'I Still Do', de Eric Clapton, faz das sutilezas o seu grande trunfo
Marcelo Moreira
Eric Clapton decidiu curtir a vida depois que anunciou uma drástica redução nas turnês, em 2014. Relaxado e com a alma leve, como disse em recente entrevista, o genial guitarrista inglês tem todo o tempo do mundo para finalmente curtir a sua música.
Aos 71 anos, sua preocupação é de divertir no estúdio. Em "I Still Do", que será lançado mundialmente nesta sexta-feira (20), o astral lá em cima, com Clapton esbanjando competência e felicidade. É um disco leve e emotivo, sem que transpareça aquela necessidade de criar algo grandioso ou eloquente, como em "Clapton", de 2010, e "Old Sock", de 2013.
A decisão de praticamente se aposentar não surpreendeu. Cada vez mais alheio ao chamado negócio da música, percebeu, ainda que tardiamente, que precisava viver um pouco mais com suas filhas mais novas, hoje adolescentes.
Nas recentes entrevistas concedidas à imprensa inglesa, ele já revelava sua predileção por temais amenos, que valorizassem sua execução pelas sutilezas e pelos timbres mais limpos e serenos, com solos precisos e cirúrgicos.
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A opção por um som mais acústico, ou menos eletrificado, acabou se adequando perfeitamente a essa fase de sua vida. O blues sempre estará lá, nos solos e nos dedilhados não tão virtuosos, mas agora há mais espaço para o jazz, para o folk e para country.
Enquanto "Old Stock" era mais country-folk e "Clapton" se sustentava em temas mais jazzísticos e vintage, "I Still Do" é mais blues, com riffs delicados e econômicos, mas entremeados com solos emocionantes, como na bela "Spiral" e na tradicional "Alabama Woman Blues", onde o músico retoma uma execução primorosa digna dos seus melhores dias.
A versatilidade e a variedade de gêneros musicais pode ser percebida em "Catch the Blues", a primeira música divulgada, que parece ser um resgate do trabalho que desenvolveu com o o guitarrista e cantor J. J Cale, morto em 2013.
A delicadeza dos acordes e as belas participações das cantoras Michelle John e Sharon White não tiram a beleza de sua simplicidade, colocando a balada country-folk como um dos destaques do trabalho.
Sentindo-se em casa, Clapton volta a trabahar com velhos amigos, como o veterano produtor Glyn Johns (The Who, Rolling Stones, Eagles), o guitarrista Andy Fairweather-Low (que já trabalhou com Pink Floyd e Roger Waters) e o baterista Henry Spinetti, habitual colaborador nos anos 70.
Outro veterano que faz m trabalho primoroso é Paul Carrack, que brilha no órgão Hammond, com a grande contribuição de Chris Stainton nos teclados, outro ex-integrante da banda do guitarrista nos anos 70 e 80.
Todo esse povo consegue de forma magistral resgatar o clima de Nova Orleans no blues climático e denso "Cypress Love", uma canção antiga de Skip James.
O guitarrista volta à tradição nas faixas "Little Man, You've had a Busy Day", onde ele esbanja técnica e feeling somente ao violão, e na revisitada "Stones in My Passway", uma das grandes contribuições de Robert Johnson ao blues. Nesta ele combina uma guitarra distorcida e suja e um violão seboso e malandro, bem no clima de beira dce estrada.
O final do álbum mostra uma rara beleza melancólica nos trabalhos do guitarrista. Clapton revisita Bob Dylan na quase gospel "I Dreamed I Saw St. Agostine", com um diálogo bluesy entre a delicada guitarra e o piano sutil e discreto de Stainton, enquanto a guitarra passeia por arranjos simples e econômicos.
"I'll Be Alright" também abusa do piano em sua introdução e o mantém como fio condutor de uma canção tradicional norte-americana, servindo de cama para um arranjo de inspiração gospel/natalina. Talvez por não se destacar em uma versão mais criativa, poderia perfeitamente ter ficado de fora.
"Somebody's Knocking" é a segunda canção do amigo J.J. Cale no disco, e recebe um tratamento reverente, assim como "Can't Let Do It". Nas duas, entretanto, fica clara a intenção de emular o groove e o suingue típicos das gravações dos anos 70 – de suas próprias e as do amigo morto.
O álbum perde um pouco do fôlego, já que "Somebody's Knocking " é apenas uma versão correta, mas sem as surpresas que as versões de Clapton para as canções de Cale costumavam revelar.
Na última canção, o guitarrista dá uma recuperada na inspiração, ao fazer uma releitura comovente balada sentimental "I'll Be Seeing You", da dupla Sammy Fain e Irving Kahal.
Com um começo entusiasmado e um final melancólico, mas bonito, Eric Clapton presta mais uma homenagem ao cancioneiro popular e tradicional norte-americano, assim como havia feito em "Old Stock".
A habilidade de interpretar e arranjar músicas com tamanho sentimento e transformá-las em obras de raro conteúdo sentimental continua sendo uma das grandes características de Clapton, que fica cada vez mais evidente quando ele decide revisitar o passado, mas com uma abordagem única de sua guitarra genial e especial.
"I Still Do" é uma obra que, de certa forma, condensa de forma satisfatória 53 anos de carreira e quase todas as influências do músico. Com sabedoria e inteligência, Clapton expõe as sutilezas e explora sonoridades antigas em busca de texturas um pouco diferentes.
É um álbum onde as sutilezas se tornam, paradoxalmente, as protagonistas, dentro de um apuro instrumental e de um bom gosto nos arranjos raro hoje em dia. É nas (e pelas) sutilezas que esse ótimo álbum deve ser apreciado e absorvido.
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