Fartura de livros sobre o Kiss traz redenção, alguma história e muita roupa suja
Marcelo Moreira
Você quer o melhor? Então terá o melhor, e em várias opções. os fãs do Kiss não podem reclamar da literatura sobre a banda nas livrarias brasileiras. Além dos cinco títulos disponíveis, mais deve chegar em breve: "No Regret", a autobiografia do guitarrista Ace Frehley, que promete lavar roupa ainda mais suja em público do que fizeram Paul Tanley e Peter Criss.
O livro ainda não tem título ou versão em português, mas duas editoras brasileiras estão negociando uma tradução e uma edição nacional até o final do ano.
Em constantes reedições, os outros livros têm tido vendas consistentes, o que garante lugar de destaque nas prateleiras de grandes livrarias.
Todos têm suas qualidades, mas infelizmente alguns pontos negativos são tão incisivos que acabam por ofuscar um pouco o que interessa, que é a música e a história da banda.
Dos cinco à disposição, o mais interessante é a autobiografia do guitarrista Paul Stanley, escrita em colaboração com o jornalista e escritor Tim Mohr – "Paul Stanley – Uma Vida Sem Máscaras" (Ed. BelasLetras).
Direto, sem firulas e com certo estilo, o menino judeu pobre do Queens, bairro de Nova York, conta todos os traumas e os preconceitos que sofreu por conta de uma deformação de nascença na orelha direita, chamada microtia.
Ele abre o livro com esse problema, fato que definiu a sua existência e que moldou a sua personalidade, ao lado da indiferença dos pais e dos problemas mentais que a irmã mais velha apresentava.
No entanto, pé no chão e sincerão, narra com detalhes o relacionamento turbulento com o parceiro de 45 anos Gene Simmons, o baixista cofundador da banda, que é alvo de severas críticas, que vão do comportamento egocêntrico à problemas éticos nos negócios.
No entanto, as vítimas preferidas são o ex-baterista Peter Criss e o ex-guitarrista Ace Frehley, ambos demitidos duas vezes do Kiss.
Stanley pega pesado e chama Criss de baterista inepto e incapaz de aprender canções um pouco mais complicadas, para não falar do que considera "complexos" de inferioridade e, sem meias palavras, de burrice – Criss era muito mais vellho que o restante da banda e pouco instruído. Jeca é um dos adjetivos suaves.
Em relação a Frehley, Stanley é mais condescendente: guitarrista solo talentoso e maluquinho, caiu como uma luva na banda, mas se perdeu ao mergulhar fundo em todo tipo de droga e na bebida.
"Makeup to Breakup – Minha Vida Dentro e Fora do Kiss" (Ed. Lafonte) é a versão de Criss para sua passagem pelam banda e pelas dificuldades fora dela. Foi escrito em colaboração com o jornalista Larry "Ratso" Sloman.
Menos rebuscado e com uma prosa destituída de estilo, o baterista bate pesado em Gene Simmons e Paul Stanley, "controladores, egocêntricos e preconceituosos", mas reserva palavras ternas para Ace Frehley, ainda que tenha rompido com o ex-guitarrista definitivamente neste século XXI acusando-o de traição – na última passagem dos dois pelo Kiss, no começo dos anos 2000, soube que o então amigo ganhava mais que ele naquela turnê da banda.
Se Stanley é sincero até demais a respeito dos relacionamentos ruins dentro da banda e fala de forma sóbria sobre sua vida frugal fora da banda, Criss vai mais além e conta detalhes escabrosos de seus excessos com drogas e bebida, de como faliu duas vezes e de como arruinou namoros e casamentos.
Apesar do texto rude e direto, Criss consegue inserir bom humor em muitas passagens, especialmente quando tocava em espeluncas no começo da carreira e nos primeiros anos do Kiss.
"Eu, S.A.", de Gene Simmons, é divertido e interessante, mas tem muito pouco de Kiss – e, a julgar pelo tema, não passa de fantasia, se levarmos em conta o que está escrito nos dois livros anteriores.
Tido como gênio do marketing e do entretenimento, Simmons mostra, no livro, como se tornou um empreendedor bem-sucedido e de como "liderou" o Kiss no caminho do estrelado – em resumo, em como conduziu a banda a se tornar um colosso financeiro e uma mina de dinheiro mesmo em tempos de vacas magras.
É um pequeno manual de auto-ajuda empresarial – para quem acredita em tal coisa, é claro. Stanley faz piada de tais "competências" do companheiro. É de longe o mais chatinho e fraco das obras relacionadas ao Kiss.
"Sempre me irritou essa mania de Gene ser considerado externamente como gênio do marketing e o cérebro por trás da explosão do Kiss. isso não é verdade, por mais que ele se aproprie de tal coisa. Muitos dos produtos associados à banda foram criados externamente, sem nenhum envolvimento nosso. E a maioria das ideias de gestão e de como evoluir a banda foram minhas e de nosso primeiro empresário, Bill Aucoin", esbraveja Stanley.
As duas biografias disponíveis além dos livros autorais têm um grande pecado: são biografias "autorizadas", escritas pelo mesmo autor, o jornalista Ken Sharp, intimamente ligado à máquina da banda e muito amigo de Simmons e Stanley.
"Kiss – Por Trás da Máscara – A Biografia Oficial Autorizada" (Ed. Nacional), teve a rigorosa supervisão dos dois donos do Kiss.
Sharp e o autor, David Leaf, foram corretos e minuciosos ao reconstituir os principais fatos relacionados à banda, mas, é óbvio, subestima, e muito, as contribuições e a importância de Criss e Frehley.
Quando os dois saíram pela primeira vez, no começo dos anos 80, a narrativa se torna um boletim oficial da versão de Simmons e Stanley, e a história perde fôlego. No entanto, é um bom retrato da história da banda.
Finalmente, "Nothing to Lose – A Formação do Kiss – 1972-1975" (Ed. Benvirá) é um derivado do livro anterior. Desta vez, Ken Sharp tem como coautores Simmons e Stanley, e foi escrito de um modo preguiçoso, em forma de depoimentos e declarações, sem contextualização ou análise.
Vale como fonte de informação e consulta, mas peca no formato e como literatura em si. Com uma sucessão de depoimentos atropelados e sem um fio condutor, o leitor fica perdido e acaba tendo problemas para localizar quem é aquele produtor ou engenheiro ou amigo de alguém que deu o depoimento lá atrás, no começo.
De qualquer forma, os fãs e curiosos pela história da banda são felizardos pela quantidade de obras à disposição – em português, provavelmente só Beatles e Bob Dylan têm mais livros do que o Kiss, o que não é pouca coisa.
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