Bia Marchese resgata a magia do blues'n'jazz com 'Let Me In'
Marcelo Moreira
Houve um momento no eixo Rio-São Paulo, na virada dos anos 80 para os 90, que era cool e "descolado" assistir a artistas brasileiros cantando jazz com certa sofisticação norte-americana, emulando aquela atmosfera "noir" dos anos 30.
Era o tempo da excelente banda Nouvelle Cuisine, da não menos competente Delicatessen, surgida um pouquinho depois, e de uma série de artistas talentosos, que estimulariam o surgimento de gente muito competente, como a carioca Tary Szpilman, depois conhecida apenas como Taryn.
O interesse pelo gênero arrefeceu, confinando artistas do jazz classudo a eventos corporativos ou a bares temáticos de pouca duração, infelizmente.
Para quem sentia a falta de uma boa voz que resgatasse um pouco do jazz-blues, ainda que soe datado, a opção do momento é Bia Marchese, uma paulista de voz poderosa que é apaixonada pelo blues e pelo rhythm & blues, mas que faz questão de acentuar sua veia jazzy em suas apresentações.
Pela mãos da Chico Blues Records, a moça lançou "Let Me In", um álbum que é um passeio nostálgico e belo por um repertório que mergulha profundamente no cancioneiro norte-americano de raiz.
Ela não podeira ter encontrado melhor casa para obter suporte para um trabalho tão prazeroso e cuidadoso – afinal, a produção é do mestre do baixo Rodrigo Mantovani, que toca com a Igor Prado Band e já acompanhou os principais nomes do blues no Brasil, além de estreças internacionais.
A parceria entre Mantovani e Chico Blues (também o produtor executivo) valoriza os detalhes de arranjos simples e precisos, em um duelo precioso entre a voz doce e aveludada de Bia e os teclados intensos de Luciano Leães e a guitarra cirúrgica de Leo Duarte, que transita entre os acordes serenos do estilo de Joe Pass, do dedilhado mágico de Wes Montgmery e dos fraseados limpos que caracterizam os trabalhos dos brasileiros Igor Prado e Celso Salim.
Blues com acento jazz ou jazz com toques de blues? A partir da terceira música isso deixa de ser relevante, dado o bom gosto do instrumental e a interpretação leve e carismática de Bia.
"Nobody But You", de Dee Clark, é o destaque do álbum. O dueto da moça com Wee Willie Walker, uma das lendas do atual blues norte-americano, é uma mistura incandescente do blues retrô e do moderno.
Referências são o que não faltam neste trabalho muito interessante. Bia Marchese reverencia Big Mama Thornton, uma das damas máximas do blues da primeira metade do século passado.
"How Come" tem uma carga de dramaticidade fulminante, enquanto "My Man Called Me" surpreende por uma interpretação mais densa e pesada.
A predominância de composições de mulheres é quase total. Há um boogie bacana em "I Want to Go Heaven and Rest", de Wynona Carr", e um blues forjado na pedra, de tão duro, como em "Mr. Big Wheel".
A trajetória dá uma endurecida nas melancólicas e ásperas "Change Your Way of Lover", de Pee Wee Crayton, e "Deana Baby", de Johnny Guitar Watson – as duas estão quase grudadas, não por coincidência as duas composições escritas por homens.
E o que dizer da pungente e emocionante interpretação em "Honey, You're So Good to Me"? A moça encerra o trabalho em alto astral com "Bye Bye Baby", de Hattie Burleson, mostrando como faz falta no blues e no jazz brasileiro uma voz balanceada e que transborda sentimento.
Curiosamente, Bia Marchese opta neste trabalho por um caminho que está sendo abandonado por divas britânicas da atualidade, como Imelda May e Imogen Heap, duas prediletas do guitarrista Jeff Beck.
May, irlandesa, tornou-se referência do new rockabilly e do blues vintage na Inglaterra, mas agora abraçou o pop sofisticado e inspiração no rock oitentista. Já Heap, de voz poderosa, mergulhou no experimentalismo e jazz de vanguarda.
Bia transita por todas essas vertentes e começou sua trajetória musical ainda na infância influenciada pela mãe, também cantora, interpretando grandes nomes da soul music.
Na pequena mas fervilhante cena blueseira paulistana, chamou bastante a atenção ao gravar "I´d Rather Go Blind" no disco do organista e pianista Ari Borger que lhe rendeu fortes e excelentes elogios de críticos especializados nacionais e internacionais.
Foi convidada pelo organista americano Deacon Jones para ser a cantora de duas turnês pelo Brasil. Outro convite importante veio da cantora americana Carlise Guy (filha do famoso Blueseiro Buddy Guy) para acompanhá-la como sua backing vocal em sua passagem pelo Brasil.
O já mencionado brasiliense Celso Salim, hoje de volta aos Estados Unidos, onde faz sucesso tocando blues e jazz na Califórnia, contou com a voz de Bia Marchese em alguns de seus trabalhos.
A garota retoma uma tradição há algum tempo perdida no mar de opções e exibições no cenário musical underground brasileiro. "Let Me In" é um cartão de visitas impressionante, colocando-a em um novo patamar,
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