Golpe de Estado e Carro Bomba: a máquina não para e resiste bravamente
Marcelo Moreira
Uma máquina não para e a outra resiste há 30 anos. O rock pesado em português agradece e celebra duas instituições que lançaram recentemente seus trabalhos ao vivo comemorando a sobrevivência em uma época cada vez mais hostil à música autoral.
"Ao Vivo – 30 Anos" é o CD duplo tão esperado lançado pelo Golpe de Estado. Depois de encerrar as atividades com a morte do guitarrista e líder Helcio Aguirra, em 2014, o quarteto voltou à ativa um ano depois com novo vocalista e uma disposição enorme para manter a chama cesa.
Rogério Fernandes, o cantor do Carro Bomba, conta que "encheu o saco" de Nélson Brito, o baixista do Golpe e único dos fundadores a passar por todas as formações, para resgatar a banda.
Deu certo, com Fernandes se dividindo entre as duas bandas e fazendo com que a banda continuasse até que o impensável aconteceu: Catalau, o vocalista original que virou pastor evangélico, aceitou fazer alguns shows especiais para relembrar os velhos tempos.
A ideia deu tão certo que uma extensa turnê nacional foi agendada em 2017 com a presença de Catalau em alguns shows, culminando naquele em que foi gravado, em 2017.
Fernandes já não é mais o cantor – preferiu se dedicar ao Carro Bomba com exclusividade e foi substituído por João Luiz, ex-Patrulha do Espaço. No entanto, foi peça-chave para que o show gravado na Clash Club, em São Paulo,no ano passado, fosse um sucesso.
João Luiz se adapatou muito rápido à nova encarnação do Golpe de Estado e se transformou no fio condutor do espetáculo, que teve como convidados o próprio Rogério Fernandes, Catalau e os guitarristas Luís Carlini e Andreas Kisser (Sepultura).
Foi uma celebração do rock pesado nacional, com um desfile de hits invejável e um astral lá em cima. "Caso Sério", "Noite de Balada", "Nem Polícia, Nem Bandido", "Cobra Criada", "Feira do Rato", "Forçando a Barra", "Olhos de Guerra", "Onde Há Fumaça Há Fogo"…
Em produção impecável, o destaque instrumental é o fantástico timbre de guitarra de Marcello Schevano, outro colaborador que é do Carro Bomba.
Pesado, seco, certeiro, transformou o som da banda e o empurrou para um hard'n'heavy malandro e moderno que certamente orgulharia o mestre Aguirra.
Não é coincidência que o trabalho de guitarras de Schevano também seja o destaque de "Ao Vivo – A Máquina Não Para", o DVD recém-lançado do Carro Bomba, gravado em 2016 no Sesc Belenzinho.
Outra obra que também era muito esperada, registra uma apresentação memorável de 2016, com o quarteto repassando toda a carreira de forma avassaladora.
Aqui o som está mais pesado e mais denso. O Carro Bomba é heavy metal na essência e tem em Rogério Fernandes o cantor perfeito para o estilo que abraçou: rústico, potente e com a voz rascante que é o seu diferencial.
Ele mostra as ferramentas logo em "Máquina", a abertura trovejante do DVD. A guitarra de Schevano oscila entre o peso do Black Sabbath e a agressividade do Pantera, enquanto Fernandes faz às vezes de Brian Johnson (ex-AC-DC) um pouco mais afetado – e isso é muito bom.
A pancadaria continua com "Overdrive Rock'n'Roll" e "Sangue de Barata", com Fernandes abusando do sarcasmo, enquanto que a sequência "Intravenosa", "Carcaça" e "Queimando a Largada" envereda por uma trilha de demolição – tudo fica mais pesado e rápido.
Outros bons momentos são as ótimas "Bala Perdida" e "Fuga", que caem mais para o lado do hard rock, enquanto que a pesada "Pragas Urbanas" e a rápida "Punhos de Aço" servem de bela entrada para aquela que talvez seja a melhor música da banda, "Thrash'n'Roll", o resumo do rock pesado e sem firulas do Carro Bomba.
Os dois trabalhos ao vivo são um alento para um mercado que ainda está vivo, mas respirando por aparelhos. São duas bandas veteranas que mostram o caminho da resistência com qualidade e energia. Ficamos agora à espera do Baranga lançar novo álbum para completar a trinca do rock pesado nacional em alto nível.
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