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Por que a opinião política de artistas ainda incomoda tanto?

Combate Rock

22/10/2018 16h20

Marcelo Moreira

Um dos momentos mais importantes do atual show de Roger Waters, que ainda estáa em turnê pelo Brasil (FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

Letras de músicas do álbum "The Wall", do Pink Floyd, são tolices. Basicamente, é isso que escreveu na edição de 22 de outubro do jornal Folha de S. Paulo o intelectual de butique Luiz Fernando Pondé, filósofo que também se intitula escritor e ensaísta.

Em texto bem ruim, ele esgrime argumentos esquálidos para desqualificar artistas engajados politicamente (majoritariamente de esquerda).

Para ele, deve-se sempre desconfiar de artistas que se manifestam politicamente, pois tudo não passaria de marketing, já que todos ganham dinheiro em mercado "desleal, ultracompetitivo e violento".

Por fim, a sequência de bobagens termina qualificando o verso "We Don't Need No Education", da faixa "Another Brick in the Wall", do Pink Floyd, como coisa de adolescente bobo.

O ativismo artístico e cultural é algo que incomoda bastante certa "intelectualidade". O ranço de viés conservador exala falta de informação, falta de argumentos sólidos e mera birra – ou seria inveja?

Desconsideremos então a desinformação do citado articulista em relação ao conteúdo de "The Wall", algo flagrante no artigo.

Pondé não deve gostar de rock e, provavelmente, nunca se aprofundou o gênero musical e não se interessou em saber do que se trata a obra "The Wall", assim como não deve ter se interessado pela trajetória artística e política de Waters.

O que é aterrador é ver um suposto intelectual, ainda que incensado pelos apreciadores de platitudes de butique (como é o caso deste filósofo), espalhar um preconceito socioartístico e cheio de ranço cultural por conta de uma suposta realidade de mercado usada para desqualificá-los.

Para uma certa elite cultural-artística-intelectual, é um sacrilégio que cantores de rock e de rap ousem se manifestar sobre o assunto do qual deveriam manter distância, já que pregariam exatamente o oposto do que praticariam. Que seria tudo marketing, já que "alguns ganham milhões e não se importam com isso".

Para essa elite cultural-artística-intelectual, cantores deverem cantar, de preferência sobre amor, sofrência e o mar, e deixar a política de lado. Afinal, o que sabe Roger Waters sobre a realidade político-social brasileira?

Sério, meus caros, esse tal de Pondé não teve vergonha de usar esse argumento morto de inanição. O que será que Waters sabe sobre Oriente Médio, questão palestina e Israel para que fique 35 anos militando pela causa árabe?

Artistas ganham milhões pela qualidade de seu trabalho e pelo profissionalismo de suas equipes. Por isso são impedidos de se manifestar politicamente?

O que diria o suposto intelectual autor do artigo a respeito do posicionamento de Lobão? Ou de Regina Duarte? Ou de Roger Rocha Moreira (Ultraje a Rigor)?

Por curiosidade, qual seria a opinião de Pondé a respeito de John Lennon? Seu ativismo também não passaria de marketing? Será que diria o mesmo de Bono, vocalista do U2?

E todo o discurso social e de protesto dos Racionais MC's, do Pavilhão 9, de Emicida, de Criolo? É tudo fake, tudo marketing? Todo o passado pesado dessa galera deve ser ignorado e esquecido?

Condenar a participação de artistas no debate político é uma deliberada tentativa de restringir e direcionar qualquer discussão séria sobre o assunto. Se o raso argumento principal for levado a sério, então nem mesmo políticos podem falar de política, já que fariam marketing de si mesmos.

A recente passagem de Roger Waters pelo Brasil suscitou uma série de bobagens que expuseram a extrema indigência intelectual de uma parcela importante do público de rock, de alguns jornalistas e de vários intelectuais obtusos e míopes.

E tudo isso foi coroado pela declaração de um incompetente ministro da Cultura que afirmou que Waters recebeu "R$ 90 milhões em sua passagem pelo Brasil para fazer política e campanha disfarçada no palco. Isso é caixa 2", afirmou o inacreditável Sérgio Sá Leitão em entrevista ao jornal do Estado de S. Paulo. Quando foi que decidimos mergulhar no fundo do poço?

 

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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