apresentações proibidas no Brasil – ou dificultadas pela burocracia que certamente será imposta pelo mundo bolsonaro para "aprovar" os shows?
Os casos de censura ao rock e a artistas que pensam diferente, que criticam e fazem questão de denunciar os desmandos do (des)governo estão crescendo e vão se multiplicar, como temiam – e previam – o Combate Rock e muitos outros órgãos de imprensa quando da eleição de Jair Bolsonaro.
O combate ao fascismo é constante e tem de ser incansável. Um momento de fraqueza é o que há de pior na sociedade ressurge das fossas e dos montes de excrementos para assombrar a todos.
A eleição presidencial de 2018, com as consequências nas eleições estaduais, abriu os portões do inferno e os demônios voltaram para nos incomodar e tentar nos destruir.
Vai demorar para que os resultados dos combates deem resultado e demorará décadas para limpar a sujeira que essa gente deixará.
O mal, entretanto, está feito: nossa sociedade está aceitando a censura e normalizando o fato de que um governo federal de inspiração fascista poderá dizer o que podemos ou não ver e curtir, dentro de padrões preestabelecidos com base na "moral e bons costumes da família brasileira".
Com a guerra declarada, só nos resta aceitar o combate e resistir.
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