Meninas em fúria: a ousadia de Esperanza Spalding e Erja Lyytinen
Marcelo Moreira
O rock é pouco. O jazz ainda é mais restrito ainda. Qual a solução? Brincar e tocar sempre e cada vez mais, de preferência com muitos amigos.
Duas artistas importantes do cenário atual decidiram seguir os mandamentos acima, com riscos calculados e muita ousadia em seus novos trabalhos. E a norte-americana Esperanza Spalding e a finlandesa Erja Lyytinen deram passos largos na carreira, ainda que os novos CDs sejam um tanto irregulares.encantado
Esperanza é uma moça encantadora e fez sua carreira naquilo que se convencionou chamar de soft jazz, uma vertente mais suave – mão menos importante – do ritmo americano.
Contrabaixista extraordinária e muito boae rhythm & cantora, tem versatilidade para catar blues, soul, jazz, bossa nova e rhythm and blues – são muito interessantes as entrevistas que costuma dar em português, aprendido na convivência com músicos brasileiros e com um namorado carioca.
"12 Little Spells" é o sétimo álbum da artista norte-americana. É uma guinada importante na carreira da moça, onde ela incorpora elementos da música negra moderna e da música eletrônica.
Para quem se acostumou a ouvi-la em suas versões mais soft, é um choque vê-la declamar poemas de fundo concretista, discursos engajados e letras mais incisivas. Ela não é feminista, mas se impõe como uma artista marcante e com postura firme.
Assim como o guitarrista Gary Clarke Jr no blues, Esperanza flerta com várias tendências e aponta caminhos. Brinca com a música de maneira de deixar as pessoas intrigadas. Instiga o ouvinte a buscar novas soluções. Não entrega fácil as canções. Força uma busca por sonoridades divergentes e díspares.
As melodias não vêm fáceis. Ela explora texturas sonoras intrincadas e complexas, misturando mundos nem sempre convergentes. O resultado é curioso, mas que requer mais de uma audição, como na faixa-título.
Cada faixa tem uam correspodência com uma parte do corpo, em uma tentativa interessante de impingir um conceito a uma obra que, à primeira audição, parece uma colagem sonora de peças jazzísticas e experimentais.
A trilogia "A Touch in Mine", "The Longing Deep Down" e "You Have to Dance" definem bem o que é "12 Little Spells": uma combinação interessante de jazz vanguardista e música negra moderna, como se Miles Davis tivesse invadido o estúdio da banda inglesa King Crimson. É bem diferente e bastante surpreendente. No entanto, somente com o tempo poderemos cravar se será um clássico na discografia de Esperanza Spalding.
A guitarrista finlandesa Erja Lyytinen divide o topo do blues feminino europeu com a sérvia Ana Popovic e a inglesa Joanne Shaw Taylor, ambas excelentes instrumentistas.
Apostando em um blues mais próximo do rock em seus mais de dez anos de carreira, agora a moça envereda por uma área mais próxima do pop em seu novo trabalho, "Another World".
Mais técnica e versátil no instrumento do que as suas concorrentes, Lyytinen mostra que bebeu bastante nas experiências do norte-americano Joe Bonamassa, o grande nome do blues da atualidade. Transita com facilidade do blues para a soul music passando por uma sonoridade mais pop e comercial.
O resultado, neste caso, a aproxima da norte-americana Samantha Fish, estrela maior da guitarra bluseira dos Estados Unidos. O groove de sua guitarra está intacto, mas ela dá mais atençção a outros detalhes. Melhorou como intérprete, como na faixa-título, onde a guitarra não é tão predominante.
O mesmo se pode dizer na bacana "Hard as Stone" e nas delicadas "Wedding Day" e "Miracle", com o bolues reaprecendo forte em "Break My Heart Gently" e "Torn", sendo que o rock dá as caras na intensa "Snake in the Grass".
Erja Lyytinen é um nome forte da música europeia e aparentemente decidiu trilhar um caminho mais amplo para ingressar no concorridíssimo mercado norte-americano, coisa que Ana Popovic já fez há alguns anos – seu álbum triplo "Trilogy" é um mergulho profundo no blues, na soul music e no blues rock com sotaque e produções totalmente norte-americanas.
É um passo ambicioso e arriscado para a guitarrista finlandesa, que corre o risco da descaracterização de seu som. No entanto, a ousadia costuma premiar artistas corajosos, como é o caso de Erja Lyytinen.
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