Sua banda é uma empresa - veja como algumas estão se virando
Marcelo Moreira
Não há muita originalidade, e os métodos até são questionados, mas ainda tem banda se esforçando de forma comovente para conseguir alguma divulgação no conturbado e esfarelado meio artístico da segunda década do século XXI.
As apostas variam desde entupir o YouTube com lyric videos e gravações de ensaios até a exposição maciça nas poucas emissoras de rádio tradicionais que continuam se dedicando ao rock.
Os exemplos recentes que chama a atenção são três, todos em São Paulo. A banda de heavy metal Noturnall já foi alvo de reportagem meses atrás quando do lançamento de "9", o terceiro álbum, envolvendo todo um planejamento estratégico digno de grande empresa, com três dos integrantes capitaneando o processo.
Com uma intensa promoção do trabalho nas redes sociais, bem perto dos fãs, o quinteto teve bons resultados e uma importante exposição da mídia especialmente por conta do modelo inusitado de lançamento: uma semana de workshops, palestras em vídeo e sorteio de brindes, com a divulgação diária de ao menos duas músicas.
"A nossa ideia era fortalecer a base de fãs que já tínhamos com ações de fidelização. Na etapa seguinte, quisemos mostrar que o relacionamento com essa base era fundamental para expandir as possibilidades e atrair novos ouvintes. Tudo foi minuciosamente planejado e deu certo", avalia Fernando Quesada, o baixista da banda.
Thiago Bianchi, o vocalista, crê que "9" e todo o seu planejamento tornarão o ano de 2017 o mais importante do Noturnall.
"Amadurecemos muito durante o processo de composição e gravação, superamos muitos problemas internos e externos. O resultado final tem superação, redenção e muita doação. Quando as coisas convergiram, ficamos orgulhosos de cada detalhe do projeto", diz o cantor.
Outra banda de heavy metal radicada em São Paulo decidiu arriscar em um modelo tido como superado entre os especialistas em marketing e propaganda: investimento pesado nas emissoras de rádio segmentadas e em veículos impressos.
O Armored Dawn, com parte de sua música baseada em temas medievais e no chamado gênero "capa e espada", digamos assim, conseguiu de forma surpreendente uma execução massiva da balada "Sail Away" nas rádios rock de São Paulo e nos programas segmentados das mesmas. É quase impossível não ouvi-la ao menos uma vez por dia nessas emissoras.
A reação dentro do mercado foi imediata, despertando a desconfiança de muitos músicos e produtores musicais concorrentes.
Não se tratam de acusações, mas são fortes os comentários de que não faz sentidos as poucas emissoras de rock executarem maciçamente a música do grupo, para não falar de uma sequência de entrevistas de seus integrantes, enquanto outras bandas ótimas nacionais continuam ignoradas nas programações das mesmas rádios.
Ninguém fala em "jabá" – conduta condenada desde sempre que consiste em pagar para executar massivamente determinada(s) música(s) ou banda(s). E é bom que seja assim, porque não há como provar – não até o momento. Misturando desconfiança com inveja, o grupo chacoalhou um mercado, ainda que restrito, que havia muito estava na pasmaceira.
"O esquema dos caras é muito forte, inteligente e certeiro. Vai mesmo despertar acusações, mas quero ver alguém provar deslizes éticos ou qualquer ilegalidade. Quem é que não gostaria de ligar o rádio do carro e escutar a sua música diariamente em uma emissora legal", questiona um guitarrista de uma importante banda nacional de metal, que preferiu não ter o nome mencionado.
O músico tocou em um ponto importante: muita gente atentou-se somente ao resultado e preferiu não observar a trajetória. O trabalho do Armored Dawn é muito competente, desde as composições até o esquema de marketing e divulgação.
Integrada por músicos ótimos e experientes – um deles, o finlandês Timo Kaakoski, há 14 anos morando no Brasil, tem vasta conhecimento do mercado europeu -, o grupo trabalha há pelo menos quatro anos forte para chegar aos resultados interessantes de 2017, tendo como base o bom CD "Power of Warrior".
Navegando em um terreno longe de ser original, mas que normalmente agrada a uma legião de fãs, a banda passeia pelo heavy tradicional e pelo power metal com temas épicos, resgatando o clima que remete a bandas como Blind Guardian e Edguy (as duas da Alemanha) e Hammerfall (Suécia), entre outras.
Se falta originalidade, sobra competência e qualidade musical. "Fazemos um som que gostamos, e percebemos que ainda existe público que gosta desse tipo de metal oitentista e noventista", disse Kaakoski em entrevista ao programa "Bem Que Se Kiss", da Kiss FM, apresentado pelo cantor Bruno Sutter (Massacration) e por Marcelo Andreassa.
Na área do pop rock, também não há originalidade na tentativa da banda Ultrassônico, de Santo André (ABC Paulista). O quarteto, que acaba de lançar o EP "Nada a Perder", resgatou um slogan antigo e uma ideia ousada de uma banda inglesa que não deu muito certo.
A campanha "Quer Pagar Quanto?" toma emprestado o jingle das Casas Bahia, enquanto faz alusão a um projeto do Radiohead da década passada, quando lançou um CD ("In Rainbows" nas redes virtuais onde dava a oportunidade do consumidor pagar (ou não) o quanto quisesse pelo trabalho – nenhuma outra banda no mundo tentou algo parecido depois, nem mesmo o próprio Radiohead.
A medida é arriscada, pois o EP contou com a produção caprichada de Lampadinha, renomado produtor musical que já trabalhou com nomes consagrados do rock nacional como Titãs, Charlie Brown Jr, CPM22, Hateen, Scalene, entre outros.
O objetivo é incentivar o público a levar o CD físico pra casa e estabelecer um vínculo com seus fãs que, nesse período de lançamento, poderão também baixar gratuitamente todas as músicas nas principais plataformas digitais e, inclusive, com possibilidade para ringtones para celular.
"Queremos divulgar nossa música. Atingir o maior número de pessoas. É uma maneira de a gente devolver para essas pessoas todo o incentivo que elas nos deram pra chegar até aqui", afirma o guitarrista Marcelo Rodrigo.
O Ultrassônico se orgulha de suas origens no classic rock nacional, uma cortesia do vocalista Evandro de Marco, provavelmente o responsável por esse conceito.
Eclético e atuando também como produtor musical e jornalista, impregnou o grupo com uma miríade de referências, que passam muito pelo som dos anos 80, indo de Paralamas do Sucesso, Ira! e Golpe de Estado a U2, The Cult, Bon Jovi e mesmo a fase do Kiss daquela década.
"O Lampadinha é um cara que gosta muito de rock and roll. Passamos várias músicas pra ele e a escolha foi por aqui que tínhamos de mais pesado", revela o guitarrista Marcelo Rodrigo, que também trabalhou na produção das músicas.
EP que traz, além da faixa título, também as músicas "Como Se Não Houvesse Amanhã", uma nova versão para "Nunca Mais" e "Meias Verdades" remixada e remasterizada, essas duas últimas fazem parte do álbum de estreia do Ultrassônico.
Mesmo com bom tempo de estrada, este é apenas o segundo trabalho do quarteto, que ainda precisa ganhar mais musculatura para ousar da forma que ousou.
Enquanto bandas mais rodadas não hesitam em liberar gratuitamente de forma direta seus lançamentos – em streaming, YouTube ou download legal -, o Ultrassônico tenta monetizar seu produto utilizando ferramentas já utilizadas.
Melhor do que não fazer nada, mesmo sem originalidade e correndo o risco de ser ironizado? Dependendo do ponto de vista, sim. Significa que a banda tem respeito por sua arte e está procurando um caminho, enquanto outras batem nas mesmas teclas de sempre – falta público, falta lugar para tocar, a gente paga para trabalhar, ninguém compra e muitos outros etcs.
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