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Versatilidade e ousadia mantêm o Lucifer's Friend vivo, diz o vocalista John Lawton

Combate Rock

02/08/2017 06h36

Marcelo Moreira

Um inglês cantando em uma banda alemã que se tornaria cult nos anos 70. A combinação parecia bastante improvável, mas foi o que aconteceu no início dos anos 70 quando os quatro integrantes do Lucifer's Friend decidiram chamar o então desconhecido John Lawton para os vocais.

Fazendo um som pesado calcado no blues, no jazz e na música erudita de vanguarda, o quinteto alemão foi considerado "inclassificável" por alguns críticos europeus.

A ideia era essa mesmo, fazendo de tudo um pouco, mudando o direcionamento a cada álbum. O álbum homônimo de estreia, lançado em 1970, tinha  letras obscuras, guitarra pesada e teclados que remetiam ao hard rock inglês setentista, notadamente influenciado por Led Zeppelin e Black Sabbath.

O segundo álbum, "Where the Groupies Killed the Blues", tomou um caminho totalmente diferente, sendo mais experimental no rock progressivo e rock psicadélico

O terceiro, "I'm Just a Rock & Roll Singer", surpreendeu por mergulhar em uma espécie de hard pop, na linha de Grande Funk Railroad e até mesmo de Uriah Heep e Slade.

E qual é o interesse pelo Lucifer's Friend em 2017, uma banda que acabou em 1982 e que teve uma efêmera volta em 1994 e mais uma no ano passado?

A Hellion Records, selo e gravadora paulistano que teve loja por anos na Galeria do Rock, está lançando "Too Late to Hate", o mais recente trabalho do grupo, de 2016.

John Lawton, que foi a voz do Uriah Heep entre 1976 e 1979 com a ingrata missão de substituir o estupendo David Byron, mais uma vez assume os vocais e conversou com o Combate Rock, por e-mail, sobre o atual momento da banda e de sua carreira.

Combate Rock: A banda Lucifer's Friend fez um som característico e único, apesar de muitos insistirem no termo kraut rock. Como você descreveria o som do grupo para os jovens de 2017 que estão descobrindo a banda?

John Lawton – Nunca fiquei muito feliz com o termo "kraut rock", que designa rock alemão. Nós mudamos nosso estilo com bastante frequência, de álbum para álbum, de heavy rock, no primeiro álbum, a misturas com jazz fusion com o álbum "Banquet", por isso é bastante difícil colocar a banda em um estilo particular, é para o ouvinte decidir, creio eu. Acho quer a versatilidade e a ousadia foram elementos importantes para o sucesso da banda.

Ian Gillan, do Deep Purple, reclamou em uma passagem pelo Brasil que o rótulo de "classic rock" atrabalha bastante as bandas veteranas que divulgam seus trabalhos mais recentes. "Todos só querem saber de 'Smoke on the Water', só querem ouvir 'Smoke on the Water". Como você observa esta questão do ponto de vista das bandas que ainda estão na estrada?

Sim, às vezes é difícil, a banda quer tocar músicas do último álbum, mas a platéia quer ouvir os clássicos, o que é compreensível. Nós também temos esse problema, gostaríamos de incluir faixas de todos os álbuns, mas no final, a maioria dos fãs quer ouvir "Ride The Sky" e as faixas do primeiro álbum, "Lucifer's Friend".

Com o lançamento de álbuns no Brasil do Lucifer's Friend pela Hellion Records, reforça-se uma tendência na América do Sul de redescoberta de grandes bandas dos anos 1970 que nunca tiveram o reconhecimento necessário. O resultado disso são shows e turnês pelo continente de bandas veteranas como o próprio Deep Purple, Lynyrd Skynyrd e Focus, gerallmente em festivais. Diate disso, podemos dizer há maiores chances de vermos John Lawton no Brasil algum dia tocando material do Lucifer's Friend e do Uriah Heep?

Claro que queremos ir ao Brasil, temos muitos fãs por aí e houve algumas discussões, mas nada finalizado ainda. Eu estive no Brasil anos atrás tocando com vários músicos brasileiros que eu gostava. A banda gostaria de ir, vamos esperar e ver.

Um inglês cantando em uma banda alemã em 1970 era um fato pouco comum. Considero que houve um inevitável choque cultural e musical. Como você lidou com isso?

Não houve choque cultural, o rock é internacional, independentemente de qual país estamos. Nós nos entendemos muito bem, já que os caras falaram muito inglês, então não foi um problema.

Frequentemente a Lucifer's Friend é considerada uma banda pioneira no hard rock e até mesmo no rock progressivo europeu por conta de sua mistura inteligente de rock, jazz e até mesmo música clássica. Vocês tinham noção da importância da música que estavam criando na época?

Na verdade, não. Gravamos o material em cada álbum, tal como o encontramos. Se você começar a estruturar a música para se adequar ao seu público, nunca funciona. Apenas jogue e grave o que é bom e simplesmente aproveite.

Muitas bandas clássicas dos anos 1970 tiveram dificuldades para ingressar na década seguinte com o mesmo pique, já que a concorrência ficou mais acirrada e os padrões musicais mudaram bastante. De que forma as novas bandas e a "nova música" dos anos 1980 afetaram o Lucifer's Friend, a ponto de a banda acabar em 1982?

Novamente, nunca pensamos nisso, mas experimentamos um pouco para tentar encaixar especialmente em "Sumo Grip" na produção. Para mim, pessoalmente, não funcionou 100%. Nós nunca abandonamos, estamos sempre falando sobre novas músicas, mas houve tanto acontecimento para cada membro da banda individualmente que foi inevitável. Dizemos que "tomou uma pausa prolongada".

David Byron ainda hoje é um cantor cultuado por quem aprecia classic rock. Há que diga que a sua entrada no Uriah Heep substituindo-o teve o mesmo impacto para os fãs que as substituições de David Lee Roth, no Van Halen, e Bruce Dickinson, no Iron Maiden. Como você avalia a sua chegada no Uriah Heep 41 anos depois?

Sim, era diferente eu estar numa banda como o Uriah Heep, especialmente porque eles tinham um mundo próprio e um grande público. Demorou um tempo para que os fãs me aceitassem, mas no final creio que deu certo. Nós ainda somos bons amigos e eu olho para trás naqueles anos com grande orgulho.

Muito se comenta sobre as supostas mudanças de direcionamento musical do Uriah Heep nos três álbuns em que você cantou. "Firefly" soa mais progressivo, enquanto que "Fallen Angel" é mais pop e menos pesado. Até que ponto você pode ser responsável por essas mudanças no som do Uriah Heep?

Eu não acho que eu era realmente responsável por qualquer mudança de estilo, mas contribuí em algumas músicas ao longo do caminho. O estilo vocal do Heep sempre esteve lá, eu acho que tentamos ser mais comerciais depois de "Innocent Victim", principalmente depois de um grande sucesso como "Free Me".

Existe algum dia a possibilidade de um retorno da The Hensley Lawton Band?

Não creio. Tenho as minhas coisas e estou bastante ocupado, assim como Ken Hensley (tecladista, guitarrista e vocalista do Uriah Heep nos anos 70).

E em relação ao Lucifer's Friend, há algum plano de reunião, show comemorativo ou mesmo o lançamento de material inédito?

Existem alguns arquivos que precisam ser melhor avaliados, material antigo que um dia pode ser lançado. No momento estamos preocupados em compor e gravar o próximo álbum de inéditas.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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