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Raphael Wressnig, o blues que veio da Áustria - parte 2

Combate Rock

10/02/2019 12h32

Eugênio Martins Júnior – do blog Mannish Blog

FOTO: REPRODUÇÃO

EM – Percebi que nos teus discos há sempre convidados que são mais do que participantes, eles têm espaço de verdade. É um método de trabalho? Poderia falar sobre isso?

RW – Muito obrigado. Tomo isso como um elogio. Tenho que dizer que sou muito exigente. Sou uma pessoa que é muito direta. E não quero tocar com músicos e pessoas que não gosto ou valorizo. Se gosto deles, quero que tragam o seu melhor, quero mostrar seu talento e sua alma, a melhor forma de tocar. De certa forma, foi assim que aprendi. Comecei bem tarde, aos 16 anos, mas fui em frente. Acho que já estava em turnê pela Europa aos 18 ou 19. O bluesman Larry Garner tornou-se meu primeiro mentor e comecei a viajar pelo mundo com ele quando tinha 21 ou 22 anos. Larry me ensinou muita merda, desculpe minha linguagem, mas é exatamente assim que eu tenho que dizer, e aprendi tudo. Tenho toneladas de histórias para contar. Acho que essa é a maneira de aprender a tocar blues. Toquei com ótimos músicos ao longo dos anos. Phil Guy, John Mooney, James Armstrong e eu fazíamos parte da banda Women of Chicago Blues que apresentava Deitra Farr, Zora Young e Grana Louise, tocando com Kenny Smith, Felton Crews e Billy Flynn. Essa era uma banda muito pesada e foi ótimo que eles me escolheram para os teclados. Por exemplo, Billy Flynn é um mestre na guitarra e eu saquei tudo. Tocando os shuffles com Kenny Smith pude capturar aquele sentimento. Acho que todo músico sempre pode aprender alguma coisa e tive o prazer de tocar com os grandes. Então, continuo aprendendo. Pensei que trazer grandes artistas convidados para os meus álbuns é uma chance para acrescentar esse conceito à minha música e meu som. Claro que tenho um som e estilo distintos e quero apresentar isso também, mas quero acrescentar o presente, o talento dos artistas que são convidados, trazer o melhor de todos. Isto é de alguma forma um conceito meu. Minha banda é chamada de The Soul Gift Band, eu quero trazer o talento, mostrando os músicos da banda.

EM – Conte a história de Soul Gumbo, um grande disco, gravado totalmente em New Orleans, com músicos de lá.

RW – Sempre amei a música de New Orleans. É uma mistura tão grande de estilos! Lá é sempre groovy e funky. Eu já mencionei Larry Garner de Baton Rouge. Larry nasceu em Nova Orleans e em turnê com ele conheci grandes músicos de New Orleans ao longo dos anos. Estava em turnê na Turquia e na Rússia com Larry e Buckwheat Zydeco – o rei do zydeco, cara, ele era doido, se divertia a noite inteira. Visitei Larry em Baton Rouge e toquei com ele em uma igreja, experiência maravilhosa. Um ano depois, viajei para Memphis para participar de prêmios ligados ao blues e encontrei novamente o baterista Stanton Moore. Stanton é bastante ocupado e é bem sucedido com sua banda Galactic. Então nós acertamos a data. Liguei para todos os músicos e organizei a sessão de gravação.

EM – Como você reuniu aquele time, Tad Robinson, Walter "Wolfman" Washington, que contribuiu com I Want to Know e Larry Garner com Nobody Special? Como foram as sessões?

RW – Eu tinha algumas ideias em mente. Primeiro de tudo queria trazer minhas músicas e apimentá-las com os sabores que eles têm em New Orleans. Sabia que eles poderiam adicionar alguns grooves, algum funk. Também queria capturar a vibe e mostrar alguns dos meus músicos favoritos de lá. Queria ter Walter Wolfman, ele é apenas "o" mestre do rhyhtm n' blues da cena de lá, você vai amar suas grandes canções e seu balanço (funkiness). Conhecia Jon Cleary há pouco tempo, tinhamos o mesmo agente na Europa. Foi meio espontâneo trazer George Porter Jr. Eu não pretendia ter um baixista e até aquela data não tinha gravado com um baixista. Como organista, você pode fazer isso no instrumento. No estúdio, pensamos que poderíamos adicionar baixo em uma ou duas músicas, então ligamos para George.

EM – Fácil assim?

RW – Amo todos os álbuns do Meters e George é um cara tão legal. Todo aquele talento em Nova Orleans, mas eu sabia imediatamente que teria de trazer Alex Schultz comigo. Alex nasceu em Nova York e mais tarde se mudou para Los Angeles e se tornou uma das principais figuras do movimento do West Coast Blues, sendo um veterano das bandas de William Clark e Rod Piazza. Poucas pessoas sabem que a mãe de Alex era originária de New Orleans. Ele gravou em New Orleans algumas vezes com Earl King e para o selo Black Top. Eu sabia que Alex amava a música de New Orleans e ele é um dos guitarristas mais versáteis do mundo, o meu favorito para o que tinha em mente. Estava sentindo falta de outro grande músico, Craig Handy. Craig é um cara de jazz e um dos melhores saxofonistas do mundo. Você pode conhecer Craig do filme de Robert Altman, Kansas City. Ele estava retratando Coleman Hawkins. Há uma batalha tão legal dele com Joshua Redman (que interpreta Lester Young) e James Carter. Conheci Craig através do filho de Joe Zawinul, Eric. Joe Zawinul, outro grande músico da Áustria, por sinal. Eric Zawinul me colocou junto com Craig e o monstro cubano Horacio Hernandez para um show da Red Bull. Continuei colaborando com Craig. Na época em que eu estava prestes a gravar Soul Gumbo ele estava em turnê com Wynton Marsalis. A família Marsalis é uma das principais forças musicais de Nova Orleans. Craig foi inspirado pelos ótimos grooves na second line de grupo de Herlin Riley. Eu e Craig tocamos no second line versões de jazz de Nova Orleans e composições minhas que combinavam jazz e funk de New Orleans.

EM – Como foram as sessões?

RW – Quero contar duas histórias engraçadas sobre as sessões de Soul Gumbo: Antes da sessão, meu amigo e saxofonista Sax Gordon me ligou e disse que seu amigo, o trompetista Eric Bloom havia acabado de se mudar para New Orleans e que eu deveria chamá-lo para a sessão. Eric tocou em dois dos meus álbuns anteriores e ele é um matador, atualmente faz parte das bandas de funk Lettuce e Soulive. Eric estava realmente empolgado e me disse: "Ei, Raph, posso trazer todos os grandes saxofonistas e todos os grandes músicos de brass bands de New Orleans". Eu disse: "Cara, pode ser, mas receio que já tenho o nome. Eric respondeu: "Mas quem você contratou? Tenho certeza que posso te trazer caras melhores". Eu disse, oh bem … você pode tentar! Eu tenho Craig Handy no sax. Eric teve que admitir que não conseguiria encontrar um melhor saxofonista em Nova Orleans, exceto talvez Branford Marsalis, mas ele não está mais em Nova Orleans. Nós dois começamos a rir muito.

EM – Que mais?

RW – Outra grande história foi que Jimmy Carpenter – grande saxofonista de blues – estava esperando na sala de controle enquanto eu ainda estava gravando as faixas com Craig, Alex, Stanton e Eric Bloom. Estive no estúdio por dois dias e gravei 14 faixas com pessoas diferentes para que elas entrassem e saíssem o tempo todo. Então disse adeus a Craig que havia terminado as faixas que eu queria que ele estivesse. Jimmy me perguntou: "Ei Raph, esse é "o" Craig Handy? Eu disse: "Bem, é o único Craig Handy que eu conheço. O único Craig Handy que sopra o sax. Acho que Jimmy estava com muito medo de tocar depois de Craig.

EM – Você é bem relacionado.

RW – Não vou citar todos os nomes com quem já toquei, pois pode parecer que estou querendo me gabar sobre minha música. Observo uma coisa, todos os músicos querem se sentir convidados especiais. Mencionei isso antes: demorei 15 anos para finalmente estar pronto para gravar esse álbum em particular. Queria esperar até ter músicas legais, até que meu jeito de tocar estivesse pronto. Não queria ligar para nenhum dos músicos mencionados, porque eles são famosos ou legais. Todos os convidados que destaquei são músicos que eu posso chamar de amigos ou que tenho fortes relações musicais. Conheci Kirk Fletcher no Soul Gift, já que ele era muito amigo de Alex Schultz há muito tempo e eles adoravam tocar um com o outro e encontrei Kirk na estrada muitas vezes. Então já era hora gravar juntos. Acho que muitos músicos hoje em dia esquecem disso. Eles querem divulgar sua música e querem um pedaço da torta. Tudo bem, mas você não deve esquecer a profundidade da música. Blues e soul são estilos de música que são profundos e leva uma vida inteira para aprendê-los. Isso é o que eu ainda estou fazendo.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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