Fest Blues São Bernardo: boa qualidade, mas sem músicas autorais
Marcelo Moreira
A ideia foi boa. A execução, também. Pena que o povo do ABC não prestigiou como deveria o 1º Fest Blues de São Bernardo, grande atração gratuita ocorrida no último domingo, no Parque Salvador Arena, em São Bernardo.
O pequeno anfiteatro aberto, no fundo parque, recebeu um público flutuante de pouco mais de 500 pessoas ao longo de seis horas de música.
Foram cinco atrações com bandas de artistas da região, com destaque para o guitarrista Igor Prado, que esteve acompanhada da banda Just Groove e da cantora Jennifer Rocha, ex-participante do The Voice Brasil, da TV Globo.
O festival de blues é uma boa novidade e um sopro de vida cultural em São Bernardo, algo que estava desaparecida havia bastante tempo. Dos antigos e bacanas festivais gratuitos musicais nos parques da cidade, praticamente nada restou desde 2017.
E, por ser um evento surpreendente na cidade, podemos supor que tenha sido o motivo do público abaixo do esperado, algo notado por alguns dos músicos que se apresentaram.
Embora felizes por terem participado do evento – todos estavam radian tes ao final de suas apresentações -, não passou despercebido para eles e para boa parte dos espectadores que a divulgação do evento por parte dos organizadores, a Secretaria de Cultura da cidade, deixou muito a desejar.
"Se não fossem os próprios músicos, ninguém saberia que teria um evento tão bacana, e de graça, na cidade. Não houve qualquer divulgação, não havia cartazes pela cidade, ninguém, achou menção no site da prefeitura, nem nos guias de cultura. Até a imprensa regional deu pouco destaque. Uma pena", lamentou um guitarrista de uma das bandas, que pediu para não ser identificado.
"Só fiquei sabendo porque um vizinho meu toca em um barzinho em São Paulo e é amigo das bandas. Moro a metros do parque e não fiquei sabendo, uma coisa bem chata e que precisa melhorar", disse a enfermeira Neusa Farias, que estava acompanha de sobrinhos e do namorado.
Foi uma tarde bem gostosa, com temperatura agradável e música de qualidade. A produção do espetáculo, bem simples, fez o que pôde e ofereceu uma infraestrutura bem razoável, com pouquíssimos problemas de som. Ficou claro que o evento deu certo e que precisa ser repetido mais e mais vezes, de preferência também com o jazz e o rock.
A Prefeitura de São Bernardo, em nota, informou que fez a divulgação do evento em seu site oficial e em suas contas nas redes sociais.
"A Secretaria de Cultura fez divulgação do 1º Fest Blues por meio de seus canais de comunicação digitais, tais como Whatsapp, Facebook, site da Prefeitura e Guia da Cidade, ou seja, a mesma conduta adotada para demais eventos da Pasta. A divulgação impressa é feita pela produção dos realizadores dos eventos, sendo responsáveis pelos custos gráficos", diz a nota burocrática e pouco esclarecedora.
O texto enviado ao Combate Rock ressalta ainda que "mais de 500 pessoas estiveram presentes ao espetáculo". A estimativa é citada como algo positivo, ainda que o evento, gratuito, tenha durado seis horas. Público flutuante de 500 pessoas em um domingo à tarde para um festival gratuito de música é comemorado pela administração municipal?
Um ajuste necessário, no entanto, é a questão da escalação dos artistas. nada contra os artistas que se apresentaram, que foram muito bem.
Seja como for, o saldo pode ser considerado positivo, mesmo com um público considerado abaixo do esperado, como se pode notar nos vários espaços vazios na arquibancada de cimento.
Uma questão a ser observada é que o evento teve cara de "apresentação" do gênero a um público supostamente pouco esclarecido a respeito do blues, o que esteve longe da verdade.
Por que ressalto isso? Porque nenhum dos artistas/bandas apresentou material autoral, ou seja, não passaram de bandas covers de blues. Cinco atrações e ninguém privilegiou material próprio. E dá-lhe uma torrente de clássicos de Muddy Waters, Buddy Guy, B.B. King, Blind Willie Johnson, Robert Johnson…
A coisa incomodou sim, por mais que clássicos sejam clássicos. Três das bandas tocaram "Hoochie Coochie Man", que teve versões de milhões de artistas, entre eles Muddy Waters. Três das atrações atacaram com "Every Day I Have the Blues", maravilhosa canção imortalizada por Eric Clapton, Muddy Waters, T Bone Walker e B.B. King.
O multi-instrumentista Vasco Faé, tocando sozinho, fez o segundo show mais empolgante do festival, mas optou por um repertório seguro, com versões blueseiras de rocks como "Rock'n'Roll" (Led Zeppelin) e "Gimme Some Lovin"' (Spencer Davis Group/Steve Winwood), além de um medley que incluiu uma curiosa versão de "Trem das Onze", de Adoniran Barbosa.
Faé é um dos músicos mais criativos do blues nacional e já lançou três CDs, sendo considerado um talentoso compositor.
O ponto alto da festa foi o encerramento, com Igor Prado & Just Groove. Prado, natural da cidade, é um dos guitarristas brasileiros com mais prestígio internacional na atualidade, ao lado de craques como Nuno Mindelis, Celso Salim e Artur Menezes.
Com sólida carreira nos Estados Unidos com a Igor Prado Band, formada por brasileiros, ele concorreu com o CD "Way Down South" ao "Grammy" do blues em 2016.
Neste projeto paralelo, Prado mergulha de cabeça no rhythm & blues e na soul music e colocou o local abaixo, fazendo o público que ainda restava dançar bastante – um guitarrista branquelo canhoto com sangue negro e um swing inacreditável e assombroso até mesmo para norte-americanos.
Com a ajuda da cantora Jennifer Rocha na parte final de sua apresentação, Prado fez um show maravilhoso, estupendo e com muito carisma. Por ser um projeto paralelo, ainda não tem um trabalho autoral consistente – por isso teve de recorrer a clássicos dos Estados Unidos, de Memphis a New Orleans e Chicago.
A banda Dr. Blues, que abriu o evento, optou por um blues elétrico tradicional e contou com a luxuosa presença de Ivan Marcio, um dos melhores gaitistas do continente e que é da vizinha Santo André. Agradou bastante com seu repertório baseado no blues de Chicago.
Já o Blues de Dois, quarteto de São Bernardo, fez um blues rock dançante e virtuoso, com destaque para o guitarrista Tarciso Galli e a participação da ótima cantora Karina Hambra, que mandou uma versão instigante de "Hoochie Coochie Man".
O blues rock também era a especialidade da Blue Light Blues Band, que fez um show consistente e privilegiou um repertório mais contemporâneo, com músicas dos irmãos Jimmie e Stevie Ray Vaughan, por exemplo.
Para coroar o evento, homenagens de Igor Prado e Vasco Faé a Chico Blues, que mora das imediações do parque e esteve presente durante todo o evento. Chico é dono da Chico Blues Records, gravadora especializada em lançar discos de blues e é um dos maiores conhecedores do gênero no Brasil, além de ser produtor musical.
Ficou claro que o evento é primordial e necessário para o calendário cultural de São Bernardo. Precisa de muito mais divulgação e privilegiar, ao menos em parte, a música autoral.
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