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Acústico com cara de 'novo', Ira! Folk acerta em cheio no formato mínimo

Combate Rock

24/01/2018 06h27

Marcelo Moreira

Ira! Folk no palco do Sesc Vila Mariana, em São Paulo (FOTO: RICARDO ALFREDO FLÁVIO)

A ideia era inusitada, mas muita gente achou péssima: converter músicas a um formato folk, só com voz e violão, isso bem depois da moda dos "acústicos/unplugged" ter passado.

Muitos fãs torceram o nariz, mas Edgard Scandurra e Marcos "Nasi" Valadão apostaram alto, pois avaliavam que não tinham muito a perder.

O risco era grande, mas o projeto Ira Folk! foi a grande sacada mercadológica da carreira da dupla, que se reconciliou em 2013 após seis anos brigados.

Amigos de novo, recriaram o Ira! sem o baterista André Jung e o baixista Ricardo Gaspa, estavam curtindo tocar os velhos sucessos com uma banda revigorada, mas qual seria o próximo passo? Haveria espaço para um CD de inéditas?

Ira Folk! era uma experiência limitada, de início, mas o nome da banda ainda é muito forte e o formato agradou. Para quem esperava uma reedição do MTV Unplugged que a banda fez há mais de dez anos, a surpresa foi enorme.

É violão e voz, somente, com arranjos muito diferentes e mais lentos, bem ao gosto daqueles fãs de Neil Young e Cat Stevens.

Algumas músicas tiveram a sua característica preservada, com levadas bem próximas das versões originais graças ao talento de Scandurra, que usa e abusa de um repertório e influências sessentistas em que predominam a pegada típica de Pete Townshend (The Who), Dave Davies (The Kinks) e Paul Weller (The Jam).

O projeto acabou crescendo demais e o som teve de ser encorpado. Entram em cena então os companheiros do Ira! para dar uma força à dupla principal – Daniel Scandurra, filho de Edgard, no baixolão (um violão com características de baixo) e Jhnny Boy, no violão e nos teclados.

Para arrepio daqueles que desdenharam da ideia inicial, o resultado é muito bom, tanto que virou DVD e um CD digital – vendido apenas em MP3, nas plataformas digitais.

Com um repertório extraordinário e rico para escolher, Nasi e Scandurra foram certeiros e aproveitaram para recriar alguns sucessos e revisitar músicas bem legais que estavam perdidas no catálogo – cortesia da liberdade que o formato oferece, sem algumas amarras que o formato baixo-guitarra-bateria limita.

O DVD foi um projeto que nasceu em parceria com o Canal Brasil e teve as participações especiais da cantora Fernanda Takai (Pato Fu) e do violonista monstro Yamandú Costa.

O que vemos na apresentação de 11 de março de 2017, gravada no Citibank Hall, em São Paulo, é um primor de profissionalismo e qualidade, ainda que houvesse menos espontaneidade – parece até que havia certo nervosismo, natural para um evento tão importante.

No último dia 20 de janeiro, quase um ano depois do registro para o DVD, o Ira!Folk lotou o teatro do Sesc Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, em uma performance ainda melhor.

Mais relaxados e mais seguros, Nasi e Scandurra dominaram palco e plateia de uma forma soberba, extasiados pelo sucesso do projeto. Certamente, no começo do show, estavam se divertindo mais do que os espectadores.

Desta vez não havia convidados especiais, mas nem precisava. A sequência de hits melhorou o clima de "já ganhou", tornando-o "somos campeões". Scandurra esbanjou técnica e virtuosismo na condução de "Tardes Vazias" e na fantástica "Dias de Luta", colocando efeitos que aproximaram a canção dos momentos de glória sessentistas do Who.

Nasi aprendeu faz tempo a domar as mudanças ocorridas em sua voz em mais de 35 ano de trajetória e se mostrou muito à vontade em canções emblemáticas, como "Boneca de Cera", "Rubro Zorro" e "Receita Para Se fazer Um Herói": canta com leveza, sem esforço, dando-se ao luxo de fazer alguns malabarismos vocais.

Bem diferente dos excessos de produção que os unpluggeds costumavam ostentar, como naipes de metal e camas de pianos, teclados e vocais, o formato "folk" criado pelo Ira! exaltou a máxima de que menos e mais.

Os violões predominam de forma a tornar possível ouvir todas as nuances sonoras dos dedilhados inspirados de Scandurra, além de mostrar a evolução de Nasi como cantor e frontman.

No DVD, o grande destaque é "Dias de Luta", onde Yamandú Costa dá uma aula de violão em uma caprichada introdução e fazendo uma base extraordinária, onde chega a duelar com o dono da festa.

A participação de Fernanda Takai em "Tolices" se mostrou tímida e reverente demais, pouco acrescentando à delicada versão recriada por Nasi e Scandurra.

"Flerte Fatal" e a pouco conhecida "Mesmo Distante", com seus arranjos precisos e delicados, transportaram a plateia para a gênese do rock nacional, na primeira metade dos anos 80, deliciando os contemporâneos das músicas e surpreendendo os mais jovens, que não imaginavam o poder acústico das canções.

"Nada mais natural que fosse assim", comentou Nasi em um dos intervalos do show do Sesc Vila Mariana. "Tínhamos muita confiança de que o formato iria funcionar porque 80% das nossas composições começaram somente com violão e voz. É bom que ver que o desnudamento das músicas agrada e surpreende."

Houve quem duvidasse das possibilidades de sucesso do Ira! Folk – muita gente, aliás. Houve até quem dissesse que se tratava de um acústico disfarçado com motivação caça-níqueis.

Alheios a isso, os integrantes do Ira! Folk tinham outras preocupações. Precisavam se concentrar em oferecer um produto de qualidade, com uma nova cara e que, de certa forma, surpreendesse quem esperasse o mesmo de sempre. O resultado é altamente satisfatório.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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