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O rap que assusta e o 'cinto de balas' que tanto atemoriza a polícia

Combate Rock

03/04/2018 06h42

Marcelo Moreira

As portas do inferno foram abertas e ninguém conseguirá fechá-las. Essa era a cantilena de petistas e esquerdistas em geral às vésperas do impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016.

O aviso, infelizmente, foi premonitório: o retrocesso político, econômico, social, moral e trabalhista foi imenso e intenso, e continua até hoje. seria muita ingenuidade acreditar que o mundo da cultura sairia ileso, assim como o do rock. As trevas vieram com força e muito rápido.

Já expusemos aqui no Combate Rock como músicos de rock estavam sendo afetados pela intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro. Nas comunidades daquela cidade, militares atuam de forma arbitrária e truculenta na abordagem a artistas em geral – músicos e artistas de teatro estão entre as vítimas prediletas.

E o monstro está avançando, sedento por corroer a democracia e impor uma visão de mundo conservadora e medieval, recheada de moralismo podre de viés religioso (sobretudo evangélico), preconceituoso (sobretudo racial), autoritário e discriminatório.

A intervenção militar no Rio e o crescente espaço dado ao inacreditável e abominável Jair Bolsonaro estimulam o monstro e seus filhotes a saírem da imundície onde chafurdam para espalhar seus dejetos e empestear a sociedade.

Na cidade de Maricá (RJ), cinco jovens negros, militantes de várias instituições sociais e integrantes de coletivos de rap do Estado, foram covardemente assassinados após um evento musical. Tinham entre 16 e 20 anos de idade.

A Polícia Civil, no começo das investigações, apressou-se em informar que o crime teria sido praticado por milicianos, "devido às características da execução e pelo calibre das armas (.380)".

A imprensa fluminense especulou sobre informações anônimas dando conta de que os verdadeiros autores seriam policiais militares inconformados com denúncias contra o seu comportamento violento feitas pelas entidades ás quais os garotos estariam vinculados. O delegado que cuida do caso, no entanto, garantiu que não há indícios, por enquanto, de envolvimento de PMs.

Capa de 'Ace of Spades', do Motorhead: o trio fantasiado de bandoleiros, com seus cintos de balas falsas

Já não é o caso de uma situação absurda ocorrida em fevereiro em Salvador durante um festival de black metal/heavy metal extremo em uma casa noturna. Seria muito cômico por conta da burrice e da falta de informação, mas não dá para rir em um momento trágico de nossa realidade política.

Durante o evento, um espectador escorregou e caiu de uma escada, machucando a cabeça. Uma ambulância foi chamada, assistida por um carro da PM.

O que deveria ser um atendimento a uma vítima de acidente tornou-se uma batida policial por suposto "porte de munição pesada, de calibre 7.62". Outras viaturas foram chamadas e dois homens foram levados para um distrito policial.[

O que os PMs se recusaram a entender é que os dois detidos e mais um montão de gente vestiam cinturões de balas com cartuchos VAZIOS, DETONADOS, obtidos legalmente junto aos quartéis da PM e do Exército.

Os cinturões foram confeccionados a mão e a maioria era muito tosca, numa tentativa curiosa de copiar os integrantes do Motorhead, que usavam o adorno em capas de disco.

Nada disso foi suficiente para os impacientes, intolerantes e desinformados policiais, que interromperam o minifestival e quase acabaram com o evento. Muito tempo depois, os detidos foram liberados, mas tiveram de prestar esclarecimentos e não estão livres de um inquérito.

O incidente não revelou só a falta de informação, mas também o prazer sádico das forças da lei para "intervir" em um evento "suspeito" onde havia gente portando "munição pesada". A Polícia Civil da Bahia apenas informou o que constava no boletim de ocorrência: que faz a averiguação de posse de munição proibida.

E o que dizer então dos agentes de fiscalização da Prefeitura de Santos, na Baixada Santista, que agora proíbem a realização de "saraus" e "luaus" na praia sem agendamento?

É o que informa o jornal A Tribuna, de Santos, em sua edição de 31 de março. O texto diz que qualquer evento musical ou performático na orla da praia precisa ser agendado com 45 dias de antecedência, e não pode "fazer barulho", sob pena de multa. Hã?

É isso mesmo: se você e seus amigos descerem do prédio e resolverem sentar na areia da praia José Menino com dois violões e uma gaita, correrão o risco de serem multados por fiscais. A multa se dá após a apreensão dos instrumentos musicais. Para resgatá-los da sanha dos fiscais, é necessário pagar R$ 621 por instrumento.

Então a praia agora está restrita aos banhos de mar e mais nada em Santos. Se duvidar, até mesmo as peladas de final de semana, assim como o vôlei e o futevôlei, estão ameaçados, já que fazem "muito barulho", segundo uma das alegações da Prefeitura de Santos, que recebeu "centenas de queixas por conta da algazarra na praia".

Outra alegação da prefeitura, segundo o jornal, é que a fiscalização contra a venda de bebidas para menores de idade foi intensificada na orla. Ok, mas o que tem a ver diretamente com a música e a sua "regulamentação"?

Ora, se há barulho em excesso nas ruas ou em vias públicas basta chamar a PM, como ocorre nos casos dos bailes funks na periferia. "Criminalizar" os luaus e saraus na praia é uma maneira canhestra de restringir a liberdade de expressão, em uma típica medida autoritária de viés conservador.

Em nota enviada ao jornal A Tribuna, a prefeitura informa ainda que as restrições têm o objetivo de coibir encontros marcados pelas redes sociais que costumam atrair milhares de pessoas. Ou seja, equipara luaus aos rolezinhos que tanto assustam a classe média nos shopping centers.

A cruzada conservadora e autoritária logo chegaria à música e ao rock, e chegou mais cedo do que esperávamos. O ataque ao show de metal em Salvador e a restrição absurda e inacreditável de luaus na praia em Santos são apenas o começo.

Entretanto, o que é bem mais grave: ninguém protestou. Estamos aceitando passivamente esse tipo de lixo cair em nossas cabeças. É um silêncio ensurdecedor – e aterrador.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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