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Blind Faith, 50 anos: o melhor supergrupo que não vingou

Combate Rock

22/03/2019 07h00

Marcelo Moreira

Capa do álbum 'Blind Faith'

"Não me lembro muito bem desse caso. Foi o começo de um período complicado." Eric Clapton desviou do assunto em uma entrevista nos anos 2000 e margeou a questão em sua autobiografia.

A banda Blind Faith, de curtíssima duração em 1969, infelizmente ficou mais conhecida em muitos círculos roqueiros por causa da capa polêmica de seu único álbum – uma pré-adolescente nua da cintura para cima segurando um adorno de capô de um carro antigo, confundido (ou não) com um símblo fálico por alguns.

Lamentavelmente, o fabuloso álbum de um dos maiores supergrupos da história do rock ficou marcado por essa polêmica idiota, e não pela qualidade extraordinária das músicas.

assim como o Cream foi obra de Eric Clapton, o Blind Faith surgiu da necessidade de expansão da musicalidade que o exímio guitarrista inglês queria extravazar.

Purista do blues, Clapton abandonou os Yardbirds aos 19 anos, em 1965, por conta da orientação mais pop que o grupo pretendia imprimir na carreira.

Meses depois, o mago do blues ingês, John Mayall, apadrinhou o moleque presunçoso, mas tímido. Enxergou ali um imenso talento, tanto que, ao gravar um álbum naquele ano, creditou-ou como "John Mayall & The Bluesbreakers featuring Eric Clapton".

Foi uma bênção para a carreira do guitarrista, que chegou a morar meses na casa de Mayall. Só que Clapton não sabia o motivo, mas sofria de uma constante insatisfação musical. Adorava e respeitava Mayall, mas parecia não ser suficiente. Achou os Bluesbreakers limitado.

E foi uma com o ousado, mas bruto e irascível baterista Ginger Baker, ex-Graham Bond Organisation, que veio a luz: fazer rock, jazz, blues e muito mais sem limitações, avançando muitas casa à frente.

E assim nascia o Cream, um trio de rock que fazia blues pesado, improvisações e jam sessions ao vivo. Tudo bem que o grupo só surgiu graças à exigência de que o baixista fosse Jack Bruce, inimigo pessoal de Baker, ex-companheiro na banda de Graham Bond.

Claro que não podia dar certo, mas deu por dois anos, até que o estresse das turnês e as brigas violentas entre Bruce e Baker destruíssem aquele sonho.

A experiência do primeiro "supergrupo" da história do rock – aquele formado por músicos famosos com trajetórias vistosas em outras bandas – tinha sido traumático para Clapton, que imaginava trabalhar com outros tipos de músicos, mais colaborativos e com egos menores. Queria fazer parte de uma banda, e não ser um integrante de destaque.

O Cream acabou em novembro de 1968, e Clapton pretendia dar um tempo, mas as sua constantes saídas para beber à noite com os amigos em Londres não ajudavam.

E foi o beatle Geroge Harrison, amicíssimo, que sugeriu uma vasculhada no cenário blues londrino para observar novos talentos, em especial uma banda que estava meio em crise na época, o Traffic, que tinha um tecladista e vocalista muito jovem, Steve Winwood, autor do megahit do Spencer Davis Group, "Gimme some Lovin"'.

Winwood era um conhecido de Clapton, já tendo participado de algumas jams com o guitarrista pela noite e pelo mundo dos estúdios londrinos.

Clapton soube da crise no Traffic e abordou o moleque Winwood sem cerimônias. Aos 20 nos de idade, Winwood estava maravilhado por ser procurado por um deus da guitarra e a química foi imediata. A guitarra bluesy casou bem com o teclado soul e rhythm & blues, casados com um vocal poderoso, energético e de coloração negra.

O que fazer com essa química? Quem deu o tom foi Ginger Baker, arqui-inimigo de Jack Bruce que gostava do menino Clapton – "my boy", como o chamava, já que era seis anos mais velho.

Ainda mantendo contato com o guitarrista e sem emprego, um dia apareceu do nada no estúdio onde Clapton e Winwood bebiam e tocavam violão. Era o finalzinho de 1968 e o baterista meio que intimou os dois garotos a aceitá-lo. Contra a sua vontade, Eric Clapton estava começando um novo "supergrupo".

No início o entusiasmo foi grande por conta do entrosamento do grupo, mas Clapton, de alguma fora, sabia que não daria certo. Uma voz no interior do cérebro dizia que não era aquilo que ele queria.

Só que as coisas avançaram muito rápido e amigos dos três músicos vazaram notícias de um novo supergrupo estava criado em janeiro de 1969, mesmo que não houvesse nome da banda nem anúncio oficial – Blind Faith (Fé Cega) foi um brincadeira surgida após um jogo de palavras entre Clapton e Winwood.

O grupo, já acrescido do baixista francês radicado na Inglaterra Ric Grech (da banda inglesa Family, que estava dando um tempo, assim como o Traffic), começou a fazer shows intimistas e secretos para alguns amigos, tocando clássicos da época e algumas das composições que estavam sendo elaboradas.

Não demorou para que entrassem no estúdio e começassem a trabalhar em milhares de ideias. O que surgiu daí um extraordinário álbum, autointitulado, que foi lançado agosto em 1969 – sucesso de crítica, nem tanto de público.

Estão lá dois hinos máximos do rock, a balada gospel-blues "Presence of the Lord", de Clapton, provavelmente uma das cinco melhores de sua lavra, e o jazz folk "Can't Find My Way", de Winwood.

As inclinações jazzísticas surgem em outras canções de Winwood, a quebrada e intensa "Sea of Joy" e um folk com inclinações soul, "Hard to Cry Today", sendo a jam session progressiva "Do What You Like", de Ginger Baker, completa o disco.

O impacto foi imenso, especialmente na comunidade blues e jazz da Inglaterra, mas a receptividade ao vivo nos Estados Unidos foi morna, o que desanimou os quatro integrantes.

A turnê foi agendada um pouquinho antes do lançamento do álbum, o que obrigou a banda a encher linguiça os shows com canções do Cream, do Traffic e do Spencer Davis Group, para profunda irritação de Claptob, já que o Blind Faith não tinha material próprio suficiente para shows inteiros.

Enquanto isso ocorria na Inglaterra a coisa ia sendo empurrada, mas nos Estados Unidos, onde a exigência parecia ser maior, a coisa desandou. E piorou muito quando a plateia exigia canções do Cream e dos Yardbirds.

Clapton começou a perder o interesse durante a turnê, e foi cobrado por Ginger Baker por isso durante uma discussão em um hotel em Los Angeles. O guitarrista percebeu que estava vivendo tudo aquilo de novo – um supergrupo superexposto e com uma cobrança excessiva. Sobraram as drogas e a bebida para afogar as mágoas – e junte-se a isso o fato de estar apaixonado pela modelo Patty Boyd, então mulher do melhor amigo, o beatle George Harrison.,

A turnê não foi um desastre, mas eteve longe de ser um sucesso artístico e de público. Quando o avião decolou de Nova York para Londres, ao final da turnê, Eric Clapton, meio bêbado, afirmou, em uma reunião informal com os integrantes da banda, na parte de trás do avião, que "tinha a intenção de sair do grupo".

A declaração foi recebida por todos como um alívio, sem consternação. O álbum tinha apenas dois meses nas lojas e vendas consideradas razoáveis quando um comunicado oficial informou que o Blind Faith não existia mais,. em outubro de 1969.

Steve Winwood rapidinho voltou para o Traffic, se acertando com o guitarrista Dave Mason, o baterista Jim Capaldi e o flautista Chris Wood. Grech tomou coragem e voltou para o Family, enquanto Baker demorou alguns meses para criar o Ginger Baker's Air Force, nome importante do rock progressivo dos aos 70.

 

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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