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Discriminação, preconceito e ódio: o metal de novo a serviço da intolerância

Combate Rock

07/07/2017 06h42

Marcelo Moreira

A divisão entre bons e maus, decentes e indecentes, bandidos e mocinhos, esquerdistas e direitistas tem progressivamente acabado com bandas, amizades e, principalmente, com o bom senso e a inteligência.

Em muitos lugares do mundo as tensões são enormes, social e politicamente, em especial na América do Sul e no Oriente Médio. A polarização atinge tal nível que dificilmente haverá conciliação, nos casos específicos de Brasil e Venezuela. Com a ascensão de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, as coisas vão piorar, e muito.

O rock não fica imune a esse estado de coisas, como pudemos observar nos últimos três anos no Brasil entre os roqueiros chamados "coxinhas" e os politicamente engajados de esquerda.

Nos Estados Unidos, a divisão também foi explícita e clara, com trocas de farpas pesadas – o inglês Roger Waters, ex-Pink Floyd, ataca diretamente o atual presidente, enquanto que o ator-roqueiro Johnny Depp chegou a sugerir o assassinato de Trump.

São exemplos até grosseiros e midiáticos, mas há uma tendência muito preocupante entre bandas de rock pelo mundo assumindo posições extremistas, geralmente de direita, abraçando teses das mais abomináveis.

Não há nada de errado em ser de direita e abraçar o ideário conservador, desde que, é claro, que essas ideias não esbarrem em coisas nojentas com preconceito, discriminação e racismo.

Ok, vamos relevar o fato de que o rock, historicamente, sempre foi contestador, rebelde e revolucionário por natureza, em que essas características, inevitavelmente empurrem o gênero para a esquerda.

Ainda assim, é de bom tom tolerar a diversidade e a democracia – afinal, tivemos de suportar um dos ícones do punk rock, Johnny Ramone, sempre alardear que era eleitor do Partido Republicano e que votou em Ronald Reagan.

A questão é que as coisas estão tomando proporções alarmantes quando bandas de heavy metal perdem as estribeiras e os constrangimentos e resolvem abertamente defender ideias assustadoras eivadas de preconceito e discriminação.

É o que, infelizmente, podemos constatar nas lamentáveis declarações de Kamil "Madness" Mandes, baixista e vocalista da banda polonesa Thunderwar.

Em entrevista ao blog Heavy Nation (que bom que o grande Julio Feriato retomou a frequência de postagens), Mandes destilou xenofobia, preconceito, desinformação e boçalidade ao investir contra os muçulmanos que imigram para a Europa fugindo da guerra, da fome e das ditaduras. Clique aqui e leia o texto na íntegra.

De forma vergonhosa, Mandes declara sem ficar vermelho de vergonha: "Não devemos deixar os muçulmanos na Europa porque eles querem nos superar culturalmente. A islamização é uma ameaça e entre os refugiados pode haver terroristas".

Ele continua vomitando: "Basta ver em países onde isso foi além do tolerável, com estupros, assaltos e toda a sorte de violência. Na Polônia isso não ocorre porque somos intolerantes e conservadores, lutamos contra isso. Somos um povo combativo".

Thunderwar (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Poderíamos dizer que esse imbecil é apenas um ignorante desinformado. Mas não é. Ele faz parte de um movimento que não é mais incipiente, e que está se disseminando há pelo menos cinco anos nas comunidades roqueiras de países como Rússia, Ucrânia, Hungria, Sérvia e Grécia, entre outros.

E pensar que Mandes vomita todas essas sandices sendo polonês, um dos povos mais perseguidos e massacrados da história, que foi obrigado a enfrentar a violência avassaladora do nazismo e do comunismo stalinista, gerando ondas e ondas de refugiados que tiveram de buscar abrigo na França, na Inglaterra, no Canadá, na Austrália, nos Estados Unidos e no Brasil.

O músico polonês destila ódio, burrice e um ranço discriminatório incompreensíveis, e sem o menor preocupação de travestir suas "opiniões" com um revestimento artificial de argumentos fáceis e óbvios. "Não há lugar para parasitas na Polônia e na Europa!", diz o cidadão.

Não há uma só frase sobre a questão que contenha um mínimo de razoabilidade. E esse discurso está presente nas declarações e músicas de músicos de certa relevância na própria Polônia, na Alemanha, na Áustria e na República Checa.

E a preocupação só aumenta porque são poucas as vozes que protestam contra a disseminação desse tipo de ideia que prolifera dentro do rock, que por natureza é tolerante, abrangente e tem ojeriza a discursos divisionistas e discriminatórios.

A arte não pode servir de instrumento para o ódio e para ataques sórdidos contra populações vulneráveis e equivocadamente apontadas como as causas de males antigos e incrustados em sociedades doentes, que incentivam as desigualdades e que fomentam as divisões pelos mais diversos motivos.

A banda Thunderwar, cuja música é fraca e desprovida de originalidade, provavelmente ficará restrita ao seu gueto e desaparecerá sem deixar vestígios, mas quando dissemina esse tipo de ódio pueril, mas perigoso, joga uma mancha desagradável e malcheirosa sobre o rock.

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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