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Racionais MCs, muito mais rockers do que os roqueiros nacionais

Combate Rock

26/06/2017 06h34

Marcelo Moreira

Racionais MCs no Red Bull Station: da esq. para a dir., Edi Rock, KL Jay, Mano Brown e Ice Blue (FOTO: MARCELO MOREIRA)

O evento é restrito, mas o pequeno salão está lotado. É a noite de uma segunda-feira chuvosa de junho, no centro de São Paulo, e o Red Bull Station abriga uma exposição muito legal sobre a carreira dos Racionais MCs, ainda hoje a mais relevante banda de rap brasileira.

A abertura da exposição é marcada por uma raríssima entrevista dos quatro integrantes, juntos em um tablado respondendo a perguntas formuladas pelo jornalista (e fã) André Caramante, do coletivo Ponte Jornalismo.

A conversa foi bem humorada. Deveria ser sobre como a banda pode ser inserida dentro do contexto sociopolítico e cultural atual, mas girou somente sobre a história dos Racionais.

E aí é que a coisa se conecta com o rock. A trajetória do principal nome do rap nacional, em suas extremas dificuldades e à margem da sociedade em boa parte de seus quase 30 anos de existência, joga luz no mercado pop nacional e explicita a inversão de valores em relação aos Estados Unidos: o rap é que representa no Brasil a vitória da periferia e da pobreza em um mercado hostil e pouco disposto a dar voz ao novo e ao que é incômodo.

Claro que nada disso é novidade, assim como desde sempre o rock por aqui sempre foi uma coisa de classe média, e até certo ponto elitizada, como podemos observar na rebeldia "silver spoon" (colher de prata, em inglês, termo que serve para identificar os bem nascidos na Inglaterra) dos roqueiros brasilienses dos anos 80, que vieram a se transformar em Legião Urbana, Capital Inicial e outras bandas.

Escutar Mano Brown, KL Jay, Edi Rock e Ice Blue narrar as peripécias para poderem tocar e as dificuldades causadas pela falta total de dinheiro e o modo como perseveraram é uma aula de resistência e rebeldia.

Esqueça as histórias, verdadeiras e falsas, que rodeiam o grupo – violência, incitação à violência, e muito mais. Artisticamente, a trajetória dos Racionais é elucidativa porque serve de paradigma em relação às constantes reclamações – também verdadeiras – de encolhimento do mercado do pop e do rock, e da transformação do heavy metal em subgênero cada vez mais underground.

Se as reclamações dos roqueiros atuais sobre as dificuldades para ganhar dinheiro, para encontrar lugar para tocar e por ter um público hoje reduzidos têm as suas justificativas, ao ouvir as histórias de Brown e companhia tudo isso não passa de mimimi de garoto com guitarra nova enclausurado no quarto choramingando.

É duro ter admitir, ainda que parcialmente – e contra a vontade – que o rap hoje e desde sempre foi o braço da resistência e da rebeldia contra o sistema no Brasil – algo que o punk rock esboçou no começo dos anos 80, mas que logo deixou esfarelar.

De alguma maneira, tal estado de coisas foi narrado de forma competente, mas não tão focado, no ótimo livro "Dias de Luta", do jornalista e cineasta Ricardo Alexandre.

Fica claro que havia rebeldia e revolução de menos no chamado Brock (rock brasileiro dos anos 80) e alinhamento de mais com as gravadoras e o maistream cultural da época – e olhe que tivermos bandas importantes que tentaram quebrar esse paradigma, com Camisa de Vênus, Plebe Rude, Garotos Podres, Cólera, Ratos de Porão e Golpe de Estado.

Revolta e sangue nos olhos em uma periferia perigosa e sobre os permanentes olhares – e violência – do Estado por conta da polícia ávida por descer a pancada na juventude esmagadoramente negra e nordestina das margens da sociedade.

Essa é uma descrição das perifas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e outras cidades brasileiras, mas é bem semelhante à de várias áreas dos Estados Unidos nos anos 50,60 e 70, e também da Inglaterra setentista.

Nestes antros e guetos é que surgiu o rock contestador e revoltado, em meio à pobreza e falta de dinheiro, antes de tudo virar classe média e cooptado pelo mercado – ok, exageros à parte…

Os quatro Racionais deram a letra: não basta só ralar e ter talento, é necessário também ter muita humildade e perseverança, artigos escassos há algum tempo no rock e no pop nacionais.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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