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Em show espetacular, gigante The Who sai ainda maior do Allianz Parque

Combate Rock

22/09/2017 14h57

Daltrey (esq.) e Townshend em São Paulo (FOTO: DIVULGAÇÃO/MERCURY CONCERTS)

Marcelo Moreira

Eles tentaram não demonstrar, mas sabiam que era uma noite histórica, como a de final de campeonato importante de futebol. Ainda assim, subiram ao palco achando que poderiam segurar a barra, como se fosse mais um show da atual turnê. Eles se enganaram, e perceberam isso ao longo da apresentação.

Eles eram os últimos de uma linhagem de gênios da música que se apresentavam, finalmente, no Brasil. Rolling Stones e integrantes das bandas Beatles, Pink Floyd e Led Zeppelin já tinham vindo. Spo faltava The Who.

O jogo estava ganho no Allianz Parque, em São Paulo, para a primeira apresentação do grupo na Améric Latina em 55 anos de carreira. Foram abraçados de forma imediata, mas não imaginavam a maneira como isso se daria.

O guitarrista Pete Townshend manteve o foco, e o vocalista Roger Daltrey decidiu se soltar, com um permanente sorriso no rosto. Eram mais de 50 mil pessoas gritando "Who", algo que não costuma acontecer na Europa e os Estados Unidos.

Townshend ficou estupefato e comentou ao microfone que estava emocionado com a receptividade na instrumental "The Rock", da ópera-rock "Quadrophenia", e relaxou totalmente quando veio o hino psicodélico "I Can See For Miles".

Todos os clichês foram usados para descrever a performance da banda inglesa, indo épico ao histórico. Certamente, foi tudo isso e bem mais, a julgar pela forma como a plateia cantou refrões e músicas inteiras.

Quando o momento ainda era tenso, nos primeiros 30 minutos, a banda errou – sacrilégio!. Roger Daltrey perdeu a introdução do hino universal "My Generation". Sisudo, Townshend e seu irmão mais novo, o também guitarrista Simon, trataram de consertar rapidamente, mas nem precisou estresse, pois a plateia se encarregou de empurrar Daltrey para a frente.

Visivelmente agradecido e extasiado, o cantor retomou o comando e se redimiu, dando um show no medley com a pouco conhecida e mediana "Cry If You Want", do igualmente álbum mediado "It's Hard", de 1982).

O ápice da noite, para os músicos, veio com "Baba O'Riley", quando Roger Daltrey esticou o microfone para que o público cantasse, muito alto, o refrão "It's only teenage wasteland", coisa raríssima de ele fazer.

Como em toda partida importante de futebol, depois de garantida a vitória, vêm as oportunidades de improviso. E a maior deferência a São Paulo veio ao final do show.

Deveriam ser 22 músicas, terminando com bis em "5:15".  Só que não. Townshend agradeceu, estava saindo do palco, mas nem quis simular aquela coisa de voltar "por conta dos pedidos do público". Deu rápida meia volta, pegou a guitarra e cham,ou todo de volta.

Fora do script original, engataram uma versão meio desajeitada de outro hino "Substitute", muito pedida pelo público, e ainda assim ficou maravilhosa.

Pela primeira vez nesta turnê – e na dos dois anos anteriores -, eles decidiram tocar uma música que não estava programada, tanto que o telão principal, atrás do palco, teve de reproduzir as próprias imagens do show, e não as editardas especialmente para cadas uma das canções executadas. Foi a prova maior de que eles sabiam que o dia era histórico, mas perceberam no palco que era muito mais histórico do que imaginaram.

FOTO: DIVULGAÇÃO/MERCURY CONCERTOS

Gente pobre de espírito caçoou e deu importância demasiada ao erro em "My Generation". Uma imensa bobagem. A forma como lidaram com a situação e de como executaram primorosamente clássicos como "Pinball Wizard" e "See Me Feel Me" derrubam qualquer tipo de crítica à qualidade do show.

Banda fora de forma? Teve gente que escreveu isso por aí. Após duas horas e dois minutos no palco em um show forte, intenso e sob forte calor, The Who demonstrou o contrário.

Havia o temor de que a voz de Daltrey não suportasse o tranco. Outra bobagem. A recente sequência de seis shows em Las Vegas sepultou esses temores. Em São Paulo, o vocalista cantou muito, mas muito melhor e com mais pegada do que, por exemplo, nas turnês da banda pela Europa em 2012.

A voz potente e cheia de recursos mostrou estar apta para cantar a difícil "The Seeker", para brincar na histórica "The Kids Are Alright", para se desdobrar no hit "Who Are You" e para berrar e atingir notas mais altas e difíceis nas fantásticas "Baba O'Riley" e "Won't Get Fooled Again" – nesta a banda também se espantou com o público ensandecido cantando refrões.

Daltrey também deu uma aula de interpretação na balada pesada "Behind Blues Eyes", mostrando versatilidade e uma interpretação soberba.

Pete Townshend revezou-se entre cinco guitarras, todas do modelo Stratocaster e decidiu fazer algo que  não fazia havia algum tempo: demonstrar que é um guitarrista esplêndido, alterando solos consagrados e estendendo-os, explicitando suas habilidades e capacidade de improvisação, principalmente em "The Rock", no hit pop "You Better You Bet" e na grooveada "Eminence Front", cantada por ele e não tao conhecida do público.

Músicos que assistiram à apresentaram destacaram a precisão de como o guitarrista conseguia manter ou trocar de timbres de sua guitarra sem grandes perdas – o que muitos, até compreensivelmente entenderam como instrumentos desafinados, outra imensa bobagem.

FOTO: DIVULGAÇÃO/MERCURY CONCERTOS

Acreditar que artistas de tal calibre desafinam em shows como o do Allianz Parque é crer que Papai Noel existe. Esse tipo de músico erra, como todos, mas sugerir que um dos maiores de todos os tempos suba ao palco com guitarra desafinada após 55 anos de estrada?

Ao final da jornada, era visível que os oito músicos tinham percebido em sua totalidade a importância do que tinha acontecido em São Paulo – a inclusão de "Substitute", de última hora, mostrou isso claramente.

The Who está na reta final de sua existência e devia um banho de rock aos brasileiros. Fizeram isso e muito mais. Tinham ideia do que poderiam encontrar por aqui, mas tomaram "pancada" na cara por conta realidade – foi muito mais do que poderiam esperar, e trataram de retribuir de forma extraordinária.

Assim como os recentes shows de Paul McCartney, Rolling Stones, Roger Waters e David Gilmour, este do Who deverá ser lembrado por muitas eras como um dos grandes espetáculos do nosso tempo.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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