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Ramones, 45 anos: simplicidade e urgência que mudaram o rock

Combate Rock

29/04/2019 06h39

Marcelo Moreira

Uma banda que só existia no palco. Como isso foi possível por 22 anos? Os Ramones desafiaram qualquer lógica na música contemporânea. Sujos, mas nem tão malvados, e rudimentares ao extremo, conseguiram se tornar uma marca fortíssima dentro do rock que poucas bandas alcançaram.

Há 45 anos o quarteto subia aos palcos pela primeira vez para iniciar uma revolução que ainda hoje gera controvérsias, mas que precisa ser entendida e estudada cada vez mais. eles eram punks, eram ferozes, mas também deliciosamente juvenis e ingênuos a ponto de corroer as entranhas do "decadente" mundo pop dos anos 70.

Dois anos depois entraram no estúdio para usar poucas horas, gastando meros US$ 6 mil, para inaugurar, em termos fonográficos, o movimento punk e revolucionar a história da música.

Seu primeiro LP, "Ramones", foi gravado em fevereiro de 1976 e lançado dois meses depois. Tinha 14 músicas rápidas e curtas — a duração do álbum é de pouco mais de 29 minutos.

Ramones não é só sinônimo de um estilo, o punk norte-americano, mas também a marca de um estilo de vida – retrô, conservador, saudosista, mas ao mesmo tempo visceral e intenso, com uma urgência que os próprios músicos demonstraram em vida.

Foram 22 anos de pauleira e som, de primeira, o tempo necessário para causar e ir embora – os três principais integrantes, Joey Ramone, Johnny Ramone e Dee Dee Ramone morreram jovens, ao redor dos 50 anos de idade.

Os improváveis Ramones subverteram a ordem natural das coisas: não era necessário ser um virtuose ancorado por um produtor de nome e dinheiro farto para agradar uma parcela do público cansada de plasticidade e artificialismo que começava a dominar o pop rock da época, em 1974, ano em que o quarteto tomou forma.

TheRamones

 

Foi preciso que um grupo com quatro moleques quase iletrados e que mal sabiam tocar aparecesse para combater a megalomania de mercado em vias de explodir.

"O grupo só funcionava no palco. Ali havia respeito total entre os integrantes e a música falava mais alto. Fora dele era outra coisa", escreveu Johnny Ramone em sua autobiografia, "Commando".

Típica banda que cresceu naturalmente do nada, ainda assim as relações internas entre os músicos eram frias e até mesmo distantes. Ao contrário de quase todas onde os integrantes se juntam muito novos, não havia companheirismo, apenas a vontade de ser escutado e de ter as músicas executadas no rádio. Mal sabiam que mudariam a história da música.

As personalidades não só não combinavam como colidiam. Johnny era arisco, mandão e centralizador, como Malcolm Young no AC/DC. Era o chefe e quem conduzia a banda com mão de ferro, mantendo-a unida, ainda que de forma frágil.

Não bastasse isso, era conservador política e socialmente até a medula óssea, uma curiosidade no meio do rock.  Joey era introspectivo, libertário, romântico e sonhador. Dee Dee era o espírito livre e rebelde. Tommy, o baterista, detalhista e observador, apenas tentava amparar as placas tectônicas em movimento.

Na verdade, as coisas deixaram de andar bem fora dos palcos de vez ao final da década de 70, quando a liderança de Johnny começou a ser contestada por Joey e Dee Dee – os mais prolíficos compositores – na questão dos direitos autorais.

A briga foi feia, até que Joey conseguiu o que queria: as músicas, antes creditadas a todos os integrantes, independente de quem fosse o autor, agora teriam crédito individualizado, ou seja, o quem compôs assinaria com seu nome, e sozinho, se fosse o caso. O guitarrista Johnny defendia o crédito único para evitar diferença de remuneração acentuada entre os integrantes.

Um fosso se abriu entre os membros da banda, que cresceu ainda mais no começo dos anos 80, quando Johnny assediou a namorada de Joey por um ano, até que conseguiu que ficassem juntos – Linda, a moça em questão, ficou ao lado do guitarrista até a morte deste, em 2004.

Inconsolável e irado com a "traição", Joey nunca mais conversou com o companheiro de banda, além de ter ameaçado abandonar o grupo. Não o fez, inexplicavelmente, mas passou os anos seguintes destilando seu ódio e sua aspereza contra os dois em diversas composições assinadas  por ele.

A fama crescia, a influência sobre o mundo também, mas as vendas nunca passaram de apenas razoáveis. Os Ramones eram mais idolatrados e reverenciados do que consumidos. Eram mais invejados e incensados do que valorizados pelo mercado.

Foram as diversas tentativas de tornar a música mais acessível, e uma sequência grande de produtores de vários perfis tentou capturar a essência do quarteto e levá-la para as massas.

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Para a nossa sorte, seja com uma parede de arranjos imposta pelo produtor Phil Spector ou a minimalista e crua produção de Tommy Ramone, o som nunca fugiu da aspereza e a urgência punk que sempre os caracterizou. Até mesmo músicas descaradamente pop, como uma versão para clássico "Needles & Pins", não tinham como escapar da marca ramone.

O fim da banda, em 1996, lembrou ao mercado que ainda existia espaço para a simplicidade com criatividade, ao contrário do grunge, de cinco anos antes, uma mera chupação do punk rock setentista britânico e do ambiente garageiro da mesma década.

A saída de cena dos Ramones deixou um buraco grande em um rock que mais uma vez se acomodava na pasteurização artificial de artistas com pouco ou nada a dizer.

Os Ramones foram mais do que necessários para nos lembrar que a música simples é a base de tudo, e que a busca pela emoção pode muito bem ser alcançada com meros três acordes.

Ok, Steve Howe, guitarrista do Yes, é zilhões de vezes melhor que todos os Ramones juntos, assim como os tecladistas Rick Wakeman (Yes) e Keith Emerson (Emerson, Lake and Palmer), ou mesmo o guitarrista Robert Fripp (King Crimson).

No entanto, a magia da simplicidade (ou tosqueira, como queiram) ramone era contagiante porque era sincera e instintiva. Poucos foram os artistas que conseguiram tal coisa, com tanta competência, na história da humanidade.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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