Folk Brasil: a sensível beleza das canções de Fabiano Negri e Cartoon
Marcelo Moreira
Para um bastou um violão e um timbre inacreditável obtido em um estúdio simples; para os outros, foram necessários anos de maturação e de procura por novos caminhos (nem tão novos assim). Os resultados foram parecidos: coleções de músicas belas e sensíveis perpetradas pelo campineiro Fabiano Negri e pelo quarteto mineiro Cartoon.
Negri é um artista polivalente que trafega em diversos meios. Amante do hard rock setentista, fã de Deep Purple e Black Sabbath, também venera David Bowie e gosta de música negra e dançante.
Esse caldo misturado rendeu três ótimos álbuns nos últimos três anos – "Maybe We Have a Good Time… for the Last Time", de 2014, onde a base é o funk setentista e o rhythm & blues, "Z.3.R.O.", de 2015, que é mais experimental e eletrônico, e "When Nothing Is Right, Anything Is Possible", de 2017, onde o multi-instrumentista e produtor abraça o rock dos anos delirantes da década de 1960.
Agora, com "The Lonely Ones", o folk de inspiração norte-americana é a bola da vez. Negri toca violão intencionalmente como um bardo.
Artista versátil, aqui ele dá mais espaço para a canção e para o conteúdo, deixando a música fluir, escanteando as questões técnicas, digamos assim. O feeling obtido nas gravações é impressionante.
A própria maneira de cantar deste ex-vocalista da banda de rock peado Rei Lagarto o credencia para voos maiores neste segmento musical pouquíssimo explorado no Brasil.
Bem longe da música brasileira de raiz, a anos-luz do sertanejo e flertando com o rock rural de vez em quando, Negri optou por um caminho obscuro e temeroso, um folk inspirado em Bob Dylan, Woody Guthrie e no blueseiro folk Leadbelly, ainda que sua pegada no violão seja mais moderna e melódica.
"The Lonely Ones" resultou em um punhado de canções delicadas e sensíveis, com letras muito acima da média, em inglês, em relação aos artistas que se aventuram pelo segmento.
A bela "All Those Minds" é o maior destaque, com seu timbre poderoso e sua estrutura melódica que remete aos bons momentos de Dylan na virada dos anos 60 para os 70. É melancólica, tristonha, mas tem uma força incomum – gruda na mente.
"Lost Strangers" e "Behind the Sun", uma seguida da outra, explora bem a contradição musical. Negri é habilidoso, gosta de jogar com sentimentos variados, o que é um grande trunfo para um compositor que não hesita em ousar.
A sequência final, com Bad Love Song", "Morning Rain" e "Let There Be Life" formam quase uma suíte, expondo muito sentimento e procurando olhar o cotidiano de outro modo, uma amostra mais refinada e sofisticada da habilidade musical de um artista inquieto e que precisa ser apreciado por um número maior de pessoas.
Os mineiros do Cartoon chegam ao quinto álbum também repaginando o som, deixando um pouquinho o rock de lado e investindo no folk, em um mergulho no universo em que este gênero cruza com a country music e com o folk britânico.
Conhecidos como uma banda que flertou muito tempo com o rock progressivo, o Cartoon vai fundo na exploração dos timbres que esbarram também na música celta. Não é à toa que há uma profusão de belos arranjos de cordas, cortesia do grupo mineiro Rockin' Strings.
Com execução dos temas de forma primorosa, muitas das canções de "V", o m ais recente álbum, imediatamente revelam parentesco com Fairport Convention, Fotheringay e a carreira solo da maravilhosa cantora inglesa Sandy Denny, para não falar do guitarrista inglês Bert Jansch, um dos heróis de Jimmy Page (ex-Led Zeppelin).
"Nosso quinto disco já é um disco que praticamente não tem essa veia do rock progressivo de forma explícita. A gente continua sendo uma banda que trabalha muito os arranjos, que tenta colocar os arranjos da forma mais rica e bonita possível, mas o foco de agora são as canções. As músicas estão mais despidas de excessos, são mais diretas e com arranjos que não necessariamente lembram o rock progressivo. Tem mais cara de folk e com outras influências, muita coisa do rock também", disse o vocalista e baixista Khadhu Capanema ao portal do jornal mineiro "O Tempo".
Um produção viabilizada por uma campanha de financiamento coletivo, "V" testa os limites das influências do quarteto e coloca a banda em um patamar diferente.
É o que observamos, por exemplo, na faixa de abertura, "A Dream of Hope", com um extraordinário trabalho de vocais e cordas. Assim como em outras músicas, há muitos ecos dos Eagles.
"Brother Richard" e "Fanding and Fading" são quase irmãs, com estruturas parecidas e arranjos delicados, lembrando em alguns momentos os primeiros trabalhos de Simon & Garfunkel.
"Sweet, Sweet Dreams" é uma abalada folk por excelência, com os violões em destaque e uma levada celta bem bacana. outra que merece destaque é "Free Your Mind", que exala Yes e Jethro Tull, recuperando um pouco o passado progressivo da banda. É um álbum muito agradável de se ouvir.
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