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A beleza agressiva e existencialista de 'The Beloved Bones: Hell', do Dark Avenger

Combate Rock

20/06/2017 07h00

Marcelo Moreira

"Eu sou o mestre do nada." Uma frase forte e que, em tese, pode ser considerada bem comum em uma letra de música de heavy metal, seja em inglês ou português.

A simplicidade, no caso em questão de "The Beloved Bones: Hell", novo CD do Dark Avenger, é apenas aparente, escamoteando uma densidade que já é característica dos trabalhos da banda e criados pelo vocalista Mario Linhares.

Trabalhos conceituais e de profundidade filosófica são a marca da banda e do trabalho de Linhares, certamente o melhor compositor de obras com conceito no Brasil, superando concorrentes fortíssimos, com Rafael Bittencourt (guitarrista d Angra) e Heleno Vale (baterista e mentor do projeto Soulspell).

Enquanto os concorrentes apostam em vertentes mais alegóricas, em busca de histórias fantásticas (Vale) ou com um fundo mais espiritual (Bittencourt), Linhares se arrisca mais, optando por um existencialismo que muitas vezes esbarra em um realismo fantástico – cortesia de uma sólida formação intelectual e uma curiosidade insaciável em busca sempre de explicações.

A carreira intermitente do Dark Avenger – seja pro graves problemas de saúde de Linhares ou por dificuldades inerentes a fazer rock no Brasil – prejudicou a sequência de ótimos lançamentos conceituais, como "Tales of Avalon: Terror" (2001) e "Tales of Avalon: The Lament" (2013), este lançado quando do retorno da banda.

"The Lament" é um dos mais brilhantes CDs de heavy metal já lançados no Brasil, e certamente é um dos mais importantes do gênero internacionalmente lançados nesta década.

"The Beloved Bones: Hell" tem uma tarefa dificílima: se provavelmente será um dos melhores trabalhos de 2017 no Brasil, por outro lado tem a sombra do trabalho anterior para ser eternamente comparado.

O conceito lírico é mais profundo no novo trabalho, e vai além do mero embate entre o emocional e o racional do narrador da história.

As raízes existencialistas permeiam todo o trabalho com uma qualidade impressionante das letras e o completo domínio do conceito, criando tramas e subtramas.

Sua habilidade na criação de narrativas e no encadeamento do roteiro são extraordinárias, o que leva à pergunta: como o Dark Avenger ainda não adquiriu prestígio internacional, enquanto obras de conceitos menos audaciosos, como as dos projetos Avantasia (do alemão Tobas Sammet, do Edguy) e Ayreon (do holandês Arjen Lucassen), são glorificadas por público e imprensa na Europa?

Se liricamente o conceito é mais profundo, denso e abrangente, o instrumental do novo álbum, ainda que grandiloquente e ousado, não teve o mesmo impacto que o do CD anterior. E isso não é um demérito: "The Lament" é tão bom e tão qualificado que seu impacto foi extraordinário, que certamente o colocou entre as melhores obras já lançadas no heavy nacional.

Embora a sombra do álbum anterior paire sobre "The Beloved Bones: Hell", este é excelente. Os arranjos são impecáveis e a qualidade das composições supera e muito o que vem sendo produzido no Brasil e no exterior em 2017.

Há uma diferença importante no trabalho atual em relação aos anteriores: o peso e afinação das guitarras. Em uma preocupação com um som mais atual, o que é natural, as guitarras do Dark Avenger hoje estão mais pesadas, muito mais graves, lembrando alguns timbres usados pelo Lamb of God e Mastodon.

Por conta disso, o álbum soa mais agressivo e muito mais pesado, até mesmo em consonância com as experiências de vida de Linhares – sua convivência constante com a dor e a superação de sérios problemas de saúde.

A música agora, apesar de muito bem elaborada e se apoiar em texturas delicadas e arranjos de bom gosto, é mais reta e direta, mostrando-se mais angustiante e urgente, bem de acordo com o conceito de busca de uma identidade e de um conforto emocional que caracteriza a obra.

Linhares é mestre em transformar pequenas peças existencialistas em mini-óperas. Suas letras em inglês extrapolam as histórias e ganham dimensões diferentes quando suas experiências pessoais são confrontadas com os temas que aborda.

Além da qualidade evidente do trabalho novo de Linhares, esta ultrapassa limites que cercam as obras conceituais. O artista celebra a vida e o fato de estar vivo, mas é menos efusivo, explosivo e muito mais reflexivo. Curioso e intelectualmente inquieto, precisa com urgência de explicações.

Abusando da erudição e das referências literárias, no bom sentido das expressões, Linhares comete obras de cunho filosófico de fôlegos e surpreendentes dentro da música feita no Brasil.

O vocalista não explode em rompantes de energia criativa – ele a condensa, processa e a transforma em temas complexos existenciais, produzindo obras de rara beleza e intensidade dentro do heavy metal atual, seja no Brasil ou no exterior. Talvez essa seja a sua maior qualidade como músico e compositor. E justamente por isso "The Beloved Bones: Hell" é uma obra vigorosa e muito interessante, mantendo o Dark Avenger no topo do rock pesado nacional.

O Combate Rock sempre exaltou a qualidade da banda e os enormes méritos artísticos do cantor Mario Linhares, mas precisa também ressaltar a colaboração de outros músicos fundamentais.

 

 

O conceito e muitas composições são de Linhares, mas as canções também têm a autoria dos guitarristas Glauber Oliveira e Hugo Santiago.

Oliveira assina toda a produção do álbum, da gravação à mixagem, que foram realizadas no Asylum Studios, em Brasília, terra natal da banda. A masterização ficou a cargo do sueco Tony Lindgren, um dos nomes estrelados da produção na Europa. A arte da capa é de autoria do artista gráfico francês Bernard Bitler.

 

 

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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