Anjo maldito do rock nacional, Serguei se tornou parte da história
Marcelo Moreira
O cantor Serguei foi um dos personagens mais interessantes do rock brasileiro de todas as eras, ainda que suas histórias, sua biografia e seus maneirismos o colocassem no limiar entre a realidade e a ficção, sempre colocando uma sombra sobre a verossimilhança das lendas que o cercaram.
Culto, excêntrico e inteligente, Serguei se aproveitou ao máximo de sua trajetória impressionante de 85 anos de vida, mesmo que isso tenha custado a fama que um dia julgou merecer – os excessos de todos os tipos, inclusive os da língua, definitivamente cobraram o seu preço.
O anjo maldito do rock nacional, como bem cunhou o documentário legal dirigido pelo cartunista Marcio Baraldi, morreu nesta sexta-feira, 7 de junho, em Volta Redonda (RJ), após anos de problemas de saúde e dificuldades financeiras.
Segundo o boletim mésdico oficial do hospital fluminense, a morte ocorreu em decorrência de problemas cardíacos, ocasionados por pneumonia, desnutrição e complicações senis.
Desde o ano passado o cantor vinha passando por uma série de problemas. Morando sozinho em uma casa simples em Saquarema (RJ), tinha dificuldades para se locomover e até mesmo para se aimentar. Muitos amigos se revezaram para ajudá-lo e fazer companhia, mas tudo isso não fui suficiente.
De acordo com pessoas próximas, antes de ficar internado na UTI por 11 dias, Serguei apresentava, em alguns momentos, sinais de demência, falta de memória quadro avançado de desnutrição.
Sergio Augusto Bustamante nasceu em 1933 e virou Serguei quando voltou de uma das temporadas longas de residência nos Estados Unidos.
O personagem fascinante foi tratado como uma mera caricatura dos excessos da vida roqueira pela mídia ao longo da vida – embora isso tenha ocorrido com uma grande colaboração dele -, mas sempre foi tido como uma figura extremamente cordial e gentil, com uma imaginação grandiosa e um talento nato para as artes.
Foi depois de um tempo trabalhando como comissário de bordo e em outras funções em empresas aéreas que decidiu se dedicar às artes e à música, abraçando o rock ainda no início dos 60 – o personagem artista Serguei quase que ao mesmo tempo em que o rock começava a ganhar terreno no Brasil.
"O Divino do Rock – O Anjo Maldito do Rock Brasileiro", dirigido e produzido por Marcio Baraldi, tem o grande mérito de equilibrar mitologia e realidade na vida do cantor. Explora de forma competente as boas histórias que o cercam, mas tem sensibilidade para mostrar o ser humano despido do personagem.
Com sensibilidade e reverência (até demais, mas está dentro do conceito da obra), o diretor não inventa, e traça um painel bem completo sobre a carreira do carioca Sergio Augusto Bustamante.
Serguei decidiu ser um cidadão do mundo já nos anos 50. Largou tudo e decidiu morar, pela segunda vez, nos Estados Unidos, onde conheceu o rock direto na fonte, em seu início.
Pioneiro da aviação comercial, por assim dizer, trabalhou como comissário de bordo e rodou o mundo com a vantagem ser charmoso e carismático – garante ter dançado com a diva italiana do cinema Gina Lollobrigida, namorado Janis Joplin e de ter ganho a parada na bebedeira com Jimi Hendrix e Jim Morrison.
Respeitado músico nos anos 60 e 70 no Brasil, acabou sendo tragado pela roda viva da vida, e lentamente foi submergindo no underground cultural brasileiro, soterrado pela própria biografia espalhafatosa e pela descrença generalizada de um meio cultural conservador e despreparado para lidar com uma figura excêntrica e elétrica.
Nem mesmo a sua apresentação no Rock in Rio em 1991 conseguiu livrá-lo da pecha de mera curiosidade e de lenda embolorada e pouco crível, infelizmente. Apesar da exposição, foi tratado injustamente como uma mera excrescência do show biz e uma figura decadente, quase como uma chacrete roqueira no Brasil.
O filme de Marcio Baraldi, ainda que tardiamente, coloca a história nos trilhos e reverencia a trajetória de um artista inquieto e talentoso, provavelmente avançado demais para um país periférico, onde importantes figuras da cena cultural tiveram a coragem – e a burrice – de fazer uma passeata contra a guitarra elétrica, e isso em 1966, para regozijo do regime militar que empesteava o Brasil.
Serguei foi um sobrevivente do rock e certamente um dia achou que poderia se ombrear ao imortal Keith Richards, dos Rolling Stones. Afinal, era bem mais velho que o stone e ainda podia se orgulhar de façanhas na vida quando o guitarrista nem mesmo tinha aprendido a dedilhar seus instrumentos. Não é pouca coisa. Serguei se tornou uma das figuras mais emblemáticas do rock nacional.
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