Uma crônica gaúcha dos Replicantes contra o Ultraje a Rigor
da equipe Combate Rock
Carlos Gerbase é um dos grandes artistas do cenário alternativo brasileiro dos anos 2000. Diretor de cinema e especialista em comunicação audiovisual, é um profissional requisitadíssimo no sul do Brasil, em especial no Rio Grande do Sul.
Nos anos 80, antes de encarar a bem-sucedida carreira cinematográfica, Gerbase tocou bateria no importante grupo gaúcho punk Os Replicantes, que emplacaram apenas um hit, o famoso "Surfista Calhorda" – a banda ainda tinha o cantor Wander Wildner.
De certa forma afastado do cenário roqueiro nacional, de vez em quando ele participa de jam sessions em Porto Alegre e de algumas apresentações comemorativas de sua antiga banda.
Aparentemente, o ex-baterista e atual cineasta não se conteve quando soube das queixas que Roger Rocha Moreira, do Ultraje a Rigor, sobre o suposto tratamento ruim recebido pela banda quando da abertura do show dos Rolling Stones no Rio de Janeiro, no último sábado.
Usando as redes sociais, Gerbase contou uma história pouco edificante a respeito de como Os Replicantes foram tratados nos anos 80 quando abriram para o mesmo Ultraje em Porto Alegre – leia a seguir.
Do Ultraje, o guitarrista Marcos Kleine se manifestou no Facebook, preferindo aludir à posição de esquerda do diretor de cinema gaúcho como justificativa para o "ataque" ao quarteto paulista.
Roger também optou pela desqualificação no Facebook, ao identificar o nome de Gerbase em uma lista de 760 artistas brasileiros que supostamente teriam assinado um manifesto contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. "Fracassado rancoroso é sempre petista."
O Roger, do Ultraje a Rigor, está reclamando que a sua banda foi maltratada pela equipe dos Rolling Stones, para quem abriram o show no Rio de Janeiro. Ele escreveu em seu Twitter: "Nós somos lixo para eles". Não sei em que condições contratuais o Ultraje fez seu show, não sei se receberam um bom cachê e não posso opinar sobre o tratamento que a banda recebeu, já que eu não estava lá. Mas posso contar uma pequena história sobre a abertura que a banda Os Replicantes fez para o primeiro show do Ultraje a Rigor em Porto Alegre, lá pelos idos de 1986.
Nós (Os Replicantes de então: Wander Wildner, Heron Heinz, Cláudio Heinz e Carlos Gerbase) éramos amigos dos produtores que trariam o Ultraje para tocar no Auditório Araújo Vianna e fomos convidados para fazer a abertura, sem receber cachê, simplesmente pela oportunidade de tocar num lugar bacana, para um grande público ("Inútil", do Ultraje, estava rodando bastante nas rádios, e isso garantia o sucesso do espetáculo). Topamos. Na hora de combinar como seria a infra do palco, a produção disse que poderíamos usar os mesmos amplificadores e a mesma bateria do Ultraje.
Minha bateria, na época, era uma Pinguim pequena e de segunda mão, de quem guardo excelentes recordações, mas que não tinha condições de fazer um show profissional para 5 mil pessoas: pedal de bumbo quase estragado, peles quase furando, estantes de pratos quase caindo e pratos (nacionais) já rachados. Como os pratos e a caixa são equipamentos muito pessoais e sujeitos a avarias, combinamos que, apesar de tudo, eu usaria os meus. Punk rock não tem frescura.
De tarde, fomos passar o som. Tudo normal. Sentei na bateria colocada num praticável e comecei a arrumar meus pratos e a caixa, quando alguém me disse que eu não poderia usar aquela bateria, pois o Ultraje não queria emprestar. Tinham ficado sabendo que eu tinha a mania de detonar e derrubar o instrumento no final do show. Mito. A minha pobre bateria é que caía sozinha às vezes. Expliquei para a produção e para os caras do Ultraje que eu tomaria o máximo cuidado, mas não houve acordo.

Roger Rocha Moreira (esq.) e Marcos Kleine no Maracanã, abrindo para os Stones (FOTO: ARQUIVO PESSOAL/FACEBOOK)
Faltava menos de uma hora para o show. Não dava tempo para alugar outra bateria. A solução foi pegar meu carro e trazer minha Pinguim velha de guerra, que foi montada na frente do praticável da bateria do Ultraje. Nem o praticável eu pude usar! Lembro do contraste entre a Pinguinzinha, no chão, e aquela bateria enorme e importada sobre o seu praticável. Que merda! Eu me sentia como lixo… Que bom!
Entramos no palco e quebramos tudo (esteticamente falando). Foi um dos shows mais bacanas da história da banda, com direito a muito pogo no fosso do Araújo (que saudade do fosso!). E a Pinguinzinha ali, com seus pratos rachados, suas estantes periclitantes, seu pedal de bumbo arrumado com arame, resistindo bravamente. Tocamos uns quarenta minutos, conforme o combinado, e saímos do palco suados, felizes e com a sensação de termos feito história. Recolhi a Pinguim, botei no porta-malas do meu Chevette (sim, ela cabia inteira no porta-malas) e voltei pra ver o show do Ultraje.
Fazendo sua primeira piada (ou "homenagem") da noite, os quatro músicos do Ultraje entraram no palco pilchados, isto é, de bombacha e com uns lenços ridículos na cintura. Levaram uma das maiores vaias da história do Araújo. O rock é, antes de qualquer coisa, uma música que derruba convenções e estimula a liberdade, e os caras vêm fantasiados de "gaúchos". É dose. Comecei a ver o show, aguentei uns vinte minutos e, percebendo o populismo da banda (o tempo todo querendo "agradar" ao público) fui embora.
Essa é a história. Pena que nunca abrimos para os Rolling Stones. Pena que nunca toquei na Gretsch do Charlie Watts. Mas ainda bem que nunca sentei na bateria do Ultraje a Rigor. Ela não merecia a minha bunda.
Sobre os Autores
Sobre o Blog
Contato: contato@combaterock.com.br
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.