Topo

Com ‘Fora, Temer’, Prophets of Rage mantém legado do Rage Against the Machine

Combate Rock

24/05/2017 17h00

Flavio Leonel – do site Roque Reverso

O Prophets of Rage se apresentou no sábado, 13 de maio, no Maximus Festival, em São Paulo, e aliviou para muitos a falta marcante que o icônico Rage Against The Machine faz ao rock n' roll. Para um público ansioso para ouvir as canções politizadas e recheadas de atitude da sempre saudosa banda norte-americana da Califórnia, o supergrupo formado por membros do próprio RATM, do Public Enemy e do Cypress Hill mostrou que o legado de um dos conjuntos musicais mais conscientes da história está mantido, com direito até a uma manifestação do já tradicional "Fora, Temer" por parte do guitarrista Tom Morello.

Em tempos de uma onda conservadora preocupante que retorna ao mundo e que não deixa o Brasil passar ileso, a vinda do Prophets of Rage a um país comandado por uma classe política que promove diariamente alguns dos maiores retrocessos da história brasileira foi uma espécie de bálsamo momentâneo.

Durante pouco menos de 2 horas, os músicos trouxeram ao público presente no Autódromo de Interlagos uma seleção de músicas que fazem, sobretudo, pensar, algo raro para muitos setores da sociedade que parecem ser compostos por zumbis.

A formação do Prophets já impõe respeito: são os três integrantes do Rage Against The Machine (o baixista Tim Commerford, o guitarrista Tom Morello e o baterista Brad Wilk), mais dois membros do Public Enemy (DJ Lord e o rapper Chuck D) e o rapper B-Real, do Cypress Hill. A ausência do inquieto e fundamental quarto membro do RATM, o vocalista Zack de la Rocha, é algo que jamais passará despercebido pelos fãs da banda da Califórnia, mas o assunto aqui é dar sequência a um legado, pelo menos enquanto Zack não se junta novamente aos seus companheiros.

Logo após a matadora e contundente apresentação do Slayer no palco ao lado, qualquer show que viesse na sequência do Maximus Festival já traria uma enorme responsabilidade para a banda seguinte. No caso do Prophets of Rage, a legião de fãs do RATM ávidos pelas músicas do grupo eram o suporte necessário para a superbanda se sentir completamente à vontade no palco Rockatansky.

A sirene tradicional anunciou o começo do show em Interlagos. No palco, ainda na penumbra, os membros do Prophets of Rage apareceram com os punhos cerrados, que historicamente simbolizaram a resistência.

A faixa "Prophets of Rage", originalmente do Public Enemy, deu início à apresentação do supergrupo. Após a primeiro música, abre-se um desfile de canções do RATM.

Tom Morello (FOTO: MIDIORAMA/DIVULGAÇÃO)

A aguardadíssima "Testify" puxa a lista e é impossível não lembrar da abertura do show histórico do Rage Against The Machine no SWU em 2010. Não, aquilo jamais será repetido em solo brasileiro, pois foi simplesmente um dos maiores momentos da carreira do RATM. Mas que um gostinho foi dado em Interlagos, não há dúvida.

Zack de la Rocha não está lá no palco do autódromo paulistano e nem estará, mas Chuck D e rapper B-Real fazem a dupla de vozes distintas que complementam o trio do RATM. A despeito de a voz do primeiro ser absurdamente mais poderosa que a do segundo, há algo que se completa no palco entre os dois.

"Take the Power Back", "Guerrilla Radio", "How I Could Just Kill a Man" e"Bombtrack" formaram a sucessão de grandes músicas tocadas de uma vez só. Vale lembrar que "How I Could Just Kill a Man" é originalmente do Cypress Hill, mas ela foi gravada também pelo RATM no álbum de covers "Renegades", de  2001.

Durante a apresentação, sobressaiu demais a química do trio  Commerford, Morello e Wilk. Muito se fala das qualidades inquestionáveis de Morello, mas a "cozinha" bem feita entre o baixista e o baterista também é algo feito com a mais elevada categoria. E tudo numa seriedade e concentração impressionantes para grupos de rock.

A primeira sequência do RATM chegou a fim e foi sucedida por mais uma música do Public Enemy. Como bem disse Chuck D antes da canção, "Fight the Power" é um clássico. E, como tal, foi contemplada pelo público com grande respeito.

'Fora, Temer'

Foi no solo de "Fight the Power" que Tom Morello aproveitou para repetir um gesto que já havia feito dias antes na apresentação que o Prophets of Rage realizou no paulistano Audio. Com um papel colado nas costas da guitarra com o já tradicional "Fora, Temer", o guitarrista norte-americano mostrou mais uma vez que está muito ligado nos problemas brasileiros.

E nem tente arriscar e dizer que Morello é um oportunista ou um sujeito que não tem consciência e conhecimento das causas políticas.

Para quem não sabe, ele é formado em Ciência Política na Universidade de Harvard, onde chegou a graduação com honras. A mãe dele é professora universitária e o pai foi o primeiro embaixador do Quênia na Organização das Nações Unidas, além de ex-membro do Exército de Guerrilha Mau-Mau, que surgiu durante o processo de descolonização britânica do Quênia.

Desde sua formação até as letras que compôs com os colegas de Rage Against The Machine, o guitarrista cansou de provar que está sempre ligado a tudo que acontece de política no planeta. Sempre do lado dos resistentes às sacanagens que dominam o mundo, Morello já mostrou sua simpatia ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e não deixaria de trazer uma mensagem de protesto a um presidente que tem menos de 10% de aprovação da população brasileira, conforme os diversos institutos de pesquisa, e que vem promovendo alterações drásticas em algumas conquistas históricas do povo brasileiro.

Após Morello levantar a guitarra com o "Fora, Temer", o público correspondeu vibrando e gritando a frase. Ela chegou a ser ouvida em vários momentos durante todo o show, antes ou depois do protesto de Morello.

Rise Against

Em seguida, foi a vez do Prophets of Rage trazer uma cover do grupo MC5, feita na companhia de membros do Rise Against, banda que havia se apresentado minutos antes no palco Thunderdome, destinado exclusivamente a grupos de hardcore no Maximus Festival. Para executar a faixa "Kick Out the Jams", o vocalista Tim McIlrath e o guitarrista Zach Blair deram a força e foi interessante ver a união de ambos os conjuntos musicais.

Medley de rap

Após a canção do MC5, foi a vez do rap entrar totalmente em cena. Tim Commerford, Tom Morello e o baterista Brad Wilk saíram momentaneamente do palco, que ficou exclusivamente à disposição de DJ Lord, Chuck D e  B-Real. A partir daí, trechos de várias canções clássicas do rap foram cantados, com direito aos dois vocalistas descendo para o público e a se apresentando no meio do povo.

O medley em questão trouxe, por exemplo, trecho das faixas "Insane in the Brain", "Bring the Noise" e "Jump Around". Para o público presente, foi a maneira de ter contato com um estilo que cansou de entrar em parceira com o rock em várias oportunidades bem sucedidas desde a década de 80.

Parte final

Com a volta do descansado trio do RATM ao palco, o show continuou com novos clássicos da banda californiana. A trinca "Sleep Now in the Fire", "Bullet in the Head" e "Know Your Enemy" fez a alegria dos fãs e trouxe Tom Morello em solos inspirados e o público cantando em vários momentos a plenos pulmões.

Importante destacar a experiência gratificante que é ver o quanto Morello enriqueceu a experiência de tocar guitarra com os inúmeros efeitos elaborados com as mãos e com o cabo do instrumento. Mais uma vez, dentre tantas outras durante a apresentação, foi bastante clara a sensação de estar em frente a um músico diferenciado.

Após "Know Your Enemy", o Prophets of Rage apresentou a única faixa que não era cover do show. A sugestiva "Unfuck The World" manteve a vibração do público mesmo não sendo tão badalada quanto às músicas anteriores. De quebra, o público ficou sabendo que a banda vai lançar um disco próprio em setembro.

Houve espaço até para uma cover inusitada na sequência. "Seven Nation Army", do The White Stripes, foi executada de uma maneira reduzida, mas foi responsável para trazer ao show até o público do Linkin Park que esperava ansiosamente o grupo em frente ao palco ao lado.

As duas últimas músicas do show do Prophets foram nada menos que "Bulls on Parade" e "Killing in the Name". Ultraclássicos do Rage Against The Machine, ambas as canções encerraram a apresentação com chave de ouro.

A primeira, mesmo sem a intensidade que Zack de la Rocha sempre impôs nos shows do RATM ficou interessante, mas inegavelmente faltou um pouco de peso. A segunda, por sua vez, transformou a pista do Maximus Festival num centro de êxtase, fazendo o mais frio dos fãs pular e cantar a plenos pulmões do início ao fim. É o tipo de canção que faz o público colocar pra fora toda a indignação com as sacanagens da vida.

O saldo final da apresentação foi positivo. A vinda do Prophets of Rage foi importante para não apenas aliviar um pouco a ausência do necessário RATM, mas também para dar algum alento para um rock n' roll cada vez menos engajado politicamente. Em tempos conservadores que chegam a assustar, é gratificante a sensação de saber que há no estilo que gerou tantas reviravoltas no comportamento de gerações um grupo interessado em gerar algumas reflexões sobre detalhes perturbadores do mundo atual.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
Contato: contato@combaterock.com.br

Blog Combate Rock