A arte de de sair de cena deveria ser motivo de celebração no rock
Marcelo Moreira
Todos eles deveriam morrer antes de ficarem velhos. Deveriam ter morrido antes de ficarem velhos. Mas se recusaram. Buscaram a eternidade, mesmo que na forma de lendas, mas isso não foi o suficiente. Querem ser imortais, mesmo já sendo. Só que insistem, em uma comovente e inglória batalha contra o tempo e a própria saúde. Muitos foram e voltaram, ignorando o impacto negativo, mas demonstrando coragem. No entanto, nem todo mundo é B.B. King, que ficou em cima do palco até os 88 anos de idade.
O fim da banda precisa celebrado como uma grande homenagem a artistas que estiveram em ação por 47 anos. É uma demonstração de respeito a uma das maiores bandas de todos os tempos e que reconhece que é hora de parar, principalmente por questões físicas, de saúde.
E é bom lembrar que o Sabbath é uma das pouquíssimas bandas que nunca encerraram a carreira (ao lado de Rolling Stones, Iron Maiden, Metallica, U2 e alguns outros). Houve longos hiatos, mas nunca um anúncio oficial de fim – para, constrangedoramente, anunciar um "retorno" poucos anos depois, como The Who, Allman Brothers, Lynyrd Skynyrd e tantos grupos por aí…
Celebremos a saída de cena do Black Sabbath antes que virasse uma comédia sem graça. A volta de Ozzy Osbourne foi um "sopro de vida", mas a sabedoria prevaleceu e o "sopro" mostrou que ainda havia inspiração e vontade para fazer ao menos um último bom álbum.
Certa comoção com a confirmação de que o Black Sabbath vai terminar após a futura turnê ocorre porque havia a esperança de que durasse pelo menos mais alguns anos, talvez até com um novo álbum. A percepção de que o prolongamento desnecessário de uma maravilhosa carreira, na verdade, é a grande notícia neste caso.
O Sabbath é o mais recente da fila de veteranos que finalmente decidiram pela aposentadoria, ainda que não imediata. The Who deve parar oficialmente no segundo semestre de 2016. Almann Brothers já parou, depois de quase 30 anos de sua volta – e 49 anos de fundação.
O Pink Floyd finalmente foi sepultado com as recentes declarações de David Gilmour; o Yes não deve durar muito mais após a morte do "dono", Chris Squire; o Judas Priest está dando adeus às turnês; o Gong acabou com a morte de seu líder, Daevid Allen, aos 76 anos; Status Quo já está reduzindo bem as suas atividades há dois anos.
Mesmo os intermináveis Rolling Stones não estão imunes a essa onda – embora pareçam estar. Também septuagenários, já admitem de forma mais aberta que talvez possa não haver outra turnê além da atual.
Charlie Watts, o mais velho da atual formação, tem de 75 anos e tem sido a principal voz a se opor a turnês longas desde o começo dos anos 2000. Nas poucas declarações que deu à imprensa nos últimos anos, foi bem claro que não consegue enxergar os Stones na estrada nos próximos anos – estrada infindável que já dura 54 anos de atividade direta.
Outras exceções ainda desafiam o tempo, mas não por muito tempo. Deep Purple está em forma e com agenda lotada no mundo todo, mesmo com Ian Gillan (vocais) e Roger Glover (baixo) já com 71 anos de idade. Mas não tenhamos ilusões: são a exceção das exceções.
Iron Maiden e Saxon estão batendo nos 40 anos de atividade e os problemas de saúde chegaram. Bruce Dickinson, cantor do Iron, quase sessentão, enfrentou recentemente um câncer na língua; Biff Byford, vocalista do Saxon, tem problemas de coluna, embora não tenha cancelado shows por isso.
Kiss, U2 e Metallica, outros gigantes que ainda dominam o rock internacional, ainda demonstram grande vigor, mas o relógio avançou bastante para eles: os mascarados estão há 45 anos ralando pelos palcos do mundo; os irlandeses do U2, há 39; os antes ferozes integrantes do Metallica, há 35.
Em um mercado musical completamente modificado, onde a música ficou gratuita e menos valorizada, saber sair de cena é cada vez mais uma arte difícil de abordar. O Black Sabbath o faz com dignidade e respeito, e isso deve sim ser brindado e celebrado.
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