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Virada Cultural sai do centro de SP porque 'incomoda a população'

Combate Rock

06/12/2016 06h36

Marcelo Moreira

Público lotou a avenida São João para ver os veteranos roqueiros (FOTO: LEANDRO CHAPELLE/DIVULGAÇÃO/VIRADA CULTURAL)

Público lotou a avenida São João para ver os veteranos roqueiros do Uriah Heep em 2014 (FOTO: LEANDRO CHAPELLE/DIVULGAÇÃO/VIRADA CULTURAL)

Os piores temores se confirmaram. O total desrespeito à cultura e ao entretenimento tomou forma com a dizimação da Virada Cultural Paulistana, em anúncio realizado pelo prefeito eleito João Doria Júnior (PSDB), que toma posse em 1º de janeiro.

O Combate Rock já alertava para o completo desprezo pelos temas no programa de governo do então candidato tucano, além da ausência de planos para as duas áreas – cultura e entretenimento – na propaganda política em rádio, na TV e nas entrevistas à imprensa. Diga-se de passagem que esse panorama, na campanha, era igual em todas as candidaturas.

Nos bastidores do processo eleitoral, já se percebia que que a cultura estava longe das prioridades do novo prefeito de São Paulo. Com o novo formato da Virada Cultural, confinada ao autódromo de Interlagos por 24 horas -, Doria destruiu um dos projetos mais interessantes implantados no Brasil em toda a sua história com um intuito de oferecer entretenimento gratuito a milhões de pessoas.

Com uma enorme cara de pau e desfaçatez, o prefeito eleito, em uma entrevista coletiva, afirmou que o "confinamento" da Virada Cultural em Interlagos atende a requisitos de "segurança". E arrematou, para delírio dos que temem o povo e tem ojeriza a eventos gratuitos, dizendo que, com o futuro formato, "não haverá mais incômodo para a população paulistana".

"[O evento em Interlagos] Não incomoda a população, não tem adensamento populacional em volta, tem os trens que vão funcionar 24 horas da CPTM, tem as linhas de ônibus que vão ser colocadas, exclusivamente, saindo do centro da cidade, Praça da Sé, Vale do Anhangabaú, Largo do Arouche, mais outros 2 pontos para permitir o acesso das pessoas à Virada Cultural", disse o prefeito na entrevista.

Como assim, "incômodo"? Então é assim que o futuro prefeito enxerga eventos culturais gratuitos e plurais? É assim que ele vê a chegada de habitantes da periferia e da Grande São Paulo ao centro da capital, como um "incômodo"?

Para finalizar, o nobre prefeito eleito informou que ações culturais espalhadas pelos bairros serão reformuladas, com sua programação diminuída de 24 horas para 12 horas, em formatos menores e mais "condensados".

A administração nem começou e já pode ser qualificada como péssima, praticando um atentado ao bom gosto e á cultura de um modo geral. Com a destruição da Virada, pode-se esperar também o fim de eventos massivos e gratuitos como o Rock na Praça e o Rock na Casa.

O empresário que só pensa cifrões e privatizações ignora os benefícios e a qualidade dos eventos como a Virada Cultural. Ainda que ocorram problemas – e sempre ocorrem, dada a magnitude do evento -, são insuficientes para inviabilizar a sua realização.

O esforço de organização é monumental, e totalmente passível de críticas. No entanto, a Virada Cultural tornou-se uma parte importante e fundamental do calendário de São Paulo, transformando-se em um chamariz turístico sensacional, levando vida ao centro degradado da capital e mostrando que cultura é crucial para a população.

Repetindo: sabemos que a logística da Virada é complicada, implicando um esquema monumental de segurança e uma discussão importante sobre a contratação de artistas e empresas para colocar tudo de pé.

Só que não tem preço ver milhões de pessoas zanzando pela madrugada no centro da cidade, fazendo festa e curtindo. As edições anteriores são a prova de que funciona, mesmo com eventuais problema de infraestrutura e segurança. E duvido que Doria consiga apresentar uma só pesquisa de credibilidade que mostre insatisfação do paulistano com o evento.

João Doria Júnior decidiu transformar a Virada Cultural em uma imensa quermesse bem longe do centro, dando razão aos críticos que o acusam de querer "higienizar" a capital.

O autódromo de Interlagos não só é muito longe como totalmente fora de mão, para não falar da falta de transporte público no atendimento ao local e nas condições precárias de acesso no caso de quem vai de carro.

Quem já esteve no local em algum festival recente de música é testemunha: se a coisa é complicada para receber 60 mil, 70 mil ou até 100 mil pessoas, imagine então no caso de um evento gratuito que pode ter público na casa de 1 milhão de pessoas, por baixo? O autódromo serve para corrida de carros, e só.

A transferência atabalhoada e improvisada da Virada Cultural para Interlagos é uma irresponsabilidade administrativa, que pode sair muito mais cara aos cofres públicos, entre outras coisas.

O prefeito eleito garante que vai oferecer completa estrutura de transporte público, embora não tenha ideia de como isso será feito, já que a estação na linha de trem da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos) mais próxima fica a mais de dois quilômetros de distância e, para colocar ônibus suficientes à disposição, terá de entupir as vias do bairro, com o trânsito impedido nas principais artérias.

A próxima administração, antes de assumir, já aniquilou o maior e principal evento cultural da cidade. Se alguém tinha dúvidas sobre a importância da cultura e do entretenimento na agenda do próximo prefeito, o fim da Virada acabou com todas elas.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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