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Catalau faz 60 anos e a morte de Hélcio, 5: celebremos o Golpe de Estado

Combate Rock

15/04/2019 07h00

Marcelo Moreira

Álbum "Nem Polícia, Nem Bandido", do Golpe de Estado, lançado em 1989. 

Até que o evento tinha bastante gente, mas deveria ter bem mais. Era um bar chamado Asgard, em Santo André, no ABC Paulista, alguns meses antes da morte do guitarrista Hélcio Aguirra.

E eis que o Golpe de Estado, ainda com o ótimo Dino Linardi nos vocais, garantiu a festa de rock desfilando uma série de hits para uma galera atenta. Quem conhecia o guitarrista sabia que ele tinha retomado a alegria de tocar e fazer shows com a aquela formação e com o álbum "Direto do Fronte".

Ao final do show, ele passa por mim e sorri satisfeito: "Foi bom, não foi?". Aceno positivamente e emendo: "Agora é o Rock in Rio, né?" "Um passo de cada vez!", e caiu na gargalhada.

Não deu tempo para chegar ao Rock in Rio. Há cinco anos o mestre do hard rock brasileiro morria em São Paulo, dormindo, em consequência de um ataque cardíaco, aos 56 anos.

Justamente neste mês de abril outro nome importante do Golpe celebra aniversário. André "Catalau" Marechal, o primeiro vocalista – e que merece o clichê de artista "icônico" da banda – completa 60 anos de idade.

Sossegado morando na praia de Boiçucanga, no litoral norte de São Paulo, o ex-vocalista segue a vida como pastor evangélico na Igreja Bola de Neve.

Após mais de duas décadas longe do show business, pastor André aceitou o convite do ex-companheiro Nelson Brito, que único membro original do Golpe de Estado, para fazer um único show em comemoração aos 30 anos de criação da banda. Deu tão certo que o show único em 2016 se transformou em uma miniturnê, que rendeu um CD duplo ao vivo e um DVD.

Catalau, ex-vocalista do Golpe de Estado FOTO: DIVULGAÇÃO)

"Minha vida é outra, agora sigo outra jornada, mas não poderia deixar passar essa oportunidade e revisitar um passado que não renego e que me dá orgulho em alguns aspectos", afirmou Catalau em entrevista ao Combate Rock à época.

"Mas isso tinha de ocorrer justamente quando o Hélcio não está mais aqui?" Após um silêncio rápido, Catalau emendou: "Aconteceu quando tinha de rolar. Se tivessem me chamando antes, certamente eu toparia fazer alguns shows."

No final de 2018, Catalau visitou o amigo Luiz Calanca, da loja Baratos Afins, na Galeria do Rock. Em rápida conversa, informal, ele comentou que curtiu bastante o período em que voltou a tocar, mesmo que parcialmente com  o Golpe de Estado.

"Nunca desgostei do rock. Quando dou aulas de música na igreja tenho de ser coerente para ensinar direito, e a música sempre é boa. Ainda tem gente que diz não entender a mudança na minha vida. Aquilo tinha de acontecer e foi o melhor para mim", afirma o agora pastor evangélico.

O Golpe de Estado fez parte da vida musical de toda uma geração que se acostumou a curtir e rock nos anos 80 e se tornou cult, assim como Inocentes, Banda Taffo e cólera, por exemplo, por ficar à margem do chamado rock nacional que mostrava sinais de saturação por volta de 1989.

Era um quarteto que fazia hard rock de qualidade, com letras diferentes e fora do comum e um som pesado, com guitarras estridentes e bem tocadas e uma bateria poderosa (pena que Paulo Zinner não topou tocar no show de 30 anos).

Nos vocais, Catalau mostrava que era possível fugir dos estereótipos que dominavam o mercado à época; era irreverente e rebelde como Cazuza, mas fugia do messianismo de Renato Russo. Era tão perigoso quando o ex-cantor do Barão Vermelho, mas evitava a polêmica estéril e procurava curtir o palco, coisa que Cazuza pareceu não ter mais prazer na parte final de sua carreira.

Existem muito mais semelhanças e coincidências entre Catalau e Cazuza, seja na intensidade no palco, no talento para escrever boas letras e ter sacadas e também no mergulho profundo nos excessos da fama e do show business. Cazuza morreu bem antes, e o vocal do Golpe precisou de mais alguns anos para se amarrar no inferno e finalmente se livrar dele.

Hélcio Aguirra, guitarrista do Golpe de Estado (FOTO: DIVULGAÇÃO

Se a religião foi importante para que o hoje pastor André esteja aqui para celebrar os seus 60 anos, os 30 do Golpe e homenagear Hélcio Aguirra no quinto aniversário da morte deste, então saudemos a decisão do cantor.

Sobre o guitarrista, não há na mais do que dizer. Um dos nomes fortes da guitarra brasileira, expandiu fronteiras na primeira metade dos anos 80, principalmente tocando no Harppia, e tomou a célebre – e arriscada – decisão de fazer rock pesado em português mas com muito suingue e groove – curiosamente, na mesma época em que outro ás da guitarra, André Christóvam, abandonava o rock para mergulhar no blues.

Muita gente acha que Hélcio era um visionário, no sentido de sonhador. Um grande equívoco. Ele sempre soube o estava fazendo e sempre teve muito claro o objetivo como músico.

O Golpe não estourou como os Paralamas do Sucesso, os Titãs, o Ira!, o Barão Vermelho ou Lobão, mas estabeleceu um nome e um padrão tão fortes dentro do rock nacional que se tornou referência mesmo nos períodos de baixa e dos longos hiatos sem shows ou gravações.

Os cinco anos da morte do guitarrista e o aniversário de 60 anos de Catalau servem para nos lembrar (como se fosse necessário) de uma banda que foi uma das responsáveis por colocar o rock em altos patamares no Brasil e por sacramentar que dava para fazer rock pesado em português dentro de um mercado que apenas e tão somente valorizava números e patotas.

O Golpe de Estado foi a trilha sonora cativante e necessária em tempo em que a guitarra estava na defensiva dentro do rock que se praticava no Brasil. Não dá para falar que Hélcio resgatou a guitarra, mas certamente dá para cravar que ele foi um dos seus maiores defensores. Só isso já faz dele um gigante no rock nacional.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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