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A era do rock como acessório em eventos e iniciativas do poder público

Combate Rock

27/03/2019 07h00

Marcelo Moreira

Shows gratuitos de rock ou metal perto de casa, ou em locais de fácil acesso, com bandas conhecidas e novatas. Dia de sol, quente, em espaço grande e com bom equipamento de sol. Mas o público prefere ficar em casa.

A seis quilômetros de distância, um evento reunindo quase 20 microcervejarias artesanais e 25 estandes de food truck reúne milhares de pessoas em dois dias do mesmo final de semana, tendo o rock como evento marginal – e reunindo praticamente apenas bandas covers, com o ápice envolvendo uma competente cópia do Queen e cujo preço médio dos sanduíches era R$ 25 e dos copos de cerveja de 500 ml, R$ 15.

As duas situações, na mesma região, demonstram o dilema de quem organiza eventos de rock e tenta sobreviver como músico na região metropolitana de São Paulo, supostamente onde o rock pulsa mais forte no país, seja pela potência econômica, seja pela suposta maior oferta de serviços e shows para o gênero.

O festival "Sons do Fone", que reuniu quatro bandas de metal extremo em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, no domingo (24), contou com boa estrutura, palco bom, espaço para food truck e barracas de merchandising em local central na cidade, com fácil acesso pelo transporte público – bela iniciativa da Secretaria de Cultura da cidade, que voltou a se mexer, do Coletivo Rock ABC, que arcou com a parte mais pesada da organização, e quase tudo deu certo.

O evento era gratuito. E mesmo assim atraiu pouco mais de 500 pessoas, e isso já no último show, do Torture Squad, no começo da noite.

Na vizinha Santo André,m no estacionamento da prefeitura, o Beer's Fest reuniu uma série de microcerverjarias de ótima qualidade e uma variedade muito boa de comida rápida, indo dos hambúrgueres suíços e alemães a pratos mexicanos.

Em dois dias, em 23 e 24 de março, reuniu milhares de pessoas atraídas bela gastronomia boa, mas também por uma trilha sonora roqueira distribuída por dois palcos. Tudo bem, eram atrações que se dedicaram a versões de clássicos do rock – pelo menos era rock, melhor do que nada, certo???????

Torture Squad em São Bernardo: estrutura de qualidade para um público aquém do esperado (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Nem tanto. A organização do evento foi ótima (parabéns B2 Produções), foi algo muito agradável, mas ficou claro que o rock, ali, serviu apenas de aperitivo, ficando quase que à margem do evento – por mais que o Classical Queen tenha se esforçado em agradar e o Old Chevy, banda de rockabilly, tenha animado um punhado de fãs mais dispostos no domingo, 24 de março.

Não tenhamos ilusões quanto aos dois eventos: o rock, especialmente o autoral, está virando um acessório em vários eventos. E aqueles roqueiros que reclama sempre e sempre da falta de bons eventos gratuitos ou baratos para curtir música autoral e bandas boas e diferentes são os primeiros a boicotarem tais eventos.

É inaceitável que um minifestival gratuito de metal em uma cidade que já foi celeiro do rock atraia apenas 500 pessoas em um espaço que suporta 5 mil com facilidade – o Parque da Juventude Città di Marostica, ao lado da prefeitura de São Bernardo. Boa organização, loca privilegiado, de fácil acesso, tempo excelente, dia ensolarado, e mesmo assim teve menos gente do que o esperado, na opinião do Combate Rock.

Ou seja, temos um público roqueiro reclamão, mas ao mesmo tempo preguiçoso, comodista e pouco disposto a apoiar a suposta cena que supostamente quer reivindicar.

Quanto ao evento cervejeiro de Santo André, tudo bem que a música não era o foco, só que eventos semelhantes do passado conseguiram juntar com sucesso a parte gastronômica com a parte artística.

E aqui eu lembro dos grandes eventos beneficentes do "Blues Pela Vida", em Osasco, no outro extremo da Grande São Paulo, com sua organização impecável e conciliando atrações de peso com bebida e comida simples, mas de boa qualidade. Os shows de blues e soul music atraíram muita gente, que foi prestigiar a música.

O público do ABC é diferente? Ainda que seja, mas houve gente audaciosa e corajosa que ousou oferecer algo diferente, como o minifestival de metal em São Bernardo e um espaço rock em Santo André. Entretanto, ao menos desta vez, os interesses se mostraram diversos e a arte se tornou um aspecto marginal.

Algumas pessoas questionaram a qualidade das atrações nos dois eventos específicos e em semelhantes que ocorrem quase todo o final de semana na Grande São Paulo e na capital. E reclamam da divulgação pífia de tais eventos.

A primeira alegação não faz sentido diante da constantes reclamações a respeito da "falta de eventos" gratuitos e baratos para curtir rock por aí. É a mesma gente preguiçosa capaz de gastar R$ 500 para ver Axl Rose gordo e sem voz no Guns N'Roses e incapaz de pagar R$ 10 para ver quatro bandas em um bar da periferia. Ou de se levantar e ver um minifestival gratuito perto de casa.

No caso de São Bernardo, a atração principal era uma das principais bandas de metal extremo do Brasil, o o Torture Squad, que contou com  a abertura de três bandas locais.

Para aqueles que reclama de falta de oportunidade de conhecer novas bandas, então o evento de São Bernardo serviu sob medida para estes queixosos preguiçosos que mal conseguem encontrar música diferente e grupos novos no YouTube.

No caso de Santo André, foi uma opção da organização privilegiar as bandas covers, o que é compreensível, mas lamentável. A música no Beer's Festival chamou pouco a atenção justamente pela opção pelos covers, por certa "informalidade" e pelo foco principal na bebida e na comida.

No entanto, para quem questionou a pífia divulgação do evento de São Bernardo, não há como discordar. Se a organização e a estrutura foram boas, o festival mereceu pouca atenção da própria prefeitura.

A divulgação ficou a cargo praticamente só das bandas, o que, inevitavelmente, afeta a presença de público. Novamente a Secretaria de Cultura de São Bernardo falhou ao não divulgar o festival nos veículos de comunicação locais e da zona sul de São Paulo, da mesma forma como tinha falhado no Fest Blues, em fevereiro.

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Não houve faixas pela cidade, ao contrário do que ocorre em outros eventos de qualidade duvidosa patrocinados ou apoiados pela administração municipal. Ainda assim, o baixo público presente no "Sons do Fone" não se justifica quando se trata de uma cidade onde o rock sempre foi muito  forte desde os anos 70.

Cerca de 500 pessoas em um minifestival gratuito é pouco ( a Guarda Civil Municipal não fez uma estimativa de público, mas não registrou incidentes), por mais que a divulgação tenha sido quase inexistente. O São Bernardo F.C., que está lutando contra o rebaixamento na série A-2 do Campeonato Paulista – uma equipe muito fraca e enervante – leva mais gente ao estádio.

O público roqueiro não está merecendo essa atenção do poder público e o esforço muito grande de organizações e coletivos preocupados em incentivar as artes. É preciso mais disposição e vontade do público para que eventos importantes e legais como o "Sons do Fone" sejam mantidos. As reclamações dos preguiçosos nas redes sociais não surtem efeito.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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