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O adeus do Hangar 110 e o fim de uma era no underground paulistano

Combate Rock

21/10/2016 07h00

Marcelo Moreira

vista geral do palco do Hangar 110 (FOTO: ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK HANGAR 100)

vista geral do palco do Hangar 110 (FOTO: ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK HANGAR 100)

A notícia até que não foi surpreendente, apesar de de triste e meio revoltante. Em meio a uma balada nesta quarta-feira, 19 de outubro, o proprietário do Hangar 110, Marco Badin, o Alemão (ex-integrante da banda Anarcoólatras), subiu ao palco para celebrar os 18 anos de atividade da casa do Bom Retiro, na zona central de São Paulo, mas chocou quem estava lá ao dizer que 2017 será o último ano de funcionamento. No segundo semestre do ano que vem, a casa fecha.

Em um vídeo que circula pelas redes sociais, de menos de dois minutos, Alemão agradece todo o apoio que teve durante os 18 anos, mas revela que a crise pegou forte na área do entretenimento, mas que também as mudanças de comportamento do público afetaram diretamente a decisão de fechar o estabelecimento.

"As coisas estão bem difíceis, ainda estamos lutando, mas tá complicado. Quando abrimos a casa, as pessoas montavam bandas para se divertir; hoje, montam só para fazer sucesso. A internet trouxe coisas boas, mas, por outro lado, tornou o público mais acomodado, que prefere ver show no computador do que sair de casa. Então, o ano que vem será a última temporada do Hangar", disse Alemão.

Palco histórico 

Pequeno, apertado, incômodo, mas muito intenso. O Hangar 110 é o único resquício de underground oitentista dentro da cultura pop nacional no século XXI. É o que mais se aproxima de locais mágicos e cultuados como as casas paulistanas Napalm e Ácido Plástico – e, até certo ponto, Madame Satã e Rose Bom Bom, todas elas ícones da juventude dos anos 80.

O anúncio de que o Hangar 110 vai fechar é uma tragédia para quem costuma estar atento a novidades, a frequentar o ubderground e perceber o mundo underground como necessário e fonte primordial de criatividade e como alternativa à pasteurização da música – e da cultura como um todo.

O fim do reduto cult do Bom Retiro, em meio a uma região degradada, encerra uma era de luta libertária, ainda que solitária e quixotesca, de um bando de inconformados e inimigos do comodismo. O clichê aqui é pertinente: é (até o seu fechamento definitivo) um bastião de resistência, ainda que haja pouca disposição para qualquer tipo de revolução.

A casa foi importante para o surgimento de uma nova onda de rock alternativo e de uma emergente cena hardcore vrasileira. Passaram pelo local bandas como Dead Fish, Hateen, Street Bulldogs, CPM 22, Nx Zero, Holly TREE, Gritando HC, Blind Pigs, Dance Of Days, Sugar Kane e muitos outros, sem falar nos fantásticos shows de banda consagradas, como Ratos de Porão.

Justamente por ser alternativa, abrigou também turnês internacionais improváveis de bandas de death e black metal, além de  nomes consagrados do punk e do hardcore, como The Varukers, The Exploited e G.B.H. (UK), Agnostic Front (USA), Stiff Little Fingers (Irlanda), Força Macabra e Riistetyt (Finlândia).

Com fácil acesso – perto da estação Armênia do metrô, e também da avenida Tiradentes, que liga o centro à zona norte -, o Hangar 100 parecia imortal, tamanha é sua identidade com os roqueiros paulistanos. Tinha se tornado um patrimônio cultural da cidade.

Uma era de trevas

Por ironia, o anúncio de seu desaparecimento coincide e se torna emblemático de um tempo onde o conservadorismo político, econômico e social ganha cada vez mais força após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e das vitórias de candidatos em todo o país, nas eleições municipais, pouco afeitos a questões culturais.

Entretanto, observando por outro ponto de vista, não é coincidência, infelizmente, que a saída de cena do Hangar 110 aconteça em um momento em que o governo agora comandando pelo PMDB insista em medidas de contenção e limites de gastos da administração federal cujas consequências perigosas e mais nefastas sejam a diminuição dos investimentos em educação e na saúde – e a consequente redução de seus orçamentos anuais.

O fim do Hangar 110 é uma derrota coletiva de quem gosta de boa música, mas também de diversidade, versatilidade e de posturas alternativas e democráticas. Com todos os seus defeitos, o lugar era único, já que justamente os seus defeitos davam significado aos termos alternativo e underground.

Só ali era possível uma comunhão de povos distintos, mas que faziam questão de colocar o respeito acima de qualquer coisa. Só ali era possível ver bandas pesadas, de todos os matizes, que de outra forma jamais poderiam se apresentar em outro lugar de São Paulo.

O único lugar verdadeiramente underground de São Paulo vai fechar. Perdemos todos nós. De novo.

Leia a nota oficial da administração do Hangar 100 publicada no Facebook:

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

Sobre o Blog

O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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