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Camisa de Vênus, a nova vítima do prazer mórbido de vibrar com o fracasso

Combate Rock

25/07/2016 07h00

Marcelo Moreira

O Camisa de Vênus em ação no

O Camisa de Vênus em ação no "Domingão do Faustão" (FOTO: REPRODUÇÃO/TV)

Era para ser apenas mais um bom momento de uma banda que caminha para os 35 anos de carreira. Afinal, tocar ao vivo no "Domingão do Faustão", da TV Globo, ainda rende uma exposição monstruosa, ainda que alguns critiquem a conveniência de aparecer em tal atração televisiva.

E o velho bordão "quem sabe faz ao vivo", do apresentador Fausto Silva, se voltou contra a sarcástica e debochada Camisa de Vênus, uma das bandas mais antissistema do rock nacional oitentista.

Durante sua aparição no programa, neste domingo (24), o grupo se perdeu em algumas passagens do hit "Eu Não Matei Joana D'Arc" – o vocalista Marcelo Nova, experiente e um artista com completo domínio de palco, errou a letra.

Foi o suficiente para que o grupo e o cantor fossem bombardeados nas redes sociais com críticas, ironias e gozações. No mundo onde os memes viram atração imediata, não há muito o que fazer em relação à repercussão de deslizes.

O que assusta e intriga, no entanto, é a virulência e a negatividade dos comentários: cresce, e muito, a quantidade de gente que vibra e torce pela desgraça generalizada. É o cara que torce para que haja acidente e morte em provas de Fórmula 1, para que o ginasta quebre o pescoço quando salta da barra fixa, que o surfista seja tragado e engolido por uma onda gigante.

Marcelo Nova não foi o primeiro a esquecer a letra de uma música em pleno show. Pergunte a qualquer cantor de ponta e ele terá na ponta da língua o dia, mês e ano de quando aconteceu um "desastre" – e a forma de como contornou a questão.

Quantas vezes Mick Jagger não enrolou a letra em alguma apresentação transmitida pelo rádio? E o que dizer de Robert Plant então, quando das intermináveis apresentações do Led Zeppelin nos palcos norte-americanos?

Nova não merece a agressividade de que foi alvo neste domingo. Ainda que muitas vezes tenha tido uma postura desdenhosa nos palcos e em relação a fãs, coisa que às vezes beirava a arrogância, trata-se de um profissional conceituado e respeitado dentro da música brasileira.

Não é só a vibração pelo deslize ocorrido ao vivo, e nem só a torcida para que tal coisa ocorra: é o desejo sincero de que o outro se estrepe, em um vodu coletivo à espera da desgraça, como se o mundo de certas pessoas se resumisse uma sequência interminável de videocassetadas.

Obviamente que não foi a primeira e nem será a última gafe ao vivo. Entretanto, certamente os problemas do Camisa ficarão marcados como mais um evento que serviu de estopim para que a cultura do ódio e da valorização da desgraça aflorasse.

Marcelo Nova vai tirar de letra e seguir em frente. Provavelmente vai ignorar os haters e zoar com os tontos que se deram ao trabalho de criticá-lo e de tripudiar sobre o erro.

A questão que fica é a seguinte: estamos "evoluindo" para uma cultura do ódio simplesmente pelo ódio. "Quem vou sacanear hoje?" "Deixe-me procurar alguém para odiar e massacrar hoje."

O prazer mórbido de torcer e presenciar a desgraça em muitos casos é uma questão patológica, uma manifestação de um distúrbio psicoemocional que pode ser grave. No entanto, parece que é uma patologia altamente contagiosa, especialmente na internet.

Mais à noite, no próprio domingo, Marcelo Nova deu a sua versão em uma rede social sobre ocorrido, cheia de sarcasmo e ironia, como se poderia esperar:

""Estou surpreso com as reações de cunho emocional na internet discutindo o fato de que entrei atrasado na interpretação de uma canção durante um programa de televisão. Ora bolas, sejam adultos e sejam fortes, pois é necessário encarar a verdade. E a verdade nos mostra que foi como Marlon Brando esquecendo uma fala, como Jimi Hendrix desafinando, como Pelé perdendo um gol, ou Einstein errando uma equação. A vida é dura, meninos, mas vamos em frente pois tenho certeza que unidos superaremos esse trauma."

Veja o Camisa de Vênus no Perdidos na Noite, de Fausto Silva, nos anos 80.

Sobre os Autores

Marcelo Moreira, jornalista, com mais de 25 anos de profissão, acredita que a salvação do Rock está no Metal Melódico e no Rock Progressivo. Maurício Gaia, jornalista e especialista em mídias digitais, crê que o rock morreu na década de 60 e hoje é um cadáver insepulto e fétido. Gosta de baião-de-dois.

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O Combate Rock é um espaço destinado a pancadarias diversas, com muita informação, opinião e prestação de serviços na área musical, sempre privilegiando um bom confronto, como o nome sugere. Comandado por Marcelo Moreira e Mauricio Gaia, os assuntos preferencialmente vão girar em torno do lema “vamos falar das bandas que nós gostamos e detonar as bandas que vocês gostam..” Sejam bem-vindos ao nosso ringue musical.
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