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Morrissey se diverte ao flertar com a irresponsabilidade

Combate Rock

25/05/2019 12h22

Marcelo Moreira

Morrissey (FOTO: DIVULGAÇÃO)

O que deve prevalecer? A importância da obra ou comportamento do artista? A eventuais "pisadas na bola" de um ídolo mancham uma carreira de sucesso?

Não dá para cravar que isso é algo que deva ser levado em conta, mas o mundo não é mais o mesmo. Enquanto Morrissey lança novo álbum, uma loja de discos virtual e físicos decide banir os produtos do cantor de Manchester porque ele apareceu em público com broches de partidos dfe extrema direita.

Não se trata de uma loja qualquer: é a mais antiga em atividade no mundo, a Spillers, que funciona desde 1894 em Cardiff, no País de Gales.

Ex-vocalista da banda The Smiths, virou ícone clt (e não tão cult) assim dos fanáticos por som dos anos 80. Asreldsim como sempre foi discreto em relação à vida sexual (ora se diz assexuado, ora assume ser homossexual), Morrissey sempre foi reservado em relação a suas posições políticas.

Justamente por isso é causou surpresa o seu apoio à extrema direita – venera a líder Anne Marie Waters, fundadora do partido For Britain.

Outrora entusiasta dos direitos humanos e um artista identificado com pautas identitárias, mesmo que não queira, o fato é que o ex-vocalista dos Smiths chocou ao manifestar suas preferências políticas.

Um dno de loja tem todo o direito de escolher o que quer e o que não quer vender, assim como todo artista tenm todo o direito de manifestar suas posições políticas, estando sujeito às críticas e ataques.

Morrissey, deste modo, se junta a Roger Waters, ex-baixista e vocalista do Pink Floyd, notório militante de esquerda e crítico contundente da política israelense em relação à questao palestina.

A diferença fndamental é que Waters tem um apreço histórico por governos democráticos e por políticas em defsa dos direitos humanos – por mais que se equivoque em relação ao lamentável governo venezuelano de Nicolás Maduro.

Morrissey, no entanto, envereda por um caminho perigoso aso flertar com políticos hostis aos direitos humanos, que demonizam a imigração e contestam qualquer ação governamental em prol da população mais carente.

Defender políticas xenofóbicas e que restringem a assistência social aos maios pobres são situações suficientes para que um artista importante sofra um boicote artístico e comercial?

Em situações normais, não. Roger Waters, à esquerda, e o guitarrista Ted Nugent, à direira, são cansativamente críticados por suas posturas pessoais em relação a várias questões políticas, mas suas obras têm qualidade suficiente para superar os questionamentos político-partidários, assim como Morrissey.

Entretanto, o cantor de Manchester mancha sua biografia quando subscreve atitudes que depõe contyra a própria obra e contra a própria democracia.

Em tempos polarizados e de  constantes ataques às opiniões pessoais e aos direitos humanos fundamentais – entre as quais a democracias -, não bastam as garantias pessoais expressas pelos direitos constitucionais.

É preciso uma demonstração clara e inequívoca de apreço pelas posturas que garantam a possibilidade de todos dizerem o que pensam.

E quando artistas importantes como Morrissewy manifestam simpatia por movimentos que, em sua gênese, renegam o direito do adversário de expressar, bem como a negação de direitos básicos do ser humano, é sinal de que algo muito errado interferiu na vida de tal cidadão.

E estaos vivendo isso no Brasil, quando artistas outrora relevantes, como Lobão e Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, endossam políticas misóginas, restritivas, preconceituosas, racistas e que disseminam o ódio, tudo isso associado ao governo federal atual e seus apoiadores.

O avanço das medidas que destroçam os direitos humanos, a educação, as artes, a cultura e o meio ambiente é suficiente para depredar o legado artístico de pessoas que um dia fizeram coisas relevantes na área do entretenimento e nas artes?

Não deveria ser dessa forma, mas diante do quadro desesperador de depredação da civilização que observarmos, no Brasil e na Europa, não há como evitar que tal coisa manche carreiras importantes.

Se Roger Waters é um democrata, mesmo com sua militância relevante em prol dos palestinos e equivocada no tocante à Venezuela, infelizmente não é possível dizer o mesmo quanto  Morrissey e aos acólitos da direita hidrófoba brasileira, como Lobão e Roger.

O boicote da loja de discos de Cardiff é legítimo e defensável, assim como a postura política até certo po to extrema de um artista importante da música pop – e que cada um assuma as consequências de suas posições.

Só que, quando a democracia é o alvo, submetida a infames ataques por gente que é incapaz de debater por falta de argumentos ou mesmo por indigências intelectual, não dá para ser condescendente.

Morrissey surpreende e choca porque escolheu uma opção ruim entre as piores opções possíveis A extrema direita inglesa aposta na xenofobia e no  medo para avançar em uma sociedade que aos poucos perde a humanidade e os traços de tolerância que sempre demonstrou.

E os políticos do Partido Conservador ajudaram a fomentar esse estado crítico de intolerância ao cercar, pressionar e intimidar as comunidades muçulmanas no Reino Unido em nome do combate ao terror.

Ao buscar apoio para corroborar esse tipo de política inócua e ineficaz, o governo e os serviços de segurança jogam por terra a sua credibilidade, incentivam o ódio e aumentam o poder de atração dos fundamentalists religiosos, ao mesmo tempo em que estimulam o reaparecimento dos intolerantes de inspiração fascista.

O duro é ver um artista com fama de intelectual e sensível, hábil em compor letras e músicas que encantaram gerações, embarcar nessa canoa furada e perigosa, divulgando e propagandeando ideologias extremistas vomitadas por partidos de extrema direita.

Aos 60 anos de idade recém-completados, Morrissey possivelmente está adotando a postura típica de "na minha idade já posso dizer o que penso sem me preocupar com as consequências e sem precisar dar satisfações a quem quer que seja."

Ok, faz parte, e também é legítimo não ligar para a repercussão de usar broches e símbolos do extremismo em programas de TV – e, com isso, incinerar parte de sua reputação de gênio da música pop. Lobão fez isso por aqui.

Morrissey parece se divertir com o terremoto que causou, e não parece preocupado com o fato de que é um caminho sem volta, sem falar que terá de suportar as reações pesadas – no momento, vão do desencantamento ao escárnio.

"California Son", seu mais recente álbum, recém-lançado, é uma coleção de covers (versões de músicas de outros artistas) pouco inspirada, embora contenha momentos interessantes e fagulhas da alta qualidade que demonstrou na banda The Smihs e no começo de sua carreira solo, há quase 30 anos.

Ao emprestar a sua face para uma causa que comporta extremismo político e pouco apreço aos direitos humanos, Morrissey ganha a repulsa de parte da comunidade artística que ainda valoriza posturas contundentes e firmes, mas que não sirvam de instrumento de intolerância e de erosão da democracia.

Não faça o que eu digo e nem o que eu faço, mas escute as minhas músicas legais. Uns não terão estômago para revisitar obras de Morrissey, Lobão, Ultraje a Rigor, Roger Waers, Pink Floyd e Ted Nugent, para não falar do Pantera. Faz parte.

O limite entre a obra de qualidade de um artista e suas posturas extramusicais é variável, assim como a tolerância. É uma questão essencialmente individual. O chato é que artistas e fãs terão de conviver com essa mancha – ou dilema, se preferirem.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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