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Adair Daufembach, o 'Rei Midas' do rock pesado brasileiro

Combate Rock

28/10/2018 06h55

Nelson Souza Lima – especial para o Combate Rock

Adair Daufembach (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Um dos mitos mais conhecidos da Antiguidade Clássica é a do "Rei Midas". De acordo com a lenda Midas recebeu de Baco, o Deus do Vinho, a capacidade de transformar tudo o que tocasse em ouro. Q

uem quiser saber o final dessa saga procura na internet. Apenas usei esse artifício para apresentar o produtor musical Adair Daufembach.

Mal comparando, Daufembach, assim como o Rei Midas, possui o poder de transformar tudo o que toca em ouro. No caso ouro musical. O cara, que reside em Los Angeles, EUA, é um dos mais requisitados produtores musicais do momento tendo trabalhado com gigantes do porte de Tony MacAlpine.

Segundo ele, o produtor musical é aquele que resolve os problemas de uma banda. "Antigamente existia uma divisão clara: produtor, engenheiro de gravação, mixador e masterizador. Obviamente que hoje ainda tem, mas o mercado está muito apropriado e fácil para os profissionais que fazem todas essas coisas do que apenas uma. Eu tenho períodos em que estou apenas mixando, outros em que estou produzindo o grupo em estúdio e outros em que estou apenas masterizando. Ter aprendido a fazer todas as etapas do trabalho me ajuda muito e acho que qualquer pessoa que está entrando no mercado hoje deveria se preocupar em fazer o mesmo", atesta o produtor.

Ainda de acordo com ele o produtor musical não precisa saber tocar todos os instrumentos com que trabalha.

"Não precisa efetivamente tocar, mas sim precisa saber muito sobre todos os instrumentos que são característicos do estilo musical com qual trabalha. Eu, por exemplo, não toco bateria, mas é um dos que mais conheço e vivo me atualizando. Toda vez que converso com amigos bateristas eles vêm me pedir dicas e sempre rola a piada de que não toco bateria e sei muito (rsss), Acho que o produtor também tem que saber tocar algum instrumento de harmonia", diz. Daufembach também já trabalhou com Project46, Hangar e Aquiles Priester.

A seguir, a entrevista completa com Adair Daufembach:

Project46 com a nova formação, com Caio MacBeserra ao centro (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Poderia nos contar como surgiu esse interesse pela produção musical?

Adair Daufembach: Eu acho que o documentário "A Year And A Half In The Life of Metallica" despertou o meu interesse por ser mais produtor do que músico. Eu lembro que gostava muito mais da parte 1 (que falava sobre a gravação) do que da parte 2. Eu assisti esse documentário muitas vezes, eu fui o cara que mais alugou essa fita na locadora (risos).  A paixão pela gravação na prática começou com um sonzinho daqueles de um falante só que dava para gravar em fita e eu adorava me gravar. Depois eu entrei numa banda em Criciúma, Soul Hunter, que eles estavam gravando tudo em casa no computador. Foi nesse momento que eu tive a minha primeira experiência com produção. Eu não mexia ainda em computadores, não sabia nada, mas eu participei da produção dando idéias e obviamente gravando guitarras e vocais, foi surreal, a partir daquele momento tudo o que eu queria era conseguir comprar um computador e ter um lugar para gravar.

Como se tornou o produtor que é hoje em dia?

Adair Daufembach: Eu acho que esse início com a Soul Hunter foi o impulso, depois tudo aconteceu naturalmente. As bandas da região todas conheceram aquele EP e uma outra banda de uns amigos meus a Agony me procurou para gravar umas músicas, daí eu tirei leite de pedra do equipamento que eu tinha (um computador e um microfone yoga) e gravamos um trabalho muito acima da média para época e principalmente para o equipamento usado, todo mundo achava que tinha sido gravado em algum dos estúdios comerciais grandes da região. Ninguém acreditava que aquilo tinha sido gravado na lavanderia da casa da minha mãe (risos). A partir de então eu comecei a gravar praticamente todas as bandas de rock e metal da região, eu lembro que 1 ano depois que eu fiz essa gravação eu já estava com a agenda fechado por tipo 3 ou 4 meses. Era surreal, ainda é (risos).

Quais são os seus principais projetos em sua carreira em sua opinião?

Adair Daufembach: Essa pergunta é terrível de ser respondida porque sempre vai causar tristeza/ciúme em alguns artistas com quem eu trabalhei (risos) e também porque todo mundo com quem trabalhei, sem exagero, foi importante para a minha carreira. O certo como resposta seria colar a minha biografia inteira aqui (risos). Mas vou citar os trabalhos pelos quais as pessoas me conhecem mais então. Os projetos com o Aquiles Priester foram muito foda, ele acreditou em mim quando eu ainda gravava lá na lavanderia da minha mãe (risos). A gente gravou uma video aula que ficou entre as 3 melhores da "Modern Drummer Reader's Poll 2011" e teve vários outros projetos (Hangar, Gustavo Carmo&Aquiles Priester, Tony MacAlpine) de sucesso mundial que eu me orgulho muito. Os discos com o Project46 obviamente também foram incríveis e marcaram a minha trajetória. A gente construiu uma história juntos e que ainda está sendo desenhada. Os três discos causaram um revolução no Underground nacional, a banda se tornou uma referência e muita gente associa o meu nome ao deles, isso é um orgulho pra mim. Os dois discos do Tony MacAlpine que eu mixei e a apresentação dele no EMGtv também foram marcantes. O Tony é uma lenda da guitarra e muito mais do que isso era um dos meus ídolos, então trabalhar com ele foi meio que aquela parada de filme, um dia eu estava tentando tocar as músicas dele e alguns anos depois eu estava trabalhando com ele. Por último eu gostaria de salientar o trabalhar como um todo que eu fiz e venho fazendo com as bandas do Underground: Ponto Nulo no Céu, JohnWayne, Savant Inc., Huaska, Maieuttica, Maestrick, Semblant, Command6 e Trayce entre muitos (muitos mesmo) outros. Um produtor é a sua discografia e eu não seria nada sem o trabalho que eu fiz com absolutamente todas as bandas com quem trabalhei.

Qual o principal papel de um produtor hoje em dia numa produção musical?

Adair Daufembach: Eu acho que o produtor hoje tem que ser aquele cara que "resolve problemas" para um banda. Antigamente existia uma divisão clara: Produtor, Engenheiro de gravação, Mixador e Masterizador. Obviamente que hoje ainda tem, mas o mercado está muito mais apropriado e fácil para os profissionais que fazem todas essas coisas do que apenas uma. Eu tenho períodos em que eu estou apenas mixando, outros em que estou produzindo a banda em estúdio e outros em que estou apenas masterizando, ter aprendido a fazer todas as etapas do trabalho me ajuda muito e acho que qualquer pessoa que está entrando no mercado hoje deveria se preocupar em fazer o mesmo.
Como se adaptar ao mundo digital na produção musical?

Adair Daufembach: A digitalização do áudio facilitou tudo. O que não ajudou muito foi a digitalização das vendas de música (risos). O que eu costumo dizer em termos de áudio (gravação) é que hoje eu tenho muito mais plug ins insubstituíveis do que equipamentos analógicos que não podem ser trocados por nada. Eu amo equipamento analógico, acho que faz muita diferença, mas não gosto de proferir a frase "digital não presta", como alguns produtores falam enquanto usam Pro Tools e gravam em disco rígido. Hoje tudo é 0 e 1. Já em termos das vendas, do mercado em si, definitivamente é preciso achar uma outra forma da coisa acontecer. Não adianta as pessoas virem com o papo do "tem que se atualizar", "tem que se adequar", "quem não se atualizar as plataformas digitais vai morrer" e todo esse mantra que geralmente é proferido por pessoas que não pagam as suas contas com música. Eu não estou dizendo que o serviço de streaming é um formato ruim e muito menos que as pessoas devem voltar a comprar CD. O que eu acho é que ele deve pagar mais e que as pessoas deveriam considerar ele bom quando efetivamente pagar valores significativos aos artistas.

O produtor precisa saber tocar todos os instrumentos ou é um plus?

Adair Daufembach: Acho que o produtor não precisa saber efetivamente "tocar" todos os instrumentos, mas ele sim precisa saber muito sobre todos os instrumentos que são característicos do estilo musical com qual trabalha. Eu por exemplo não toco bateria, mas é uma das coisas que eu mais conheço e vivo me atualizando, toda vez que estou conversando com amigos bateristas eles vem me pedir dicas e sempre rola a piada: "caramba, mas você nem toca bateria e sabe isso tudo!"(risos). Acho que o produtor também tem que saber tocar algum instrumento de harmonia.

Como foi sua evolução neste ramo e como tornou-se referência nacional com comparações a grandes produções internacionais?

Adair Daufembach: Desde a minha primeira gravação eu sempre usei como referencia as melhores gravações do mercado. Eu nunca segui o raciocínio "bem, se eu tenho pouco equipamento e experiência eu vou usar como referência algo que foi gravado nessas circunstâncias". Não, eu sempre comparava o que eu estava fazendo com o que tinha de melhor, mesmo que eu soubesse que era quase impossível chegar naquilo por falta de estrutura. Isso ajudou muito. Acho que a minha dedicação e o amor pelo trabalho também foram fundamentais. Eu não sei explicar isso ao certo, mas pra mim o meu trabalho é como se fosse um chamado, uma missão. Enquanto eu comparava as minhas gravações com as referências gringas e via que não estava próximo eu não parava de tentar novas formas e comprar equipamento. Eu também sempre fui muito exagerado e eu tenho muito foco, não consigo, por exemplo, ser produtor e ter banda ou mesmo ter um passatempo. A única coisa que eu faço na vida é isso, trabalhar com áudio.

Hangar (FOTO:DIVULGAÇÃO/JORGE MALUF)

Dentre as bandas que você trabalhou, o Project46 é um dos maiores destaques. Conte um pouco de seu trabalha com a banda.

Adair Daufembach: A minha história se confunde com a deles, a gente construiu muita coisa juntos e por isso muita gente me conhece por ser "o produtor do Project46" e isso é motivo de orgulho. Existe uma simbiose musical forte entre a gente. Eu enquanto produtor acho a banda absolutamente fora da curva e eles confiam muito na minha palavra, isso com certeza fez com que os 3 discos fossem muito bem sucedidos. Outra coisa é que eles enquanto banda querem sempre o novo e isso é algo que eu acho fundamental para uma banda dar certo. O que a gente já fez está lá e tem o seu lugar, mas o disco que está por vir tem que ser diferente. Foi o que aconteceu por exemplo quando eu falei para eles gravarem em português. No começo eles acharam a ideia muito louca, mas como eles não tem medo de arriscar, fizeram e deu muito certo. Agora no "Tr3s" a ideia era trazer os vocais limpos de volta, como em "Se Quiser" do "Doa a Quem Doer", mas numa quantidade muito maior. Fizemos isso e as músicas prediletas do disco até agora são as que mais tem vocais limpos. Eu acho isso demais, sempre em frente buscando o novo.

Além do Project46, outra banda que você trabalhou bastante é o Hangar. Conte como foi o trabalho com eles e sua relação de amizade e profissionalismo com o baterista Aquiles Priester.

Adair Daufembach: Os trabalhos com o Hangar sempre foram experiências intensas, gratificantes onde aprendi muito. Essa é a banda que trabalha mais sério no metal nacional e o nível de determinação deles é uma coisa surreal. Na gravação do "Infallible", o meu primeiro trabalho com eles, eu não tinha nome nenhum e me escolheram pelo som que eu fazia apenas. Isso não é comum entre bandas maiores, geralmente os caras querem alguém que vá agregar nome ao trabalho. Eu fui co-produtor do disco que foi mixado pelo Tommy Newton na Alemanha. Depois eu ainda mixei o "The Best of 15 Years", o "Live in Brusque" e gravei as baterias do último disco, "Stronger Than Ever". É bastante coisa (risos). A partir dessa relação com o Hangar eu e o Aquiles já trabalhamos muito juntos, em projetos dele ou de terceiros. A gente se mudou para Los Angeles praticamente junto e hoje ele é tipo um irmão para mim, inclusive nas brigas (risos) a gente se fala praticamente todo dia. Hoje a gente já grava quase que no "automático", já fizemos tantas sessões que ele nem precisa me dizer o que eu tenho que fazer e vice-versa. Essa é outra parceria que simplesmente dá muito certo, parece mentira que o primeiro trabalho que a gente fez junto foi em 2008, no video A Tribute to Vinnie Moore, e ainda estamos trabalhando junto, 10 anos é coisa pra caralho. Inclusive o último trabalho provavelmente vai ser o maior de todos, aguardem.

Você tem trabalhos expressivos com músicos de fora como Tony MacAlpine e o atual baterista do Megadeth. Qual a diferença em trabalhar com eles e os músicos daqui?

Adair Daufembach: Cara é um sensação muito especial trabalhar com dois músicos desse gabarito, isso vale mais que qualquer prêmio. O Tony é uma lenda da guitarra, um dos meus guitar heroes e o Dirk é também uma lenda da bateria que só trabalhou com lendas do Áudio lá da Suécia e hoje toca no Megadeth, então isso é um sinal de "você está fazendo certo". Porém eu tento levar a metodologia do trabalho exatamente igual a como eu fazia no Brasil e única diferença seriam a língua mesmo e a pressão natural que um trabalho importante causa.

O músico mais chato? O brasuca ou o gringo?

Adair Daufembach: Nisso a loucura de músico é "universal" (risos) não tem diferença nenhuma. As loucuras que eu vi no meu estúdio no Brasil são as mesmas que eu vejo por aqui.

Qual foi o melhor trabalho realizado e também o pior em sua carreira?

Adair Daufembach: Nossa que pergunta difícil. O trabalho que eu fiz com as bandas de metal do Brasil foi a coisa mais legal que já fiz e o pior trabalho são aqueles que eu gravei eu nunca foram lançados porque a banda acabou antes (risos altos), dá bastante raiva quando isso acontece.

Qual sua opinião sobre o mercado atual da música no Brasil?

Adair Daufembach: Acho que tudo tinha melhorado com um maior interesse das pessoas por música autoral no Brasil, isso eu estou falando entre 2009 e 2013, mas com a crise depois de 2014 realmente é visível que caiu novamente o mercado como um todo. Não dá para a música ir bem quando há crise no País.

Quais novidades você tem para nos revelar? Algum projeto futuro?

Adair Daufembach: Acabei de gravar o novo DVD do Aquiles Priester no Harman Experience Center, que é basicamente a Disneyland do áudio (risos). A Harman é uma empresa da Samsung e eles permitiram que a gente gravasse numa sala com tudo de melhor que existe no mundo em termos de audio e iluminação e que é normalmente usada apenas eles demonstrarem os equipamentos deles. Isso é um trabalho realmente muito grande. Toda a equipe está numa expectativa enorme, porque basicamente não lembro de nenhum DVD de bateria que tenha sido gravado naquelas condições.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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