Erro de Nasi reforça a necessidade de resistir à depredação de reputações
Marcelo Moreira
Marcos Valadão costuma ser um cara tranquilo. Recebe bem as visitas em sua casa na zona oeste de São Paulo, gosta de falar bastante e de brincar com os interlocutores. Tem uma rara característica interiorana para um cidadão nascido na barulhenta e cosmopolita São Paulo: é tão cativante e acolhedor que parece ser amigo há décadas de gente que acabou de conhecer.
É um contraponto interessante ao seu amigo e rival Edgard, outro paulistano da gema que é outro cara bem bacana, só que mais contido e reservado.
Marcos é mais conhecido como Nasi, que sustenta o Ira! ao lado do guitarrista e vocalista Edgard Scandurra desde o começo dos anos 80.
Os dois são frequentadores assíduos do programa de web rádio Combate Rock. Nunca compareceram juntos aos nossos estúdios, mas concederam extraordinárias entrevistas abordando tudo sem censura.
Aliás, foi no programa Combate Rock, em 2013, em sua confortável casa em São Paulo, que Nasi revelou, em primeira mão e com exclusividade, que tinha feito as pazes com Scandurra, após o pesado rompimento ocorrido em 2007, e que tocaria dois meses depois ao lado do amigo em uma apresentação beneficente, como convidado da então Edgard Scandurra Band.
De tão tranquilo e sereno nos últimos cinco anos, parecia que Nasi tinha se transformado em budista, ainda mais depois que realizou a cirurgia de redução de estômago em 2015.
"Tive de passar por uma completa reeducação alimentar e a época dos exageros passou, e tenho de dizer que me sinto muito, muito bem, como fazia tempo que não acontecia", afirmou o cantor do Ira! em sua segunda entrevista ao Combate Rock, no começo de 2016.
E o que ocorreu para que toda a tranquilidade fosse por água abaixo após o desastre do show nO Kazebre, na zona leste de São Paulo, no último dia 6 de agosto?
O fato é mais do que conhecido: em seu pedido de desculpas em vídeo, Nasi admitiu que bebeu demais e que não tratou direito de uma picada de escorpião, duas coisas que fizeram naufragar a apresentação e que geraram uma enxurrada de reclamações dos espectadores que foram à casa noturna e críticas nas rede sociais.
Que houve erro e um desrespeito no episódio em relação ao público, não há dúvidas, até porque o próprio artista reconheceu a enorme pisada de bola.
No entanto, vai aqui um exercício de memória para aqueles que gostam e acompanham o rock nacional: quando foi a última vez que o Ira! cancelou um show ou interrompeu alguma apresentação? As mesmas perguntas valem para a carreira solo de Nasi.
Em tempos de cólera, como vivemos atualmente, eram esperadas as reações exacerbadas e exageradas, com tentativas deliberadas de depredar a reputação do cantor. As explicações dadas no vídeo onde pediu desculpas foram ironizadas e achincalhadas.
Como é fácil apontar o dedo e criticar condutas alheias temperando tudo com adjetivos dos mais negativos…
O que diriam os mesmos que apontam o dedo ao saberem que Nasi e Scandurra cansaram de tocar para plateias cheias no Brasil todo mesmo em condições péssimas de infraestrutura, após desgastantes negociações com promotores picaretas ou mesmo quando sabiam que levariam calote?
A execração pública a que foi submetido o cantor do Ira! é totalmente desproporcional ao "delito" cometido, o qual foi reconhecido e as desculpas fora pedidas.
O fato de ser gente boa ameniza a pisada de bola? Não deveria, mas a resposta vai variar dependendo do ponto de vista de cada um.
Entretanto, o que não se pode tolerar é que Nasi seja jogado na vala comum da "celebridade bebum compulsiva que pisa na bola constantemente".
É justamente o contrário, já que será difícil encontrar nas carreiras do Ira! e de Nasi solo shows cancelados ou interrompidos – situação que, infelizmente, é frequente nas carreiras de outros artistas.
Imputar a Nasi a pecha de alcoólatra irresponsável não só é injusto como mentiroso, ainda que muitos dos espectadores do Kazebre estejam certos em protestar.
A onda de ódio vai demorar um pouco a passar. Nasi vai sofrer por um tempo com as consequências de seu erro, mas certamente dará a volta por cima e recuperará o respeito que sempre teve.
Culpado reconhecido e ao mesmo tempo vítima da intolerância, da burrice e da covardia (sobretudo a digital), o cantor do Ira! e a própria banda são os mais novos alvos de uma sociedade carente de cidadania e autoestima.
Não serão os últimos, mas certamente vão se tornar proeminentes figuras da resistência ao linchamento público e processo de depredação de reputações que costumeiramente explodem em nossas telas.
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