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Slayer x Linkin Park: a intolerância e radicalismo infantil venceram de novo

Combate Rock

17/05/2017 06h50

Marcelo Moreira

Era para ser apenas mais um embate entre fãs de classic rock e uma molecada que gosta de bandas novas, ou de metaleiros tradicionais e apreciadores radicais de new metal, que faz tempo entrou em decadência. No entanto, tudo o que sobraram foram falta de educação e desrespeito.

O Maximus Festival, em São Paulo, está se firmando como um dos grandes eventos culturais e de entretenimento do Brasil, e provavelmente é o principal evento de heavy metal do país. Consegue conciliar – e agradar – todas as vertentes do rock pesado em seu elenco, ainda que o espaço para os artistas nacionais não seja o adequado.

Sua última edição, no último dia 13 de maio, foi bem-sucedida em todos os sentidos, exceto pelo estranhamento durante todo o dia entre fãs radicais de Linkin Park, geralmente mais novos, e do Slayer, geralmente mais fanáticos e mais intolerantes.

Não houve confrontos, não houve incidentes diretos, mas algumas pessoas se machucaram diante do excesso de energia dos fãs da veterana banda de thrash metal. Os fãs do Slayer não economizaram nas rodas de se abriram no público.

A empresa organizadora do evento não divulgou números a respeito de feridos e de atendimentos. Extraoficialmente, integrantes da organização disseram que nada ocorreu de anormal e que os atendimentos foram corriqueiros.

Houve alguma reclamação sobre a suposta "selvageria" e "violência" dos fãs do Slayer durante o show, mas o que impressionou mesmo foi a troca de farpas nas redes sociais.

Público lota o Maximus Festival, no autódromo de Interlagos (FOTO: DIVULGAÇÃO/ FACEBOOK)

O material a respeito dos feridos é farto no Facebook e no twitter, com adeptos do Linkin Park exibindo escoriações, resultados de pancadas e chutes. Houve até uma menina que mostrou a perna quebrada, engessada e com as varetas de metal afixadas, garantindo que se machucou no festival.

E o que se viu foi um festival de barbaridades, com muitos dos fãs de metal "true" e "old school" despejando ódio, grosseria e completo desrespeito com as pessoas feridas.

O Combate Rock entrou em contato com pelo menos cinco pessoas que alegam que foram machucadas no Maximus Festival, uma delas conhecida da menina que quebrou a perna, embora não estivesse ao lado dela no momento.

Os relatos até foram condescendentes a respeito da excitação dos fãs do Slayer e da forma como se expressam normalmente em seus shows. Já esperavam por isso e até mesmo relevaram os empurrões, mão e cotovelos que "sobram" durante a violenta música da banda de thrash.

O problema foi a hostilidade para com os fãs do Linkin Park, tratados como inimigos e seres de segunda classe, como se pertencessem a uma gangue rival, ou fosse adeptos de uma religião "incompatível". Foram muitos os xingamentos e as grosserias trocadas, coisa que continuou nas redes sociais nos dias seguintes.

Não bastassem as postagens irônicas a respeito do "tipo" de roqueiros que curtem Linkin Park, houve mesmo estímulo e incentivo a comportamentos violentos, com zombarias dos ferimentos e louvando as pancadarias que eventualmente tenham ocorrido.

E aí vem aquela linguagem típica de jogo de futebol, de torcidas organizadas, afirmando coisas estúpidas como "Isso é show do Slayer, se não aguenta fica em casa"; "som do Slayer é porrada, e varre qualquer som de mocinha e menininha de new metal e porcarias outras", e por aí vai.

Esse "embate" inacreditável e inaceitável diz muito sobre o que pensam e como se comportam muitos roqueiros brasileiros em pleno século XXI. Querem a todo momento reviver os dias de luta oitentistas, quando ser roqueiro – e ainda mais, ser fã de metal – era um ato de coragem e uma grande aventura, com enfrentamentos diversos, seja com a polícia, com punks, com gangues rivais de metaleiros…

Seria até bonitinho se isso não passasse de uma atitude isolada, típica para ser retratada em uma tese antropológica ou sociológica obscura. Entretanto, carece completamente de sentido em termos de comportamento.

Zombar de gente que se machucou feito por conta de manifestações mais agressivas de fãs de uma banda mais porrada é um sintoma de um comportamento infantil e doente, que revela uma intolerância destituída de inteligência e de qualquer sentido lógico.

Ao contrário do que muitos imaginavam, o comportamento de torcida organizada de futebol, que louva a violência e selvageria, nunca foi extirpado nos nossos festivais de rock.

Enquanto as facções ficavam em seus guetos nos estádios e arenas, as coisas corriam bem – e ainda correm, diga-se de passagem.

No entanto, os grupelhos sempre estiveram à espreita, sempre driblando a extinção e sempre dispostos a disseminar uma revolta infantil e um ódio lamuriento, como se isso fosse combustível para manter em alta uma causa qualquer, seja qual for.

Slayer no maximus Festival (FOTO: ROQUEREVERSO/FLAVIO LEONEL)

Zombar e tripudiar sobre vítimas de um show de rock é o mesmo que vibrar com a morte de motociclistas nas Marginais do Tietê e do Pinheiros, por mais que estes sejam infratores. É uma cultura de raiva e de intolerância que desafia qualquer tentativa de discernimento.

Pior ainda, demole os argumentos de muitos roqueiros dizendo que festivais de rock não apresentam ocorrências como brigas e confrontos, como supostamente ocorreriam em eventos de sertanejo e rap.

Em nem se trata mais de ficar batendo na tecla da união entre roqueiros ou mesmo de respeitar a diversidade. é uma questão básica de tolerância às opiniões diferentes na música e na vida.

Não é por outro motivo que vemos uma polarização política radical na atualidade, com pouca ou nenhuma tolerância a petistas ou a apoiadores de gente de direita, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

Tolerância e respeito são a base da convivência social no século XXI eivado de fundamentalismo e radicalismos. Não se pode impedir ninguém de desprezar quem quer que seja, mas daí a vibrar com ferimentos infligidos aos "oponentes" já se torna um caso grave de patologia social.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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