Surdez, a praga que 'une' os líderes do Who

Marcelo Moreira

Roger Daltrey em São Paulo (FOTO: DIVULGAÇÃO/MERCURY CONCERTOS)

Pode uma banda de rock das maiores de todos os tempos ter os seus dois principais integrantes surdos? É o que acontece com a banda The Who, que está sem sua turnê de despedida após 55 anos de sua fundação.

O vocalista Roger Daltrey, que aproveitou um intervalo da turnê do Who para alguns shows solo nesta semana em Las Vegas, surpreendeu a plateia ao comentar, de forma jocosa, que está "surdo, muito surdo".Ouvir música

"Ouvir música muito alto por décadas deu nisso. A sorte é que treinei bastante leitura labial e consigo me virar bastante bem", disse o músico de 74 anos.

É a primeira vez que Daltrey fez alusão aos seus problemas auditivos em público. Pelas boas performances que têm conseguido, inclusive nos dois shows no Brasil em 2017, nada fazia supor sobre a extensão e a gravidade do problema.

Já o guitarrista Pete Townshend, companheiro e principal compositor do Who, contou em diversas entrevistas ainda nos anos 70 sobre os constantes problemas na audição que quase o forçaram a abandonar a carreira.

"No final dos anos 60 e até mais ou menos o lançamento de 'Quadrophenia' [em 1973] eu tinha estúdios caseiros onde fazia as demos. As minhas filhas eram muito pequenas e as paredes não tinham o tratamento acústico necessário. Só me restava usar fones de ouvido para não acordar ninguém, e tudo era muito. Claro que quase fiquei surdo. Aliás, sou um pouco surdo", disse o guitarrista em uma entrevista ao jornalista Chris Charlesworth publicada no final dos anos 70 no New Musical Express. Mais tarde a declaração foi publicada em uma biografia da banda escrita pleo jornalista.

Daltrey conta que um dos motivos do primeiro fim do Who, em dezembro de 1982 (mas só anunciado oficialmente em janeiro de 1984) foi a progressão da surdez de Townshend, além dos abusos frequentes destes no álcool.

O guitarrista deu uma maneirada e pretendia deixar a música, tanto que em 1985 aceitou um emprego de editor de livros na conceituada editora inglesa Barnes & Noble. Mas, antes, pretendia terminar um álbum solo, "White City – A Novel", que gravou com a ajuda do amigo David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd.

Apesar da audição prejudicada, Townshend não aguentou ficar longe dos palcos e acumulou o emprego de editor com uma longa turnê europeia para divulgar o então mais recente álbum, com direito ao convidado David Gilmour na maioria das datas da turnê.

Além de Gilmour, um guitarrista base foi contratado para que Townshend ficasse só nos violões, numa tentativa de amenizar os efeitos do retorno.

Coisa semelhante ocorreu na volta do Who, em 1989, para a turnê que comemorava os 20 anos de lançamento da ópera-rock "Tommy": ficando apenas nos violões, Townshend deixou os solos e bases mais pesadas a cargo de Steve Bolton, que estava na banda de suporte.

E assim o guitarrista do Who foi levando até 1996, quando, em nova turnê mundial do grupo, assumiu a guitarra em boa parte dos shows, embora ainda contasse, em algumas apresentações, com a ajuda de Geoff Whitehorn, conhecido músico de estúdio inglês que trabalhou com meio mundo, além de ser guitarrista da banda solo de Daltrey.

Quanto a este, ao final de uma das apresentações de Las Vegas, brincou novamente com a surdez e a leitura labial, mas afirmou que ainda está longe da aposentadoria. "Pretendo cantar ainda por alguns anos, até que me expulsem do palco."